sexta-feira, 22 de julho de 2016

… ALÉM DISSO TENHO QUATRO CÃES!

Fernando Santos, treinador e seleccionador da Selecção Portuguesa de Futebol, numa entrevista, após ter renovado o contrato que o liga à Federação Portuguesa de Futebol, quando questionado por um jornalista acerca da possíveis dificuldades que irá encontrar no seu trabalho, disse: “não sinto pressões e não tenho medo, além disso tenho quatro cães”, numa alusão ao provérbio popular que diz: ”quem tem medo, compra um cão”. Mas será que os tem de facto? Conhecê-los-á bem? Cuidará bem deles? Passará com eles o tempo necessário, serão seus cúmplices ou ser-lhes-ão de algum modo desconhecidos? São muitos os que nos dizem terem sido criados com cães por perto ou possuírem meia-dúzia deles para justificarem o seu pretenso saber e conhecimento básico dos cuidados que estes companheiros reclamam, não se provando nem uma coisa nem outra quando a conversa se estende.
Ter uma matilha de cães não implica em conhecê-los individualmente e ir ao encontro das necessidades de cada um, porque todos são diferentes, reclamam por atenção e exigem cuidados diversos. Quanto maior for o seu número, a menos que não façamos mais nada, menor será o nosso auxílio a cada um deles, porque não nos podemos repartir ou desmultiplicar equitativamente por ausência de disponibilidade, verdade que torna a colecção de cães num autêntico disparate e num gozo por demais dispendioso, opção que mal serve aos cães e que acaba por complicar a vida dos donos, muitos deles sem condições para cuidarem satisfatoriamente de um só, ficando os cães entregues uns aos outros e os donos literalmente entregues à bicharada!
Quem tem vários cães espera que eles se entretenham uns com os outros e que dispensem assim maiores cuidados, julgando-os felizes dessa maneira e pouco interagindo com eles, o que é falso apesar de cómodo. Todos os cães reclamam por um tratamento próximo e individual. E quando assim não sucede, porque os animais passam mais tempo uns com os outros do que com os donos, assiste-se à constituição da matilha animal e ao respectivo escalonamento social que a sustenta, que irá privilegiar os mais fortes em detrimento dos mais cúmplices, que virão agir de acordo com o que lhes é permitido e não segundo as suas capacidades ou mais-valias, agravando assim o seu fraco impulso ao poder e os seus receios, herança e inibição que os tornarão imprestáveis e por demais arredios. Há quem diga que eles se “entendem”, entendimento só possível pela lei do mais forte que escalonará aquela hierarquia à dentada. E quando as picardias se tornam mais graves e constantes, logo se apela aos bons ofícios da santa castração, em substituição de uma liderança inexistente, que não se quer intrometer ou que resiste à investidura.
É nossa opinião e quem nos deu ouvidos dá-nos razão, que só se deve adquirir um segundo cão depois do primeiro se encontrar minimamente educado, que a sociabilização canina é tarefa dos donos e que só ela poderá evitar a crueza e os desprezíveis reflexos do escalonamento animal puro e simples. Assim como os cães dominantes carecem de domínio, também os submissos necessitam de ser felizes e libertos dos seus medos, e só a ingerência humana será capaz de fazê-lo, ao reclamar para si o papel de líder no lugar do macho-alfa. E se um cão exige uma marcha diária de 5 km de extensão ao lado do dono para se manter em forma, se eu tiver 4 cães serei capaz de fazer 20 km diários? É evidente que poderei atrelá-los a um carro, entregá-los aos bons ofícios das passadeiras e carroceis mecânicos, mas prestar-se-á estas máquinas para o robustecimento do seu carácter e para o fortalecimento dos necessários vínculos afectivos com os donos? Que alegria desenvolverão quando condicionados naquelas máquinas?
Há quem justifique a sua irresponsabilidade pelo terreno que tem à disposição dos seus cães, que sendo extenso supriria as suas necessidades atléticas e excursionistas, mentira nua e crua porque os cães não tendo o que fazer nas grandes extensões, acabam por permanecer nos locais que lhes são mais aprazíveis e que lhes garantem a sua subsistência: junto às habitações, aos portões ou em locais onde se podem abrigar do frio e do calor, também naqueles onde se sentem mais protegidos e cómodos, porque há muito deixaram de ser selvagens e sobrevivem pela dependência. Ter muitos cães é não poder valer convenientemente a todos, é beneficiar os mais fortes e abandonar os mais fracos à sua sorte. E diante de tudo isto uma pergunta se agiganta: se não tenho tempo para eles, por que carga de água fui buscá-los? Para serem infelizes? Justificará o meu gozo a sua infelicidade? Ainda bem que os cães não falam!

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