Ultimamente temos dedicado
alguns artigos relativos à recuperação dos cães medrosos, quer hajam nascido
assim ou tenham sido vítimas de algum trauma, muito embora nenhuma das causas
seja de categórica e fácil eliminação, sendo ainda mais difícil recuperar
aqueles que somaram à razão genética outra ambiental. O medo dos humanos é mais
comum nos lobos que nos cães e sempre que ele se torna visível nos últimos, não
sobrando daí nenhuma razão ambiental, algo de errado aconteceu na selecção dos
seus progenitores, que ao invés de dotarem a sua prole da adaptabilidade
necessária à sua coabitação prestativa, antes lhe transmitiram a desconfiança e
o medo ancestrais.
Imagine-se um cão que teme
qualquer pessoa e o comportamento de todas, que resiste a circular no meio
delas e que tem pavor das suas festas, apesar de evoluir satisfatoriamente no
seu ambiente e perante pessoas que conhece desde sempre. Neste caso, para que
leve de vencida os seus receios “infundados”, connosco ao seu lado a acalmá-lo,
importa colocá-lo dentro de uma box de transporte num local público, onde passe
um número razoável de transeuntes, para que os possa observar (estudar o seu
comportamento) sem ser incomodado, porque doutro modo a sua sociabilização
resultaria mais difícil. Porquê uma box de transporte e não uma feita
totalmente de grades de ferro? Caso optássemos por uma box de grades, a sua
exposição seria maior e o pânico dela resultante, pela vulnerabilidade
oferecida, atentaria contra o nosso propósito. Uma box porquê? Porque lá dentro
sentir-se-á mais protegido, não será surpreendido pela retaguarda, observará
quase sem ser visto e prontamente reagirá à aproximação de estranhos, quer
avisando da sua presença quer advertindo-os, porque mais depressa defenderá um
espaço pequeno que outro mais amplo, sendo esta a razão que leva os cães a
defender mais depressa um carro do que uma propriedade. Estando a box ao nosso
lado, depressa aquilataremos dos progressos do animal, que deverá ser liberto e
atrelado quando se encontrar calmo ou fizer menção de sair.
Caso os seus receios não
se estendam aos outros cães, depois de ter reagido à aproximação dos estranhos
de dentro da box, deverá ser instalado numa linha de cães prontos a atacar uma
cobaia, para que reaja por simpatia e de acordo com o apoio e exemplo dos seus
companheiros mais experimentados, uma vez que o problema é também de origem
social. Quando manifestar desejo de capturar a cobaia há que incentivá-lo e não
assustá-lo, recompensando-o sempre que possível, mesmo quanto manifeste pouco
interesse ou as suas tentativas sejam ténues. Independentemente disso, exige-se
um figurante experimentado, que instigue ao invés de intimidar e que no
princípio dispensará o uso do bastão. Caso os receios do cão se estendem também
aos seus pares, deverá ser colocado numa linha constituída por cachorros já
iniciados e por cadelas minimamente controladas. Trata-se aqui de despertar o
impulso à defesa nele deficitário, de dar-lhe uma experiência que lhe transmita
confiança e que leve de vencida os seus medos.
Nenhum destes dois
momentos poderá ter um cronograma previamente estabelecido, porque cada animal
desperta em diferentes momentos e cada um estabelecê-lo-á de acordo com as
respostas positivas que nos vai dando. Cães assim recuperados não deverão ser
usados para guarda, porque tanto poderão morder a medo quando regredir perante
o aumento da oposição. Em vez disso, deverão continuar a sua capacitação
através de churros e outros brinquedos que defenderão ou lutarão pela sua posse.
Parece simples e é, desde que haja muita paciência e empenho.
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