quinta-feira, 9 de junho de 2016

LOBISOMENS HUMANOS, FELINOS E CANINOS

Apesar de andarmos já fartos dos lobisomens hollywoodescos, versões optimizadas, andróginas e híbridas do nosso imaginário popular, a ideia da sua existência e presença não desaparecerá para breve, porque rende rios de dinheiro, há quem não dispense o medo e trema diante da sua própria sombra, quem se apaixone e embriague pelo sobrenatural e quem faça dele o seu cavalo de batalha para amedrontar os outros, usando-o para explicar o inexplicável e como meio para dominar sobre os demais, à falta doutros predicados ou condições. É na Beira Baixa que esta crença e imaginário se encontram mais enraizados entre nós, talvez pela sua geografia e isolamento, quiçá também pela miscigenação sanguínea, cultural e mística de visigodos, árabes e judeus nos seus povoados (já Alexandre Herculano falava da presença de “lobisomens” no imaginário daquelas paragens).
É bem possível que a cultura greco-romana, que Roma nos trouxe pelo peso das armas, tenha dado novo impulso a antigas crenças celtas e celtiberas há muito presentes na Península. De qualquer modo, muitos de nós são supersticiosos e dados a aceitar manifestações sobrenaturais. Assim, se os beirões do interior e os transmontanos têm os lobisomens, os outros nortenhos são dados a almas do outro mundo (almas penadas), os do centro-sul a aparições e os sulistas agarram-se a lendas e maldições, sendo todos presa fácil para os tradicionais bruxos e para os modernos curandeiros, que continuam a engordar a olhos vistos - uma “profissão” com futuro, mais para os primeiros do que para os últimos, que há algum tempo entrarem em descrédito.
O Lobisomem português, produto do nosso imaginário colectivo e endémico da Beira Baixa, descrito no Séc. XIX por Alexandre Herculano, é um pobre homem que se despe em qualquer caminho durante a noite, principalmente nas encruzilhadas, onde depois de dar cinco voltas, acaba por se espojar no lugar onde um animal fez o mesmo, adquirindo depois disso a figura do pré-espojado. Mostra aversão a caminhos e ruas iluminadas, soltando assopros e assobios para que apaguem as luzes, não fazendo mal a ninguém. Apesar do termo indicar uma criatura humano-lupina, vários etnógrafos adiantam que estas pobres criaturas podem ainda adquirir a fisionomia ou traços de cavalo, burro e até de bode por volta da meia-noite.
 Só conhecemos um homem tido como lobisomem e identificado como tal pela restante população, um cobrador de uma agência de viação, que saía em determinadas noites do mês para parte incerta, regressando a casa ao raiar do dia, dizendo ter ido para Peniche e cuja mulher lhe virava a roupa do avesso no dia seguinte, na esperança de diminuir a ocorrência daqueles episódios e as suas consequências. Do ponto de vista clínico, a licantropia é um distúrbio psiquiátrico associado ao transtorno do senso de identidade própria, despoletado por transtornos afectivos e pela esquizofrenia na tentativa de expressar emoções suprimidas, vulgarmente de índole agressiva ou sexual que levam à aquisição de posturas doutros animais, mormente a lupina. A psicoterapia e a aplicação de fármacos neurolépticos têm-se mostrado eficazes no combate ao distúrbio (o seu psiquiatra ou psicólogo dar-lhe-ão explicações simultaneamente mais simples e detalhadas).
Se o lobisomem humano não o é por vontade própria mas dominado pelo distúrbio da licantropia, sendo por isso mesmo um psicopata, gente que à partida se julga saudável, acabou voluntariamente por criar e seleccionar um gato conhecido como “Gato-Lobisomem” (Werewolf Cat), o Lykoi, nome que em grego significa “lobos”, que é feio como trinta, maioritariamente negro, semi careca, pouco visto e quase desconhecido, aproveitando-se duma mutação natural ocorrida no gato doméstico de pelo curto, proeza que teve a sua origem em Vonore, no Tennessee/US. Este gato de aspecto fantasmagórico é muito raro, daí ser notícia quando aparece algum num sítio improvável, como aconteceu no passado dia 23 de Maio, num jardim público da Cidade do Cabo/África do Sul. Conhecemos acidentalmente há algumas décadas atrás um indivíduo, que julgamos não ser caso único e de quem duvidámos da sua saúde mental, que se divertia a cortar a cauda e as orelhas aos gatinhos recém-nascidos que encontrava, no intuito de assustar os seus vizinhos e restante população das redondezas, uma vez que os animais mutilados, por serem tão estranhos e diabólicos de aspecto, horrorizavam e repugnavam quem os avistava (hoje em dia ainda há quem associe, estupidamente, os gatos negros a bruxas, bruxarias e mau agoiro).
