Fernando Santos, treinador
e seleccionador da Selecção Portuguesa de Futebol, numa entrevista, após ter
renovado o contrato que o liga à Federação Portuguesa de Futebol, quando questionado
por um jornalista acerca da possíveis dificuldades que irá encontrar no seu
trabalho, disse: “não sinto pressões e não tenho medo, além disso tenho quatro
cães”, numa alusão ao provérbio popular que diz: ”quem tem medo, compra um cão”.
Mas será que os tem de facto? Conhecê-los-á bem? Cuidará bem deles? Passará com
eles o tempo necessário, serão seus cúmplices ou ser-lhes-ão de algum modo
desconhecidos? São muitos os que nos dizem terem sido criados com cães por
perto ou possuírem meia-dúzia deles para justificarem o seu pretenso saber e
conhecimento básico dos cuidados que estes companheiros reclamam, não se
provando nem uma coisa nem outra quando a conversa se estende.
Ter uma matilha de cães
não implica em conhecê-los individualmente e ir ao encontro das necessidades de
cada um, porque todos são diferentes, reclamam por atenção e exigem cuidados
diversos. Quanto maior for o seu número, a menos que não façamos mais nada,
menor será o nosso auxílio a cada um deles, porque não nos podemos repartir ou
desmultiplicar equitativamente por ausência de disponibilidade, verdade que
torna a colecção de cães num autêntico disparate e num gozo por demais
dispendioso, opção que mal serve aos cães e que acaba por complicar a vida dos
donos, muitos deles sem condições para cuidarem satisfatoriamente de um só,
ficando os cães entregues uns aos outros e os donos literalmente entregues à
bicharada!
Quem
tem vários cães espera que eles se entretenham uns com os outros e que dispensem
assim maiores cuidados, julgando-os felizes dessa maneira e pouco interagindo
com eles, o que é falso apesar de cómodo. Todos os cães reclamam por um
tratamento próximo e individual. E quando assim não sucede, porque os animais
passam mais tempo uns com os outros do que com os donos, assiste-se à constituição
da matilha animal e ao respectivo escalonamento social que a sustenta, que irá
privilegiar os mais fortes em detrimento dos mais cúmplices, que virão agir de
acordo com o que lhes é permitido e não segundo as suas capacidades ou
mais-valias, agravando assim o seu fraco impulso ao poder e os seus receios,
herança e inibição que os tornarão imprestáveis e por demais arredios. Há quem
diga que eles se “entendem”, entendimento só possível pela lei do mais forte
que escalonará aquela hierarquia à dentada. E quando as picardias se tornam
mais graves e constantes, logo se apela aos bons ofícios da santa castração, em
substituição de uma liderança inexistente, que não se quer intrometer ou que
resiste à investidura.
É nossa opinião e quem nos
deu ouvidos dá-nos razão, que só se deve adquirir um segundo cão depois do
primeiro se encontrar minimamente educado, que a sociabilização canina é tarefa
dos donos e que só ela poderá evitar a crueza e os desprezíveis reflexos do escalonamento
animal puro e simples. Assim como os cães dominantes carecem de domínio, também
os submissos necessitam de ser felizes e libertos dos seus medos, e só a
ingerência humana será capaz de fazê-lo, ao reclamar para si o papel de líder
no lugar do macho-alfa. E se um cão exige uma marcha diária de 5 km de extensão
ao lado do dono para se manter em forma, se eu tiver 4 cães serei capaz de
fazer 20 km diários? É evidente que poderei atrelá-los a um carro, entregá-los
aos bons ofícios das passadeiras e carroceis mecânicos, mas prestar-se-á estas
máquinas para o robustecimento do seu carácter e para o fortalecimento dos
necessários vínculos afectivos com os donos? Que alegria desenvolverão quando
condicionados naquelas máquinas?
Há quem justifique a sua
irresponsabilidade pelo terreno que tem à disposição dos seus cães, que sendo
extenso supriria as suas necessidades atléticas e excursionistas, mentira nua e
crua porque os cães não tendo o que fazer nas grandes extensões, acabam por
permanecer nos locais que lhes são mais aprazíveis e que lhes garantem a sua subsistência:
junto às habitações, aos portões ou em locais onde se podem abrigar do frio e
do calor, também naqueles onde se sentem mais protegidos e cómodos, porque há
muito deixaram de ser selvagens e sobrevivem pela dependência. Ter muitos cães
é não poder valer convenientemente a todos, é beneficiar os mais fortes e
abandonar os mais fracos à sua sorte. E diante de tudo isto uma pergunta se
agiganta: se não tenho tempo para eles, por que carga de água fui buscá-los?
Para serem infelizes? Justificará o meu gozo a sua infelicidade? Ainda bem que
os cães não falam!
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