Era comum no passado,
quando Portugal era mais rural que citadino e mais povoado no interior, que as
aldeias e freguesias vizinhas rivalizassem entre si por tudo e por nada,
competição que somada à ambição, pelo aumento do engenho, acabava por
contribuir para o progresso e modernidade de todas, já que ninguém queria
ver-se ultrapassado. No meio das disputas, nem sempre pacíficas,
particularmente nos bailes quando um rapaz de fora se embeiçava por uma moça do
lugar, as aldeias troçavam dos hábitos umas das outras, trocando trocadilhos
pouco elogiosos que visavam denegrir e ridicularizar os povoados vizinhos. E
como por norma só nos rimos do mal, ai daquele que caísse em desgraça!
Lá para as bandas do Rio
Coura, que banha os Concelhos de Paredes de Coura, Vila Nova de Cerveira e
Caminha, um dos afluentes do Rio Minho, duas aldeias em margens opostas
passavam a vida a ridicularizar-se uma outra. Numa delas, não se sabe desde
quando, as famílias que tinham dois gatos, um grande e outro pequeno, passaram a
fazer nas suas portas duas gateiras, uma maior para o grande e outra mais
pequena para o menor, hábito que os aldeões vizinhos achavam uma tolice enorme,
porque onde passa o grande também cabe o pequeno. Por causa disso, passaram a
tratar a aldeia vizinha como “duas gateiras” e os seus habitantes como
“gateiros”, designações que enfureciam os visados por se verem assim
chacoteados.
Uma miúda da escola
primária, curiosa e decidida, tida como inteligente pela professora, que nunca
precisou de lhe dar uma reguada, decidiu ir à aldeia vizinha saber o porquê de
tal hábito, sem dizer nada a ninguém. Depois de atravessar o rio, assomou-se à
primeira porta com duas gateiras, bateu as palmas e teve sorte, porque havia
gente em casa. De lá de dentro saiu um velho que se agradou dela e que lhe
perguntou ao que vinha. A menina toda pespineta, respondeu-lhe: “Eu venho da
outra margem. O senhor desculpe, bem sei que tem idade para ser meu avô, mas
para quê duas gateiras na porta, se o gatinho passa folgado e à vontade pela
gateira grande. Onde cabe o grande, cabe o pequeno, não é?”
“Sabe menina, todos os
animais que nós criamos, porque desusam os instintos que os silvestres não
dispensam, vivem em constante sobressalto, deixam-se surpreender e assustam-se
com facilidade. No meio da aflição procuram a nossa protecção e a segurança das
nossas casas. Maior perigo correm as crias por serem incapazes de se defender.
Imagine se um homem malvado ou um cão danado correm atrás do gatinho e o gato
grande está a tapar a única gateira existente ou se ambos são obrigados a
fugir. Quem ficará para trás, mais exposto e correrá maior perigo de vida? –
Respondeu o velho questionando a garota. Garota que a partir daquele dia, apesar da sua tenra idade, aprendeu um
grande lição: que
por vezes a loucura que atribuímos aos outros provém da nossa falta de
sabedoria!
A menina regressou à outra
margem e à sua aldeia, cresceu, casou, de lá zarpou, teve filhos e já é avó,
contando agora para os seus netos a estranha história das portas com duas
gateiras. Caso algum dos nossos leitores ainda não tenha o seu cão
sociabilizado com os gatos, faça-o quanto antes, antes que corra atrás de algum
e lhe cause algum dano, despropósito que o qualifica à luz da lei como
perigoso, decorrendo daí os inconvenientes e sanções que são do domínio
público, contratempos que ninguém deseja. A sociabilização dos cães com os
restantes animais é uma obrigação dos donos e currículo obrigatório nas escolas
caninas, devendo estas ter à sua disposição vários gatos para operarem a
familiarização e posterior sociabilização dos cães com estes felinos domésticos,
ainda que tal procedimento pareça loucura aos olhos de outros!
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