quarta-feira, 22 de setembro de 2021

VIERAM DA EURÁSIA

Descobertas arqueológicas recentes mostram que as pessoas nas regiões árcticas do noroeste da Sibéria já haviam estabelecido relações comerciais de longo alcance com as populações da Eurásia há cerca de 2.000 anos atrás. O início dessas relações comerciais aconteceu durante uma série de mudanças sociais significativas que ocorreram durante esse período, mudanças que tiveram até um impacto nos genomas dos cães siberianos, como foi agora demonstrado por uma equipa internacional de pesquisadores liderada pelo paleogeneticista LAURENT FRANTZ da LMU (LUDWIG MAXIMILIANS UNIVERSITÄT MÜNCHEN) com base em extensas análises genéticas, que permitiram concluir que os cães foram importados da Eurásia para o Ártico Siberiano e que esse processo acabou por levar ao estabelecimento de raças siberianas, como o Samoiedo.

Os pesquisadores analisaram os genomas de 49 cães de locais na Sibéria e na Eurásia que datam de 60 até cerca de 11.000 anos atrás. Quatro dos cães são originários de Ust-Polui, onde arqueólogos russos e canadianos descobriram os restos mortais de mais de 100 cães que datam sensivelmente de há 2.000 anos atrás. Numerosos achados indicam que este local na remota península de Yamal, no noroeste da Sibéria, estava em uso, muito provavelmente para fins cerimoniais, por um período de cerca de 400 anos." Alguns cães encontrados ali parecem ter sido enterrados intencionalmente", disse o Dr. Robert Losey, da Universidade de Alberta, e arqueólogo-chefe do estudo. "Mas também há evidências que sugerem que muitos foram comidos. Os cães eram usados para uma variedade de propósitos - não apenas como meio de transporte, mas potencialmente também como parceiros de caça e como fontes de alimento" – concluiu.

Os artefactos descobertos em Ust-Polui incluem contas de vidro e objetos feitos de metal, que não podiam ter sido fabricados localmente e que devem ter sido provenientes das zonas das estepes, da região do Mar Negro ou do Médio-Oriente. Conclui-se assim que as pessoas que viviam na península Yamal devem ter sido integradas em redes comerciais de longo alcance há mais de 2.000 anos. Esta foi uma época de mudanças sociais e tecnológicas significativas, marcada pela exploração de minério de ferro e pelo uso de artefactos relacionados com o aproveitamento de renas, sendo ambos evidenciados no local. O pastoreio de renas em grande escala, agora amplamente praticado pelos povos indígenas nesta região, aconteceu apenas nos últimos séculos.

As novas análises genéticas revelaram que os cães também estavam entre os bens importados nessa época de áreas mais a sul para o Árctico Siberiano. "Enquanto os cães árcticos evoluíram isoladamente acerca de pelo menos 7.000 anos atrás, o ADN genómico isolado de cães siberianos, datado entre a Idade do Ferro e os tempos medievais, mostra que havia porções crescentes de material genético derivado de cães das estepes da Eurásia, bem como Europa ", disse a Dra. Tatiana Feuerborn, autora principal do artigo da Universidade de Copenhagen. 

Assim, a proporção de ancestrais não siberianos entre os cães da península Yamal aumentou significativamente durante esse período. "Os cães eram bens potencialmente valiosos e eram comprados e vendidos", diz Frantz. Por outro lado, Os autores do novo estudo presumem que a importação de cães de outros lugares é um reflexo das transições sociais na Sibéria. "Os primeiros cães domesticados no Ártico serviram principalmente como cães de trenó", diz Frantz. "Quando as populações siberianas se voltaram para a pastorícia, podem muito bem ter exigido cães com outras características úteis de comportamento, mais adequados para o pastoreio de renas. A mistura de cães árcticos com outras populações levou ao estabelecimento de linhagens caninas mais adequadas para pastoreio e também mais adaptadas às duras condições climáticas."

Essa estratégia de cruzamento e seleção para características aprimoradas levou eventualmente ao surgimento de linhagens caninas siberianas modernas, como é o caso do Samoiedo. "Uma grande fracção do genoma deste cão pode ser rastreada até as linhagens ancestrais do Ártico", diz Frantz, "mas também mostra muito mais influência ocidental do que o husky, por exemplo." Porque muito pouca hibridização subsequente com outras raças ocorreu nesse ínterim, ainda assim os Samoiedos permaneceram praticamente inalterados desde a Idade Média. Contrariamente, a maioria das outras raças caninas modernas resultaram dos esforços direccionados dos seus criadores durante os séculos XIX e XX. Somente quando exploradores polares como Ernest Shackleton obtiveram cães do Ártico e começaram a procriar com eles, o Samoiedo adquiriu o seu nome actual. "Antes disso, eles eram simplesmente uma população de cães trabalhadores".

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