domingo, 4 de fevereiro de 2024

BRAQUICÉFALOS: EXERCÍCIO E ESPERANÇA DE VIDA

A grosso modo, os cães braquicéfalos são aqueles que apresentam uma cabeça achatada e o focinho encurtado, como são os casos do Boston Terrier; Boxer; Buldogue Francês; Buldogue Inglês; Cavalier King Charles spaniel; Dogue de Bordéus; Lhasa Apso; Pequinês; Pug; Shar Pei; Shih-Tzu e Staffordshire Bull Terrier. De momento não me lembro de mais nenhum, mas é possível que ainda falte mais algum. Estes cães apresentam por norma dificuldades acrescidas no treino e devem ser alvo de cuidados especiais, particularmente na ginástica e debaixo de amplitudes térmicas, onde atingem facilmente a exaustão por via de complicações cardiorrespiratórias, as mesmas que comprometem a sua saúde, bem-estar, qualidade de vida e longevidade, somatório de problemas que tem levado alguns países a proibir a sua reprodução. Salvo honrosas excepções, a esmagadora maioria destes cães jamais terá condições para concorrer a provas caninas, porque nelas poderá colocar a sua vida em jogo, particularmente as que são feitas ao cronómetro, sejam elas desportivas ou relativas à segurança.

Contudo, não devemos arredá-los definitivamente da ginástica, dos exercícios que propicia e dos seus benefícios, porque importa que tenham uma vida saudável por mais tempo, contrariando as suas impropriedades ou insuficiências inatas. Assim, os exercícios que lhe são indicados deverão ter menor intensidade e maior duração, permitindo-lhes que se ginastiquem por mais tempo sem atingirem a exaustão. Outro grande benefício de se proceder assim é a queima de gorduras a partir da gordura corporal pela maior frequência da prática aliada à baixa intensidade. Com isso evitamos que engordem (o que não seria nada aconselhável) e podemos também proceder ao seu emagrecimento, se necessário. Paralelamente, os cães ganham resistência cardiorrespiratória pela maior resistência aos esforços. Como se depreende, tudo isto só deverá acontecer depois do parecer favorável do veterinário assistente de cada um dos cães, porque doutro modo estaremos a exceder a nossa competência e poderemos agravar, ainda mais, a frágil qualidade de vida dos animais, contribuindo em simultâneo para o encurtamento dos seus dias.

Que exercícios são-lhes recomendados? Logo à cabeça, a caminhada diária, executada numa toada calma e ritmada, numa extensão de 3km, arredada das amplitudes térmicas, da exagerada humidade e da continuada exposição ao sol, de preferência em piso térreo e nunca com continuado vento pela frente. Para que a caminhada surta os benefícios desejados, os cães já deverão saber andar à trela sem rebocar ou serem rebocados pelos donos, caso contrário poderão ser tomados pela exaustão antes de terminarem o passeio, o que ninguém deseja. Por razões psicossociais importa dar-lhes alento e impedir que o stresse os domine, pelo que as caminhadas deverão ser feitas lado-a-lado com o dono e nunca com os animais atrelados a qualquer tipo de viatura (o acompanhamento dos donos na divisão de tarefas é o melhor dos subsídios para o esforço dos animais).

Também a natação é um dos exercícios recomendados para os cães braquicéfalos, muito embora necessite de uma aprendizagem faseada e gradual, tirada a princípio de estratégias lúdicas que tornem o exercício natatório em algo natural e apetecível aos olhos dos animais. Se inicialmente houver necessidade de se recorrer ao auxílio de coletes salva-vidas para evitar a aflição de alguns, há que fazê-lo até que os animais se sintam cómodos dentro de água e acabem por dispensá-los. Os cães nadam correctamente quando mantêm as quatro patas a trabalhar abaixo da linha de água. A menos que isso parta deles, os braquicéfalos não deverão ser convidados para a prática do mergulho nem para o transporte de grandes objectos, o que só aumentaria a sua aflição e se constituiria num sério revês. No ensino da natação e sabendo que o cão tem uma forte componente social, é estrategicamente correcto usarmos outros cães para valermos aos braquicéfalos e levá-los rapidamente a vencer os desafios da água pelo exemplo. As primeiras lições deverão acontecer em águas sem ondulação e quando a temperatura da água estiver no mínimo a 15 graus celsius.

Sem prévia e gradual ambientação, que deverá acontecer ao longo do ano, estes cães não são os mais indicados para as estâncias montanhosas de neve, como não o são para altitudes acima dos 700 m, o que não significa que a altitude não lhes possa ser benéfica como é para os outros cães, somente que carecem de uma ambientação mais demorada do que os demais, porque são de difícil adaptação à rarefacção do oxigénio e extremamente vulneráveis aos choques térmicos. O primeiro cuidado a ter com eles na Pista Táctica é evitar a transição brusca e consecutiva de andamentos que costumeiramente lhes causa problemas respiratórios por necessitarem de mais tempo de recuperação. O grau de dificuldade dos obstáculos deverá dar resposta às exigências do seu quotidiano e apenas isso, tornando-os aptos para acompanhar os seus donos para toda a parte, subir e descer escadas, saltar para o carro e para a mesa do veterinário, o que equivale a dizer que os obstáculos que lhe estão destinados são os de aquecimento, os constantes no Perímetro Exterior.

Existem cães braquicéfalos que dispensam estes cuidados? Sem dúvida, mas são as excepções que confirmam a regra! Assim, a admissão escolar de um cão destes não deverá ser feita à revelia do veterinário que o assiste, mas com o seu conhecimento e consentimento, porque só ele saberá o que melhor convém ao animal. Os cães braquicéfalos que nos são confiados, ao verem suavizados os seus problemas, tornam-se mais saudáveis, abraçam melhor qualidade de vida, experimentam maior alegria e veem os seus dias aumentados. Propositalmente, para não enfadar os meus leitores, escusei-me a falar dos muitos trabalhos que desenvolvo com estes cães. Contudo, quem desejar tomar conhecimento deles e puder, pode deslocar-se à escola e certificar-se disso, pois temos cá um cão para exemplo. Os cuidados que dispenso aos braquicéfalos são praticamente os mesmos que dedico aos cães mais velhos e aos convalescentes. Procederão todos os adestradores assim? É bem possível que não, andando alguns continuamente embrenhados em “truques e truquinhos”, incapazes de juntar à destreza técnica o conhecimento científico e de pô-lo em prática nas suas actividades. 

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