No
que nos diz respeito, muito do que ensinamos aos cães não virá a ser usado ao
longo da sua vida e ainda bem que assim é, pois é sinal que os binómios nunca
se viram em grandes dificuldades, graves apuros ou risco de vida. Pode-se
ensinar um cão, como tantas vezes sucedeu no passado, sem se recorrer à
ginástica cinotécnica como subsídio pedagógico, incidindo o seu ensino somente
sobre a obediência e meia-dúzia de truques ou habilidades, muito embora essa obediência
seja muito condicionada e os truques para a sobrevivência do animal não valham
nada. Contudo, perante as dificuldades patenteadas por alguns donos, na ausência
de outras hipóteses, podemos remeter-nos somente a um processo de ensino assim,
o que muito agrada a certos proprietários caninos pela economia do esforço e dispensa
de maior empenho, já que não compraram um cão para trabalhar, mas para usufruir
da sua companhia, exactamente como fariam com um hamster, uma gato ou uma
iguana.
Como
introdução ao tema e antes de explicar as razões que nos têm levado a optar pela
ginástica cinotécnica, permitam-me contar um caso verídico acontecido há uns
anos atrás, lá para os lados da Calçada da Boa hora, em Lisboa. Tudo começou no
Jardim Vasco da Gama em Belém, quando me deparei com uma senhora pouco cuidada,
com o peso de algumas primaveras e com uma cadela atrelada, uma inegável
mestiça de podendo cerdoso, que tremia perante tudo e todos (pessoas, cães,
movimentos bruscos e ruídos de toda a ordem). Depois de uma breve conversa,
fiquei a saber que a senhora recolhia cães da rua, que tratava de abrigá-los e de
dar-lhes o sustento, apesar de não ser para isso muito abonada como tantas
vezes acontece.
Enternecido com a sua missão de vida, convidei a senhora a trazer
aquela frágil cadela para a escola, gratuitamente, para que viesse a suavizar
os seus medos e mais facilmente a acostumasse ao buliço urbano. Certo é que a
cadela evoluiu muito, mas a sua resgatadora nunca entendeu por que razão devia ginasticá-la
e qual a sua utilidade. A cadelinha, com mais uns tantos cães, encontrava-se
alojada num terreno entre dois prédios e cercado por muro, que na sua parte
mais alta teria 1,2 m de altura. Certo dia, não sei se por fogo-posto,
deflagrou um incêndio naquele terreno, os cães não conseguiram saltar o muro e
acabaram por morrer queimados.
Apesar
de já ter participado em diferentes competições caninas, que há muito abandonei,
porque doutro modo não poderia denunciar e condenar umas tantas que atentam
indubitavelmente contra o bem-estar animal, adianto desde já e sem qualquer
receio, que não nos valemos da ginástica cinotécnica para participarmos em qualquer
tipo de competição. São nove as razões principais que nos levam a insistir na
ginástica cinotécnica como subsídio de ensino: 1ª _ A correcção morfológica dos
cachorros; 2ª _ A musculação e a melhoria dos ritmos vitais caninos; 3ª _ A salvaguarda
dos cães; 4ª _ A prestação de socorro aos donos e a outrem; 5ª _ Como meio
eficaz para combater os medos dos animais; 6ª _ Como suporte para as mais variadas
disciplinas caninas; 7ª _ Para reforço da liderança; 8ª _ Para uma melhor
prestação binomial e 9ª _ Para a escolha acertada de reprodutores e para o
estabelecimento de linhas de criação.
Diante
dos desaprumos mais comuns e inibidores de um saudável desempenho físico que
importa combater, contam-se os seguintes: dedos abertos (pé-chato); exagerado
abatimento de metacarpos; mãos atiradas para fora; peito estreito ou invertido,
descodilhamento; dorso selado; garupa demasiado elevada em relação à cernelha e
jarrete de vaca. Caso estas incapacidades biomecânicas não sejam de origem
genética, podem ser ultrapassadas mediante o concurso a aparelhos correctores
(obstáculos próprios para o efeito) entre os 3 e os 6 meses de idade dos cachorros
(pré-treino e 1º Ciclo Escolar). Esta razão seria só por si suficiente para
sermos adeptos incondicionais da ginástica, isto se gostarmos verdadeiramente
dos nossos cães.
A prática dos obstáculos, devido à sua diversidade e
exigência, muscula de modo mais célere a totalidade dos músculos dos cães,
dotando-os em simultâneo de maior resistência e por conseguinte de melhores
ritmos vitais (cardíaco e respiratório), o que contribui de modo inequívoco para
a sua boa forma física, bem-estar e longevidade.
A
prática da ginástica contribui para a salvaguarda dos cães pela experiência
havida na solução dos obstáculos, o que é de sobremaneira importante caso sejam
roubados ou sequestrados e necessitem de evadir-se, mesmo quando distantes de
casa. Por outro lado, o concurso aos obstáculos prepara os cães para o socorro
atempado dos donos e de terceiros em situações extraordinárias ou de calamidade.
Mediante a experiência feliz nos obstáculos, estes irão contribuir para a
supressão de vários medos presentes nos cães, tornando-os assim mais confiantes
e úteis. Ninguém pode duvidar do contributo da ginástica para as mais diversas
disciplinas ou actividades caninas, porque ela todas subsidia e dá acesso.
A
prática binomial dos obstáculos, enquanto actividade interactiva de eleição,
acaba por ratificar a aceitação da liderança e o controlo dos animais. E quando
assim acontece, torna-se evidente que o desempenho binomial sai a lucrar. Como
entendemos o trabalho como o melhor critério de selecção para progenitores e
para o estabelecimento de uma ou mais linhas de criação, o desempenho na
ginástica de um cão é algo que não pode ser desconsiderado, como não poe ser
desconsiderado o seu impulso ao conhecimento. Aqui fica explicado de modo
sintético a importância que a ginástica tem para nós, o muito que nos oferece e
as vantagens que nos traz. Como o assunto é extenso, a seu tempo voltaremos a
abordá-lo.