A crença do lobisomem não pode ser dissociada da ancestral e tristemente folclórica história do lobo-mau, que tem vindo a condenar a sobrevivência do lobo ao longo de milénios, enquanto predador  associado ao castigo e à chacina, apesar de ser um animal capaz de interagir com os humanos sem maiores dificuldades. A mitologia grega também contribuiu para a desgraça através de várias lendas, sendo a de “Licaón” a mais conhecida, quando Zeus o transforma em lobisomem. Como curiosidade adianta-se que o nome científico atribuído ao Mabeco (cão selvagem africano) é “Lycaon Pictus”. Debaixo do mesmo medo e despropósito, e infelizmente com o mesmo desfecho, se alcunhou o canídeo marsupial da Ilha australiana da Tasmânia de “Diabo” ou “Demónio da Tasmânia” (Sarcophilus harrisii), hoje à beira da extinção.
Mas irá ser na canicultura que a lenda do lobisomem ganhará maior peso e melhor encarnará, quer pela hibridação directa com o lobo (regresso ao atavismo) quer pela procura de raças mais ferozes, agressivas, punitivas, dolosas e até letais, usadas até à presente data como cães de guerra, policiais, de guarda e de luta, a partir de alterações morfológicas alcançadas pela selecção humana à revelia da natural, associadas a uma maior territorialidade e força de mordedura, à potenciação de instintos e de certos impulsos inatos. Ao fazê-lo, criámos autênticos lobisomens, porque juntámos à carga instintiva canina procurada a maldade fratricida presente nos homens, fusão e constituição que o tempo e treino possibilitam, ambição que nalguns casos pouco ou nada se distancia do que vulgarmente entendemos por “terrorismo doméstico” (a prová-lo estão as disposições legais relativas aos cães perigosos adoptadas no mundo ocidental e a morte de pessoas que vai ocorrendo um pouco por toda a parte). Com a lenda viva, o medo instalado e a besta encarnada, certos cães são vistos por muitos como autênticos diabos à solta - verdadeiros lobisomens devoradores, ainda que na maior parte dos casos jamais o sejam, tal é força que o medo tem quando se apossa de nós!
Acabar com a lenda na canicultura irá exigir o esforço simultâneo de criadores e cinófobos, cabendo aos primeiros alterar os seus critérios de selecção e aos segundos levar de vencida o seu pavor, o que não é uma tarefa fácil mas que é urgente e necessária. Ao longo destes sete anos, temos apelado aos criadores de cães para que optem pela potenciação do impulso ao conhecimento nos seus cães, tornando-o dominante sobre os demais, pormenor que os tornará mais fiáveis e menos instintivos, facilitará o seu controlo e enriquecerá o seu uso. Oxalá nos tenham dado ouvidos e assim continuem a proceder. Ao mesmo tempo, temos incentivado aqueles que têm medo de cães a familiarizarem gradualmente com eles, particularmente as crianças, aconselhando a todos que se desloquem às escolas caninas para o efeito, esforço que os isentará amanhã de virem a ser mordidos e de se constituírem em presas. Temos também aconselhado a aquisição de um cachorro como animal de companhia preferencial para as crianças, sabendo dos benefícios para os infantes dessa interacção, que vão muito para além da desejável familiarização entre homens e cães.
Estamos cá para dar caça ao medo infundado e encontrar solução para ele, não tememos lobisomens de espécie nenhuma, ao invés sempre os lamentámos e temos-lhes dó: os humanos porque são doentes, os felinos porque são vítimas da aberração humana e os caninos porque mais certo ou mais tarde acabarão abatidos. E entre a ficção e a realidade, mais nos importa ter imaginação para engrandecer os momentos que a vida nos dá, transmitindo aos que nos acompanham momentos únicos e inolvidáveis. Atentar para lendas? Só quando as insónias nos atacam e precisamos de enganar o cérebro para voltarmos a adormecer!
PS: Há quem conte carneiros!

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