quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

SAN CRISTÓBAL DE LAS GARRAPATAS

O nome de San Cristóbal de La Laguna, na Ilha de Tenerife, nas Canárias, Espanha, declarada Património Mundial pela Unesco, cidade aqui tratada por “San Cristóbal de Las Garrapatas”, anda pelas redes sociais a ser enxovalhado, tudo porque as autoridades locais (Polícia e Defesa Civil) encontraram ali cinco cães completamente negligenciados, sem água e sem comida, ininterruptamente ao sol, com as costelas à vista e os ossos das pernas espetados, para além de terem as orelhas carregadas de carraças, pormenores que o britânico tablóide “Daily Mail” fez questão de não omitiu aos seus leitores. Depois de resgatados pelas autoridades, os cães foram encaminhados para o Albergue Comarcal Valle Colino, onde passarão um trimestre a recuperar, sendo depois desse período propostos para adopção.
Evito sempre que possível comentar ou criticar episódios rocambolescos que se passem no país vizinho, relacionados com cães ou não, porque sei que o vulgo das pessoas tende a generalizar e o adjectivo “espanhol” alberga vários povos com profundas diferenças entre si, tanto étnicas quanto culturais, pelo que a nenhum deles deverá ser imputado aquilo que o outro fez. A Espanha é tão grande e abrangente que as diferentes províncias portuguesas com facilidade encontrariam as suas correspondentes do outro lado da fronteira, integrando-se nelas naturalmente. Bem sei que Portugal e os portugueses não são bem vistos por todos os espanhóis, mas também sei que em algumas províncias da Coroa Espanhola são admirados, nem que seja pelo simples facto de se terem libertado do seu jugo. Voltemos às garrapatas (carraças).
Estamos no Séc.XXI, Tenerife é a maior ilha do Arquipélago das Canárias, a maior e mais povoada da Macaronésia (1) e um destino turístico de eleição para muitos europeus do centro e norte da Europa, e de tal maneira o é, que há por lá alemães “a dar com um pau”, já se fala de “ocupacion alemana y que el alemán será el segundo idioma oficial ahi” (se no Algarve é importante saber falar inglês, nas Canárias importa falar alemão). Perante tamanho destaque, cães cobertos de carraças não serão o melhor “Visitenkarte” ou “Visiting Card” desta Região Autónoma Espanhola, particularmente quando toda a Europa pugna pelo bem-estar animal e não perdoa a quem o desrespeite.
A preocupação europeia com o bem-estar animal é tanta que um conhecido meu, homem naturalmente pessimista e acostumado a fazer humor da desgraça, disse-me que ia pôr um anúncio nos media com os seguintes dizeres: “Homem solteiro oferece-se como animal de estimação. Sou meigo, não puxo à trela, não arranho e não mordo, não me cai o pêlo, sei falar mas posso ladrar ou miar, sou asseado, não marco território, não urino e não defeco onde não devo, como pouco, sei cuidar da minha higiene, durmo em qualquer cantinho e tenho muito carinho para dar – só o que me quiserem dispensar!”
Eu só quero ter boas notícias das Ilhas Canárias, para más já me basta a história do extermínio dos Guanches (2) ocorrido ali no Séc.XV. Se na Antiguidade Juba II, rei da Numídia (3), baptizou estas ilhas com esse nome por nelas ter encontrado um grande número de cães (ilhas dos cães), eu quero que elas sejam também afortunadas para estes fiéis animais que nos acompanham há milhares de anos, um lugar exemplar entre o céu e o mar onde possam viver felizes e saudáveis.
(1) Macaronésia é um nome moderno para designar os vários grupos de ilhas no Atlântico Norte, perto da Europa e da África, também uma extensa faixa costeira do Noroeste da África, fronteira a esses grupos de ilhas, que se estende desde Marrocos até ao Senegal. (2) Guanches eram o povo nativo das ilhas Canárias, que vivia aparentemente ainda na Idade da Pedra quando as ilhas começaram, a partir da alta Idade Média, a serem regularmente visitadas pelos europeus e posteriormente ocupadas pelos castelhanos. A resistência guanche aos invasores foi prolongada (durou quase um século), vindo a ser só completamente dominados nos finais do século XV (1496). Recentes pesquisas genéticas comprovam a hipótese de que os guanches eram originários de populações berberes do Norte da África. A cultura guanche e as suas línguas foram totalmente erradicadas pela colonização europeia das ilhas, dela restando apenas algumas palavras e abundantes vestígios arqueológicos. Apesar dos guanches terem sido extintos enquanto povo, os actuais habitantes das Canárias descendem parcialmente deles, segundo estudos genéticos que mostram que houve uma intensa miscigenação entre mulheres guanches e homens espanhóis. Os Guanches eram as únicas pessoas nativas que viviam na região da Macaronésia, já que nos Açores, na Madeira, nas Ilhas Selvagens e em Cabo Verde, não foi encontrada qualquer cultura nativa, antes da chegada dos europeus a estes arquipélagos. (3) Reino da Numídia (202- 46 A.C.) foi um antigo reino berbere-líbio no Norte da África. Originalmente, a região estava dividida entre os massílios no leste e os masésilos no oeste. Massinissa, o rei dos massílios, derrotou Sífax (Syphax), dos masésilos e reuniu-a sob seu comando. Geograficamente estamos a falar de uma região do norte da África localizada no território onde hoje estão a Argélia e, em menor proporção, a Tunísia ocidental. O nome foi utilizado pela primeira vez por Políbio e outros historiadores durante o século III a.C. para indicar o território a oeste de Cartago, incluindo todo o norte da Argélia até o rio Mulucha (Muluya), aproximadamente 160 km a oeste de Orã.

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