Desde
bem novo que me interrogo acerca dos artistas serem tão poucos, uma vez que o
seu trabalho é tão útil e meritório para os demais, quando feito a pensar neles.
Agora, depois da idade me ter dado algumas informações que precisava, penso que
já sei, porque poucos são os homens capazes de revoltar-se contra o seu destino
e de suportar as consequências disso, ainda que em todos reine um sentimento de
insatisfação. No grupo dos insatisfeitos inveterados podemos incluir todos os genuínos
artistas, gente de desassossego que acredita em algo para além daquilo que vê e
que raramente se contenta, embebida de uma força criadora imensa e sufocante,
que nunca se dá por satisfeita e que é também extremamente perigosa, capaz até de
embriagar alguns e de transportá-los da visão à loucura. A arte no seu todo,
não foi feita para os conformados e só os inconformados poderão mudar o mundo,
ainda que os seus contemporâneos os tratem como loucos, jugo que a maioria sempre
evitou a qualquer preço.
A
despeito das muitas ciências que contribuem para o seu aproveitamento e
resultados, o adestramento canino é também uma arte e ao sê-lo, tem os seus
próprios artistas, “elenco” que não se restringe apenas aos adestradores, mas
que se estende a todos aqueles que ousam treinar o seu cão. O apelo canino é
por natureza emocional, surge como uma necessidade e pode resultar numa
excelente terapia para quem anda constantemente insatisfeito com o mundo à sua
volta. Por conseguinte, o simples acto de pegar numa trela pode estar muito
para além daquilo que aparenta, porque carrega expectativas e conecta quem a
pega a uma realidade desejada e não visível, a um sonho que quer tornar-se real
e que pouca importância dá aos requisitos técnicos, apostado que está numa nova
experiência pessoal a partir da evasão. E quando esta experiência subliminal é
premiada com a fusão de sentimentos humanos e caninos, a liderança perde a sua
razão de ser, a unidade de propósitos é alcançada e a arte toma conta de dois
seres, irradiando o melhor de ambos como se fossem apenas um.
Se
uns alguns conseguem entrar no mundo dos sonhos e transportá-los para a
realidade ao conduzir um cão, outros há que acabarão por descobrir que não são
quem pensam, mas quem não ousam revelar, alguém capaz de convencer os demais,
mas incapaz de esconder dos cães a sua verdadeira natureza. Há medida que o
adestramento vai evoluindo e o dualismo das vontades acontece (entre homens e
cães), estes indivíduos são lançados no marasmo e não sabem a quem apelar, se à
identidade adoptada ou à escondida. Tendencialmente optam por esconder-se, o
que não é a melhor opção para quem precisa de confiar neles e que eventualmente
não guarda deles as melhores recordações. É muito difícil para quem não se quer
revelar, experimentar o êxito e alcançar a arte que o adestramento põe à
disposição de quem o procura. Haverá nisto algum tipo de predestinação? Se
houver, a resposta virá da genética, assim como a capacidade de amar, resistir
e criar. Seja como for, apesar dos magros honorários, cabe aos adestradores
fomentar a profícua unidade binomial e contribuir eficazmente para a felicidade
de homens e cães.
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