segunda-feira, 28 de setembro de 2020

CARA DE POUCOS AMIGOS PARA QUÊ?

 

Sempre ouvi dizer que “todos os caminhos vão dar a Roma”, apesar de alguns serem mais tortuosos e morosos, o que também abrange os métodos usados no adestramento. Uma pesquisa recente, originária da Universidade de Estocolmo, na Suécia e publicada na revista Biology Letters, decidiu encontrar respostas para perguntas como estas: Que razões levam os cães a brincar? Se a sua ludicidade foi procurada no início do processo de domesticação? Em que isso os beneficia? Os cães brincalhões são mais fáceis de treinar? Existe alguma relação entre cães brincalhões e alta capacidade de aprendizagem?

Confirmou-se que a ludicidade foi favorecida no início da criação e domesticação dos cães; que os cães que mais interagem e ajudam os humanos – aqueles que mais trabalham, são os que apresentam maior propensão para a brincadeira e que esta característica poderá ser importante para uma maior capacidade de aprendizagem. Niclas Kolm, principal autor do estudo, disse a respeito: “Altos níveis de comportamento lúdico dirigido por humanos são particularmente importantes nos cães que trabalham em estreita colaboração com os seus donos e treinadores; por exemplo, para recuperar um objecto ou para ajudar a pastorear o gado.”

Contrariamente aos seus ancestrais lobos, os cães domésticos adoram brincar, mesmo quando adultos (com seus amigos caninos, outras espécies animais, humanos ou até com objetos). Existem muitas teorias sobre a razão que os leva a agir assim. A equipa de Kolm estava interessada em saber como a evolução comportamental pode ser moldada pela selecção artificial, particularmente o comportamento lúdico endereçado pelos humanos aos cães. Para obterem uma resposta fiável, os pesquisadores compararam o nível de brincadeira com os humanos de diferentes raças caninas, num total de 132 e de quase 90.000 cães, usando dados recolhidos pelo Swedish Kennel Club, combinado com a classificação de raças do American Kennel Association. 

Estes foram agrupados em cães de pastoreio, de caça, desportivos, não-desportivos, terriers, de brinquedo e de trabalho, sendo as análises foram voltadas para ancestralidade comum e para o fluxo génico entre eles (origem). Os resultados mostraram que os ancestrais dos cães já exibiam comportamentos lúdicos encontrados em várias raças modernas e que se alinhavam bem com os agrupamentos arbitrários. Notavelmente, as raças pastoris e desportivas mostraram mais ludicidade do que as raças não-desportivas e de brinquedo.

“A reconstrução ancestral, ao mostrar níveis intermediários de brincadeira com humanos nas primeiras raças, sugere que os cães brincalhões foram escolhidos cedo porque eram mais fáceis de trabalhar - ou apenas mais divertidos de se ter por perto. Então, a análise mostrou que o traço evoluiu para cima e para baixo durante a reprodução das diferentes funções e actualmente é mais marcante nas funções das raças que exigem uma relação de trabalho mais próxima entre os cães e seu treinador ou proprietário. Estas raças incluem retrievers, pointers e collies que trabalham de perto e mantêm contacto visual com os humanos”, disse Kolm (na foto seguinte). Os autores sugerem que a brincadeira pode ajudar a construir um forte vínculo entre o cão e o condutor.

Depois do que acabámos de difundir, torna-se claro que não brincar com um cão de trabalho pode obstar ao seu total aproveitamento; que a brincadeira induz ao trabalho e que este pode e deve iniciar-se a partir de uma brincadeira (experiência feliz); que a adopção do “reforço positivo” não obedeceu a uma reposição de justiça em relação aos cães, mas surgiu como resposta ao fracasso dos métodos anteriores que apenas conseguiam valorizar um punhado de animais - através da brincadeira eu ganho um companheiro, pela repreensão sistemática semeio o medo. A brincar, eu consigo transformar um cordeiro num leão, dar a um cão aquilo que à partida parecia impossível, porque o amor tudo torna possível e nunca retorna de mãos vazias. Há cães com os quais pouco se pode brincar? Há e carecem doutro método, exigem donos determinados e felizmente são uma escassa minoria, provavelmente a mesma que no passado era aprovada e exaltada. O tempo da cara “de poucos amigos” já lá vai, chegou a hora de brincarmos com os cães!

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