O nome de San Cristóbal de
La Laguna, na Ilha de Tenerife, nas Canárias, Espanha, declarada Património Mundial
pela Unesco, cidade aqui tratada por “San Cristóbal de Las Garrapatas”, anda
pelas redes sociais a ser enxovalhado, tudo porque as autoridades locais
(Polícia e Defesa Civil) encontraram ali cinco cães completamente
negligenciados, sem água e sem comida, ininterruptamente ao sol, com as
costelas à vista e os ossos das pernas espetados, para além de terem as orelhas
carregadas de carraças, pormenores que o britânico tablóide “Daily Mail” fez
questão de não omitiu aos seus leitores. Depois de resgatados pelas
autoridades, os cães foram encaminhados para o Albergue Comarcal Valle Colino,
onde passarão um trimestre a recuperar, sendo depois desse período propostos
para adopção.
Evito sempre que possível
comentar ou criticar episódios rocambolescos que se passem no país vizinho,
relacionados com cães ou não, porque sei que o vulgo das pessoas tende a
generalizar e o adjectivo “espanhol” alberga vários povos com profundas
diferenças entre si, tanto étnicas quanto culturais, pelo que a nenhum deles deverá
ser imputado aquilo que o outro fez. A Espanha é tão grande e abrangente que as
diferentes províncias portuguesas com facilidade encontrariam as suas
correspondentes do outro lado da fronteira, integrando-se nelas naturalmente.
Bem sei que Portugal e os portugueses não são bem vistos por todos os espanhóis,
mas também sei que em algumas províncias da Coroa Espanhola são admirados, nem
que seja pelo simples facto de se terem libertado do seu jugo. Voltemos às garrapatas
(carraças).
Estamos no Séc.XXI, Tenerife
é a maior ilha do Arquipélago das Canárias, a maior e mais povoada da
Macaronésia (1) e um destino turístico de eleição para muitos
europeus do centro e norte da Europa, e de tal maneira o é, que há por lá
alemães “a dar com um pau”, já se fala de “ocupacion alemana y que el alemán será
el segundo idioma oficial ahi” (se no Algarve é importante saber falar inglês,
nas Canárias importa falar alemão). Perante tamanho destaque, cães cobertos de
carraças não serão o melhor “Visitenkarte” ou “Visiting Card” desta Região Autónoma
Espanhola, particularmente quando toda a Europa pugna pelo bem-estar animal e
não perdoa a quem o desrespeite.
A preocupação europeia com
o bem-estar animal é tanta que um conhecido meu, homem naturalmente pessimista
e acostumado a fazer humor da desgraça, disse-me que ia pôr um anúncio nos
media com os seguintes dizeres: “Homem solteiro oferece-se como animal de
estimação. Sou meigo, não puxo à trela, não arranho e não mordo, não me cai o
pêlo, sei falar mas posso ladrar ou miar, sou asseado, não marco território,
não urino e não defeco onde não devo, como pouco, sei cuidar da minha higiene,
durmo em qualquer cantinho e tenho muito carinho para dar – só o que me
quiserem dispensar!”
Eu
só quero ter boas notícias das Ilhas Canárias, para más já me basta a história
do extermínio dos Guanches (2) ocorrido
ali no Séc.XV. Se na Antiguidade Juba II, rei da Numídia (3),
baptizou estas ilhas com esse nome por nelas ter encontrado um grande número de
cães (ilhas dos cães), eu quero que elas sejam também afortunadas para estes
fiéis animais que nos acompanham há milhares de anos, um lugar exemplar entre o
céu e o mar onde possam viver felizes e saudáveis.
(1) Macaronésia é um nome moderno para designar os vários
grupos de ilhas no Atlântico Norte, perto da Europa e da África, também uma
extensa faixa costeira do Noroeste da África, fronteira a esses grupos de
ilhas, que se estende desde Marrocos até ao Senegal. (2) Guanches
eram o povo nativo das ilhas Canárias, que vivia aparentemente ainda na Idade
da Pedra quando as ilhas começaram, a partir da alta Idade Média, a serem
regularmente visitadas pelos europeus e posteriormente ocupadas pelos
castelhanos. A resistência guanche aos invasores foi prolongada (durou quase um
século), vindo a ser só completamente dominados nos finais do século XV (1496).
Recentes pesquisas genéticas comprovam a hipótese de que os guanches eram
originários de populações berberes do Norte da África. A cultura guanche e as
suas línguas foram totalmente erradicadas pela colonização europeia das ilhas,
dela restando apenas algumas palavras e abundantes vestígios arqueológicos.
Apesar dos guanches terem sido extintos enquanto povo, os actuais habitantes
das Canárias descendem parcialmente deles, segundo estudos genéticos que
mostram que houve uma intensa miscigenação entre mulheres guanches e homens
espanhóis. Os Guanches eram as únicas pessoas nativas que viviam na região da
Macaronésia, já que nos Açores, na Madeira, nas Ilhas Selvagens e em Cabo Verde,
não foi encontrada qualquer cultura nativa, antes da chegada dos europeus a
estes arquipélagos. (3) Reino da
Numídia (202- 46 A.C.) foi um antigo reino berbere-líbio no Norte da África.
Originalmente, a região estava dividida entre os massílios no leste e os
masésilos no oeste. Massinissa, o rei dos massílios, derrotou Sífax (Syphax),
dos masésilos e reuniu-a sob seu comando. Geograficamente estamos a falar de uma
região do norte da África localizada no território onde hoje estão a Argélia e,
em menor proporção, a Tunísia ocidental. O nome foi utilizado pela primeira vez
por Políbio e outros historiadores durante o século III a.C. para indicar o
território a oeste de Cartago, incluindo todo o norte da Argélia até o rio
Mulucha (Muluya), aproximadamente 160 km a oeste de Orã.
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