PREÂMBULO: Na
idade que levo evito sempre que possível fazer analogias entre homens e cães e
vice-versa, para não cair no caminho fácil do antropomorfismo que é hoje tão
agradável ao ouvido e procurar o rigor (o raio do Wittgenstein nunca me sai da
cabeça). Todavia, para facilitar a compreensão do que digo aos meus leitores,
recorro por vezes a analogias tanto para evidenciar relações de semelhança como
de dissemelhança, tendo o cuidado de ressalvar o particular de cada uma das
espécies. Ademais, considero o antropomorfismo como uma forma dissimulada e perigosa
do abominável especismo – um crime de excesso de zelo – que não vai ao encontro
das necessidades reais dos animais e que chega a atentar contra o seu
bem-estar.
Situemo-nos
na realidade nacional. Antes de existirem os centros de treino caninos actuais,
que foram seus sucedâneos, os cães eram confiados a profissionais militares e
policiais que os iam buscar a casa dos donos e treinavam-nos na rua,
principalmente em parques, jardins e alamedas, sendo entregues depois das aulas
aos seus respectivos donos, não ficando nenhum deles por ensinar. Por razões de
conveniência, alguns elementos das forças de segurança alojavam, durante a
duração do treino, os animais em instalações perto das unidades onde serviam,
mas também estes eram treinados no exterior. Estes cães voltavam para os seus
donos convenientemente ensinados e os seus adestradores acabavam por ser
generosamente recompensados pelo seu profícuo esforço. Sem querer entrar em discussões
relativas à diferença dos métodos e à qualidade dos cães, certo é que estes ao
serem treinados no meio da rua, muitas vezes nos arredores dos lugares onde
viviam, mostravam-se perfeitamente adaptados dentro do pequeno mundo ao seu
redor pela experiência havida.
Os
centros de treino canino ao sedentarizar em demasia os cães, cuja maioria é excursionista,
o que não deixa de ser um profundo contra-senso, lembram a publicidade enganosa
das rações secas para cães, badaladas como as melhores dietas, mas que para sê-lo
falta-lhes o essencial – serem frescas – uma vez que nem todos os cães são
necrófagos. E quem quiser comprovar o que acabei de dizer, basta criar dois
cachorros irmãos de ninhada de características idênticas, um com ração seca e
outro com uma dieta de comida confeccionada, fresca e balanceada, que em menos
de dois meses verá a diferença. Assim como devemos variar os percursos dos
passeios diários aos nossos cães, para que não percam o interesse por eles,
também deveremos variar os seus locais de ensino para não lhes causar entraves pedagógico-cognitivos.
Condicionar
o ensino de um cão exclusivamente a um centro ou campo de treino, parco em experiências
e rico em exercícios repetitivos, a exemplo da vida monacal, é atentar contra o
desenvolvimento de um animal alegre, interactivo e em constante aprendizagem,
curioso e nada dado a contemplações, que necessita de se adaptar ao ambiente
onde vive. Alguns destes cães voltam para casa prontos a morder em tudo e
todos, e outros a tremer por tudo e por nada – há que pensar na integração
harmoniosa dos cães na sociedade. Numa altura em que o conceito de sala de aula
nos humanos já saltou para fora das suas janelas e vem ocupando outros espaços
mais inspiradores, ensinar os cães em diversos locais é indispensável e é-o
para operar a supressão dos seus medos, alcançar mais rapidamente a sua
sociabilização, aumentar a sua preparação e dotá-los de maior equilíbrio e autonomia.
Assim como o crescimento de uma criança não se pode resumir ao espaço de um parque infantil, também os cães não podem aprender unicamente num espaço confinado a que convencionámos chamar de centro de treino ou escola canina. Ambos, crianças e cães, exigem um quadro experimental mais vasto, variado e rico para poderem crescer equilibrados e prontos para enfrentar os desafios que terão pela frente. Assim há que treinar por todo o lado, nos diversos ecossistemas e debaixo das mais variadas condições climatéricas. Debaixo desta perspectiva como poderemos entender um centro canino? Basicamente como um local de convergência e uma porta aberta para o exterior. Os cães deverão ser treinados onde se tornar imperativo fazê-lo para o seu bem-estar, adaptação e longevidade, pois, como diz o povo: “ Ao pé do pano é que se talha a obra”. O pano é a dificuldade encontrada, esteja ela onde estiver, e a obra a sua solução!
Sem comentários:
Enviar um comentário