Os
cães continuam a ser mal alimentados, o que se repercute na sua saúde,
bem-estar, longevidade e desempenho, como se já não bastasse a alguns o flagelo
da endogamia e da consanguinidade para lhes atazanar a vida. Um dos mais
bem-sucedidos negócios mundiais é o da indústria alimentar para animais, poucos
furos abaixo do relativo à ignorância que para ele também contribui. Esta
indústria, despudoradamente, procura em primeiro lugar o lucro e só depois a
qualidade dos seus produtos, o que não é novidade nenhuma, estando agora a
causar sérios problemas aos cães ao compreendê-los como porcos, sujeitando-os a
alimentos próprios para suínos nas suas composições, num claro atentado contra
a evolução natural canina, que não conseguiu num século transitar de carnívora
para omnívora. E tanta é a mixórdia que se mete na dita “Dry Food” que o hipotético
“cão-galinha” parece estar também para chegar (hoje não vou falar da relação
entre animais esterilizados e a alimentação, porque requer mais tempo e maiores
explicações, sendo uma história mal contada ou quiçá uma estória muito bem
contada).
Quem
me conhece sabe qual a raça lupina da minha eleição, à qual dediquei grande
parte da minha vida, não olhando a despesas para encontrar exemplares
excepcionais dos pontos de vista físico, cognitivo e laboral, escolhendo para
me acompanhar cães com uma altura entre 65 e 68 cm, no mínimo com 86 cm de perímetro
torácico, com o dorso paralelo ao solo, de média angulação traseira e um peso
entre os 38 e os 45 kg (nunca pretendi saltar de pára-quedas com eles) e com
uma velocidade instantânea de 8 segundos aos 100m. Paralelamente optei por
indivíduos seguros, rústicos, versáteis e curiosos, com bons impulsos herdados
ao alimento, movimento, defesa, luta, poder e conhecimento. Ao criar os seus
descendentes cedo percebi da importância da alimentação no seu desenvolvimento
e também no seu comportamento, pelo que me vi obrigado a aconselhar quem mos
comprava a reforçar diariamente a sua ração com uma porção de comida
confeccionada – o dito reforço – que ainda hoje aconselho, não só para os
descendentes dos meus cães, mas também para os cachorros que treino e que
acompanho o seu crescimento.
Todavia,
na constante procura de produzir melhores exemplares, só mais tarde percebi, há
coisa de meia-dúzia de anos atrás, que o “segredo” estava na carne escolhida,
exactamente aquela que nos talhos é a mais cara! Na verdade já o sabia há mais
tempo, mas não tive coragem de a aconselhar a uma classe média depauperada que
sustentava e sustenta este país, hipotecada, farta em prestações mensais e com
sérias dificuldades para pagar a educação dos seus filhos. Independentemente da
situação económica de cada país, é a classe média que alimenta os cães e os
fabricantes das rações sabem-no muito bem. Querendo servir todos e alcançar o
maior número de clientes, as rações de frango tornaram-se a opção mais válida,
como se fosse próprio dos lobos, ancestrais dos cães, assaltar capoeiras, o que
tem vindo a transformar os cães, independentemente das suas características
somáticas, em autênticos “cães-raposa”, uma vez que é a espécie vulpina quem
mostra especial predilecção pelos galinheiros. Quando se trata de criar cachorros
de qualidade, com a administração do frango também ninguém vai longe e muito
meros irá com as suas carcaças, miudezas menos procuradas e por isso mais
baratas ou com coração de boi.
Esta é mais uma das situações que sugere andar o mundo às avessas, uma vez que deveriam ser os ricos a ter cães e não os pobres, muito embora seja raro encontrar nos primeiros quem tenha tempo para desperdiçar com cães, sendo-lhes mais prático pagar a sua segurança pessoal, não ter que levar os animais à rua, apanhar os seus dejectos ou escorregar neles dentro dos seus jardins, para além de outros incómodos. Ainda que os cães sejam para quem pode e não para quem quer, parece-me que quanto mais pobres são as pessoas mais cães têm, fenómeno que também acontecia com o número de filhos antes da vulgarização dos métodos contraceptivos. Diante disto tudo sobressai uma verdade insofismável: o cão é quem melhor acompanha o homem na pobreza! Por se contentarem com tampouco, com pouco mais do que o necessário à sua sobrevivência, os cães são gratos e não maldizem a sua sorte. Porém, eu que treino cães, sou cada vez mais sensível ao seu bem-estar, nego-me a fazer deles bestas de carga, a exigir-lhes esforços a que um lobo naturalmente se furtaria, por melhor alimentado que se encontrasse. Para não abusar dos cães que me são dados para treinar, são muitas as condições que exijo aos seus donos, sendo a primeira delas que os alimentem convenientemente, o que não é nada fácil para alguns por obrigá-los a mais sacrifícios, porque o que vai para o cão poderá vir a fazer falta noutro lado.
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