Os cachorros de Cão de
Fila de São Miguel recém-chegados, DOC e VLAD, participaram ontem nos nossos
trabalhos, realizando connosco as suas tarefas pré-escolares de acordo com o “Quadro
de Crescimento Funcional” que mantemos em vigor, nomeadamente a condução à
trela suave à esquerda e a inserção dos comandos de “junto” e “aqui”; a
ultrapassagem de barreiras de 40cm e pequenas subidas até 30% de inclinação; o convite
para passagens estreitas e um 1km diário de marcha. Em simultâneo, são
convidados para agarrar e sacudir um trapo, a habituar-se a diferentes ruídos e
ecossistemas, a procurar o prato da comida e o esconderijo do dono, tudo isto
pelo precioso contributo da recompensa, tarefas que são difíceis de levar a
cabo numa altura em que ainda não se encontram totalmente vacinados, o que nos
obriga à escolha criteriosa dos locais e dos horários de trabalho, assim como
das condições climatéricas. Nas fotos acima e abaixo, ao lados dos seus donos,
vemo-los a observar calmamente dois skaters montados em hoverboards, para que
se familiarizem com eles e futuramente não venham a dar caça a quem se desloca
sobre rodas.
O Doc, um cachorro raiado
de vermelho e negro, que tem a particularidade de ser calçado de branco nas
quatro patas, propriedade do José António, que está desde já de parabéns por
acompanhar exemplarmente o crescimento do cachorro, apresenta-se irregular de
marcha, não porque tenha alguma deficiência ou insuficiência, mas porque ao
invés de ter andado atrelado em marcha, antes tem sido convidado para
endiabradas correrias à solta, executando sucessivos percursos de galope quando
importa que muscule membro a membro para melhor desenvolver e suportar o seu
mais célere andamento natural, percursos de galope que não aconselhamos aos
cachorros antes do alcance da sua maturidade sexual. Se um cachorro saudável
adora correr, o que é muito natural, é deixá-lo correr o que ele quiser, outra
coisa será insistir ou desafiá-lo para que o faça numa altura em que é por
demais tenrinho.
Por outro lado, quando
importa que um cachorro venha a ter uma presença ostensiva, intimidante, a
prática constante do galope nesta fase plástica do animal pode atentar contra
isso ao promover o peito estreito e alongado que caracteriza e facilita os
galopadores, ao invés de um compacto e largo que se deseja para os guardiões. É
evidente que a plasticidade anatómica dos cachorros tem limites e como tal não
consegue alterar totalmente o tipo de mãos de um cachorro, fazê-lo transitar de
pé-de-gato para pé-de-lebre, sendo este último próprio dos galopadores, em
especial dos lebréis. Se atentarmos para o Cão de Fila de São Miguel, pese
embora a disparidade ainda existente, a maioria dos exemplares apresenta uma
propensão para pé-gato e cães assim são próprios para se locomoverem em
terrenos mais soltos acidentados e irregulares, onde o galope pode não ser a
melhor opção.
Quanto às correrias à
solta, aqui o caso pode tornar-se mais grave, tanto em campo aberto como nos
espaços públicos, particularmente quando temos o cachorro há pouco tempo e não
temos a certeza que sempre volte ao nosso chamamento. Nestas circunstâncias de
que poderemos rotular os donos? Os mais entusiastas e menos sensatos têm por
hábito, e repetem isto vezes sem conta, soltar os seus cães em campo aberto sem
primeiro baterem minuciosamente os terrenos onde irão soltar os seus fiéis
amigos, sujeitando-os desse modo e gratuitamente a uma série de perigos.
Estamos a falar de possíveis cortes, quedas, feridas, intoxicações (mormente
envenenamentos), brigas e até agressões, circunstâncias desconsideradas que
podem condenar os animais a uma insuficiência permanente ou à morte.
Deixemos as explicações e
passemos ao relato das actividades. Pela primeira vez, sem andar à boleia dos
cães alheios, o Tiago apresentou-se aos trabalhos como condutor do Vlad, sendo
nisso ajudado pela mãe, considerando a sua idade, instabilidade e pouca
experiência, circunstancialismos que não o impediram de querer aprender, de ser
carinhoso com o cachorro e de estar sempre pronto a recompensá-lo.
Como o melhor exemplo para
um cão é outro cão, os cachorros não poderiam ter melhor mestre do que a Nasha,
a Fila que trata o Vlad como se fosse seu filho e não consente que nenhum cão ralhe
com ele. Na foto seguinte é possível vê-la ao fundo a capitanear e a dividir os
trabalhos com os cachorros.
