segunda-feira, 20 de junho de 2016

PROCURÁ-LO COM OS DENTES CERRADOS

Há momentos na vida de um adestrador em que é obrigado “a fazer das tripas coração”, porque determinado cão é por demais agressivo ou apresenta sérias dificuldades de aprendizagem ou o dono só complica, alturas em que avança para o animal contrariado e com os dentes cerrados, ainda que não o demonstre pela calma empregue e disfarçado pelo apego aos procedimentos. Nem todos os dias são bons, há outros que correm mal, quando ao invés de levar para casa as vitórias esperadas, apesar do seu esforço, não consegue atingir as metas e objectivos propostos.
A vida não é o que esperamos, somente o que suportamos para nos apossarmos dela, um conjunto de privações que ao serem assumidas garantem o prémio procurado. Nunca teremos tudo mas sempre teremos mais, porque não fomos como os loucos, que tudo querendo e não se dispondo, nada alcançam e só se lamentam, ainda que no final sobre para todos uma mão cheia de nada! Para que valerá tanta luta e labuta? Valerá a pena lutar? Sim, enquanto a vida for o melhor dos bens, pois nascemos para empreender e não somente para nos reproduzirmos e desaparecer. As dificuldades que encontramos visam melhorar a nossa capacidade de resolução e prestam-se ao bem-estar e progresso colectivos, pois todos viemos para servir e o adestrador não escapa à regra.
Assim, não lhe cabe desistir de um cão ou desprezar o seu dono, compadecer-se de si mesmo ou julgar-se ausente de dons, arranjar desculpas para sua incompetência ou deixar para nunca mais a solução dos problemas, porque ao fazê-lo mais realça a impropriedade da sua prestação e o despreparo para o serviço. Pegar num cão com os dentes cerrados, contrariado, é uma desonestidade para o dono e uma violência para o cão, que antevendo o esforço e não a cumplicidade, mais aumentará a sua suspeita e resistência.
O adestrador está cá para resolver, para se entregar ao trabalho e não esmorecer. Os seus dons, substantivo que tanto na sua forma singular como na plural detestamos usar, vêm-lhe do apego ao conhecimento, do conhecimento erudito, da experiência e da capacidade de sacrifício, predicados que ao aumentarem o engenho dispensam as desculpas, libertam-no da autocomiseração e levam-no à solução. É na disponibilidade oriunda da capacidade de sacrifício que os adestradores diferem gradativamente, porque tanto na cinotecnia como na vida nada se alcança sem esforço. Do mesmo modo que os poetas carecem de inspiração, nenhum adestrador vingará sem capacidade de sacrifício.  

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