Raro
é aquele proprietário canino que não tem vaidade no seu cão e que não o
considera o melhor do mundo (1), porque é seu e ninguém gosta de andar na
rua “malvestido” com cães, chegando alguns a atribuir uma raça específica ao
seu parceiro de 4 patas quando só Deus consegue adivinhar a ascendência do
animal, por ter de tudo um pouco e nada em particular. Seria mentiroso se
dissesse que não tenho vaidade no meu cão, muito embora me sinta mais grato do
que vaidoso, por me ter calhado em mãos um animal tão inteligente, um daqueles
que possivelmente só encontraremos uma vez na vida. Este CPA negro enganou-me
logo aos 2 meses de idade e foi até hoje o único que conseguiu fazê-lo, pelo
que foi excluído no meio de dois irmãos que escolhi para uma aluna minha. Quis
a desgraça que virou fortuna, tanto para ele como para mim, que o moço a quem
foi entregue, por motivos de dependência familiar, se visse obrigado a devolvê-lo
ao criador. Num ápice veio parar-me às mãos e até hoje não deixou de surpreender-me.
Sim, aquele que eu rejeitei por não lhe ver grande préstimo, veio a revelar-se
um companheiro extraordinário, um cão que gostaria de ser gente e que me entende
através de diferentes linguagens, sendo capaz de me pedir o que lhe aprouver
através da mímica.
Tenho testemunhado que através de meticulosa observação, ele consegue nalguns casos estabelecer uma relação causa-efeito, como na ocasião em que derrubou um vaso onde a chuva caía e que dali salpicava para dentro da sua barraca, molhando-o (não é caso isolado). Desde muito novo interessei-me pela comunicação interespécies e no país em que nasci nada tinha para satisfazer a minha curiosidade. Por sorte, numas férias de verão em Cascais, na década de 60, conheci um velho alemão, aqui exilado, de quem já falei neste blogue, que me falou da “Hundesprechschule Asra” (2) (na foto abaixo), relato que me pareceu fantasioso, mas que me deu ânimo para continuar a minha pesquisa e dedicar-me ao adestramento.
Com o meu cão tenho aplicado os
conhecimentos dos actuais peritos em linguagem animal e comunicação
interespécies. Advindo disso, desde sempre completei e nalguns casos substitui a
linguagem verbal pela mímica no ensino canino, para tornar mais perceptíveis os
conteúdos de ensino, agilizar o cumprimento das ordens, proteger os binómios em
caso de necessidade e alcançar a comunicação em maiores distâncias praticamente sem delongas.
Comunico
com o meu cão através de uma relação de mútuo entendimento, dando significados
às suas reacções e expressão emocional àquilo que pretendo transmitir, não
hesitando em recorrer à recompensa, pelo que o nosso entendimento, numa fase
ulterior, pode acontecer por meios menos vistos e possivelmente imperceptíveis
para quem assiste, dando às reacções instintivas e instantâneas do animal
outros significados por imitação, indução e insistência. Em muito má hora,
decidi aproveitar o lamber ocasional do cão para ensiná-lo a pedir de comer. No
início o cão fazia-o como resposta à pergunta “queres comer?” e agora fá-lo
sempre que lhe apetece comer, conforme se pode ver no GIF seguinte. Pelas
expressões mímicas das orelhas, percebe-se que este comportamento condicionado
foi alcançado sem recurso à coerção ou a outro tipo de violência. A assimilação
deste comportamento conseguiu transformar uma comum manifestação de stress num
claro pedido de ajuda. Para mal dos meus pecados, o cão tem um forte impulso ao
alimento, pelo que não voltarei a ensinar outro assim, quer seja meu ou de outrem.
Também consegui que o cão ao urinar não
levantasse a perna como é comum entre os machos, para que não queimasse com a
sua urina as flores dos meus canteiros E, quem o vê urinar assim, pensa que é
ainda um cachorro, alvitrando que ao crescer virá a ser maior do que um burro,
apesar de já ser adulto e pesar 54 kg, confusão e sentença que sempre acabam
por divertir-me. Lidar com cães inteligentes não é fácil, mas sinto-me
imensamente feliz por ter um que me entende e que se faz entender. Quem o vê na
rua corre para ele admirado, afinal não é todos os dias que se vê um Cão de
Pastor Alemão Negro e muito menos um com mais de 50 kg. Depois da milha diária
voltamos às nossas “conversas” e cada vez mais nos compreendemos melhor!
(1)No que concerne a patranhas, os donos dos cães poderão juntar-se a pescadores e caçadores porque estarão na sua zona de conforto. (2) A Hundesprechschule Asra ou Tiersprechschule Asra (escola falante de Asra para cães; escola falante de Asra para animais) foi uma instituição para cães “falantes” que existiu em Leutenberg, na Turíngia, Alemanha, de 1930 até perto do final da Segunda Guerra Mundial. Tinha como objectivo melhorar a comunicação entre os soldados e os cães de guerra através de um melhor entendimento recíproco. Com o fim da Alemanha nazi, coube à Stasi (Ministerium für Staatssicherheit) polícia política da extinta República Democrática alemã – DDR (Deutsche Demokratische Republik) continuar um trabalho sucedâneo visando a formação de um super-soldado canino.
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