Assim como existem miúdos,
também há cães, muito embora a analogia não me agrade de todo. Há miúdos que
nunca precisaram de ouvir um “não” e cães que sempre o dispensaram, o que nos
leva a dizer que feliz é o cão que nunca precisou de um “não”. Precisarão os
cães mais da inibição do que da recompensa? Nós julgamos que não atendendo ao
incentivo de uma e de outra. E, se um cão precisa constantemente de ouvir um “não”,
é porque provavelmente tem dificuldades de aprendizagem. Verificando-se o caso,
pergunta-se: será a inibição o melhor dos estímulos? Há donos que usam e abusam
do “não”, será porquê? Será por falta de aplicação, por terem dificuldades
próprias de comunicação ou por não se fazerem entender? Provavelmente por todas
estas coisas e mais algumas! Para colmatar dificuldades destas o recurso à
recompensa é o melhor dos remédios. Se eu pretendo um cão para guarda, devo
retraí-lo desde tenra idade e acostumá-lo à desistência? De maneira nenhuma. E
se assim é, que venha de lá a recompensa, que é aquilo que o José António está
a fazer.
Vamos lá falar sem
rodeios: há cães, linhas de criação e donos que não suportam africanos, gente
que se vale deles como os caçadores se valem dos gatos para aflorar o sentido do
de presa dos seus cães, empregadores que simplesmente não contratam gente sem
ser caucasiana, temendo a banalização dos seus cães ou que a contrata para
dissimuladamente instigar os animais à desconfiança e à posterior marcação
desse alvos. Em síntese, o “racismo canino” tanto pode ser genético, incutido
ou potenciado, porque a identificação canina acontece maioritariamente por sons
e odores. Contrariar um cão que nasceu com esta tendência é muito fácil (também
somos capazes de harmonizar cães e gatos), mas eliminá-la dos donos é bem mais
difícil. Porém, é nosso dever e nossa obrigação sociabilizar os cães que nos
são confiados com todos, porque há gente boa e inocente, bandidos e ladrões de
todas a cores. Como todos sabemos que não há treino sem sentido, porque doutro
modo estaremos a treinar para coisa nenhuma, pergunta-se: na foto abaixo, o que
estará o José António a fazer? Está simplesmente a iniciar a sociabilização do
Doc com pessoas diferentes do seu dono e do seu agregado familiar, que irão
fazer parte do seu mundo e que merecem ser respeitadas.
A educação pré-escolar dos
cachorros visa induzi-los à cumplicidade com os donos, suscitar-lhes a interacção,
desenvolver-lhes aptidões e potenciar-lhes mais-valias genéticas, para que
futuramente se constituam em binómio com os seus proprietários e possam confiar
neles incondicionalmente pelo contributo do treino. Na foto seguinte vemos o
Doc a ser convidado a furar uma sebe com o auxílio do Adestrador. Depois seria
o dono a chamá-lo, para que o cachorro percebesse que junto do dono é que está
bem e que ao lado dele tudo pode.
Quem sabe o que o futuro nos
trará? É possível que as futuras patrulhas binomiais venham a ser feitas de hoverboard
com o cão ao lado, o que permitira a pronta acção dos binómios, a sua chegada
em bloco e a realização de manobras de cerco, possibilidades que não passaram
pela cabeça do José Maria quando estava a acostumar a CPA Mel àquele veículo.
Constatada a pouca
habilidade do José Maria para “viaturas” daquele tipo e a pensar no bem-estar
da Mel, pedimos à Svetlana que montasse no Hoverboard e conduzisse a Mel,
cadela tradicionalmente alvoraçada. Tudo correu conforme o esperado e a foto
seguinte comprova-o.
É conhecimento geral a
tradicional animosidade dos cães contra os carteiros e demais ciclistas,
confrontos que se repetem e que podem ter graves consequências para os
envolvidos. Apostados em libertar os nossos cachorros dessa perigosa tendência,
convidámos um jovem ciclista a colaborar connosco na tarefa, pondo-o a circular
em sentido contrário ao tomado pelos cachorros, na foto é possível apreciar o
apoio da Svetlana ao Vlad e o à vontade do cachorro.
O Doc parece não mostrar a
mesma confiança, porque circula atrasado em relação ao seu condutor, tenta
encostar-se ao seu líder e olha desconfiado para o ciclista. Terá sido por
causa do miúdo o ter fitado directamente? É bem possível que sim.
Também a CPA Mel foi
convidada para o exercício e mostrou-se indiferente à passagem do ciclista. Na
foto que se segue é possível ver-se que vai “pendurada” no condutor – a corrente
do estrangulador esticada não engana! O José Maria, que é tão fluente e
extrovertido a falar doutros assuntos, carece de aprender a falar e a dialogar
com a Mel para se fazer entender, pois só assim deixará de ser rebocado.
No final, como prémio para
o nosso valoroso ciclista, deixámo-lo conduzir o Ben. O cão não esteve para
aturar o miúdo e o rapaz não se mostrou particularmente à vontade com o seu
companheiro de ocasião, porque sem o ter dito, tinha medo de cães!
Participaram nos trabalhos
os seguintes binómios: Afonso/Nasha; José António/Doc; José Maria/Mel;
Paulo/Bohr; Tiago/Vlad e Svetlana/Vlad. A chuva nunca nos largou, o Nuno Paz
rumou à Noruega e o Boris acabou desterrado para a casa dos pais da Leonor, o
Jorge não apareceu mais uma vez com o Soneca e as fotos estiveram a cargo dos
artistas do costume. Para a semana cá estaremos com mais novidades. Até lá!
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