O
Adestrador, como dizia Pessoa acerca do actor no seu poema “Autopsicografia”, é
também um fingidor e como tal necessitado de grande criatividade para
desempenhar as diversas personagens para suscitar dos cães as mais díspares
respostas e adaptá-las a inesperadas circunstâncias. Alguém pode aprender a
técnica e até atingir a sua excelência, mas se não for criativo de pouco lhe
valerá, não passará de um macaco de imitação ou de um papagaio que tudo repete,
como um que já tive e que me foi oferecido pela ex-esposa de um aluno, que
rapidamente aprendeu todas as sequências dos comandos verbais e que pôs os cães
a obedecer-lhe, o que me leva a concluir diante destas premissas que não faltam
por aí macacos e papagaios, bicharada que no adestramento não está em vias de
extinção e que sobrevive pelo plágio como sempre fez, na maioria dos casos
ignorando o propósito daquilo faz e espreitando aqui e ali aquilo que os outros
têm para oferecer, não hesitando em reclamar a sua autoria. No GIF abaixo vemos
3 Pastores Alemães a esgueirar-se por debaixo de uma sede para acorrerem à
chamada dos donos. O que estarão a treinar, porquê e para quê, alguém consegue
imaginar?
Estarão
a treinar o comando de “aqui” para que se torne pronto, imediato e
incondicional? Estarão a aprender um percurso de evasão específico? A aprender
a furar cercas de jardim? A reforçar o comando de “quieto”? A assimilar a
condução nuclear (à distância)? A recapitular a sociabilização entre iguais? A
qual das seguintes disciplinas pertencerá eventualmente o presente exercício: à
obediência, à endurance, à guarda ou à pistagem? Estarão a ser vítimas de
alguma sandice ou devaneio do seu adestrador?
É
inegável que também estão a treinar os comandos de “quieto” e “aqui”, que o
exercício também se presta a uma manobra de evasão, que pode ser classificado
como condução nuclear e próprio para a sociabilização, podendo inclusive ser
enquadrado como pertença de qualquer uma das disciplinas clássicas do
adestramento. Todavia, o exercício vai para além da rotineira obediência, da recomendável
sociabilização e do necessário preparo físico dos cães, sendo inofensivo para
quem o vê e do agrado dos animais como se de uma brincadeira se tratasse,
apesar de ser uma das primeiras fases de um dos trabalhos muito sérios da
disciplina de guarda. Em abono dos cães e do seu superior aproveitamento, o seu
sucesso nos obstáculos e díspares exercícios sempre dependerá do seu
faseamento. Quem não conseguir encontrar essas fases e as desrespeitar, lamentavelmente
acabará com esse atropelo por abusar do animal ou animais que conduz. Os três
binómios em questão estão a treinar a “emboscada” nos seus primeiros momentos
ou fases, a ensinar os cães a ocultar-se para posteriormente efectuarem
arremetidas de surpresa. Dito isto, não será difícil desvendar as suas
seguintes fases ou exercícios indutores à emboscada propriamente dita.
É
certo que muito daquilo que os binómios aprendem numa escola nunca virá a ser posto
em prática, principalmente por ausência de necessidade, desuso, relaxe e falta
de clarividência dos líderes, especialmente daqueles que, encarneirados, tudo
fazem por fazer sem ousar questionar a sua razão e proveito. Caso procedessem doutro
modo, ficariam esclarecidos, contribuiriam para o esclarecimento geral que
induz ao progresso, teriam outro empenho, alcançariam melhor desempenho e
jamais seriam vítimas, eles e os seus cães, do frenesim injustificado de alguns
práticos que se julgam iluminados, fecundos a escravizar donos e a rebentar cães.
Aquilo que não compreendemos dificilmente conseguiremos praticar, porque o
adestramento não é um dogma e nada tem de metafísico. E, se houver “milagres”
no adestramento, eles provirão do esforço individual que procura a ciência e a
sua comprovação, da razão que não se contenta com o que não tem explicação.
Falando em explicação, alguém me consegue explicar por que razão estão os dois
cães no Gif seguinte a saltar ao mesmo tempo e em direcções contrárias? Será o
exercício uma meta ou um objectivo? Se for um objectivo, está explicado: um
mero exercício físico ligado às suas vantagens; se for uma meta, o que se
procurará? Caso seja ambas as coisas, estaremos perante dois cães ainda em
formação (o CPA Bohr tem 6 anos e a CPA Luna 18 meses).
A verdadeira arte no adestramento, e nisso lembra a magia que como se sabe nada tem de milagroso, é tornar indivisível a unidade binomial sem desnudar os processos que a constituíram, o seu accionamento e modos de actuação visando o bem-estar e a sobrevivência dos seus constituintes. É por demais evidente que não estamos a tratar de cães comunitários, prestadores de socorro, de apoio emocional e demais serviços e terapias. Fazer de um homem e de um cão “unha com carne” pode parecer milagre, mas é fruto de trabalho meticulosos e aturado, primeiro compreendido e depois posto em prática, aprimorado em horas infindas e longe dos olhares alheios que tudo perscrutam, procuram banalizar, corroer e adulterar – ainda é possível encontrar um companheiro impoluto e incorruptível, estando isso nas mãos dos que sabem o que querem e não desistem.
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