Bem-vindos
ao mundo da pieguice, da hipocrisia e do faz de conta. Os cães do meu bairro
são todos uns coitadinhos, não que tenham sido objecto de alguma traição amorosa,
longe disso, até porque a maioria deles é castrada. São coitadinhos porque os
donos tratam-nos assim e dá-lhes muito jeito perante os demais, porque são
automaticamente reconhecidos como gente altruísta e de mui nobres sentimentos,
que movida de profunda compaixão, foi ao abrigo buscar um pobre cão. Na boca
dos donos não há nenhum deles que não tenha sido maltratado, espancado e ficado
traumatizado, oriundo de um passado que dificilmente esquecerá e que justifica
o seu comportamento actual: instintivo, desregrado, abusivo e fora de controlo,
por vezes até incomodativo e por demais irritante, quando não lesivo, para
crianças, pessoas alheias e outros cães.
Estes
coitadinhos, verdadeiros principezinhos na boca dos seus “papás”, chegam a carregar-lhes
e a causar-lhes acidentes, fazem o que lhes dá na real gana e nunca são
contrariados, tornam-se gulosos e engordam com dietas impróprias, abocanham
tudo o que encontram no chão, chegam a comer fezes e raramente concorrem às
classes de adestramento, apesar de provirem de todas as direcções sem pré-aviso
e rumo a parte incerta, ensurdecendo-se para a chamada dos donos. Só
quando envelhecem ou são velhos é que admitem ser conduzidos à trela, porque
até lá rebocam os seus líderes pelos peitorais, temendo estes o desequilíbrio que
possibilita uma queda de consequências imprevisíveis. Porque ninguém os ensinou
a nadar correctamente, correm sério risco de se afogar e dão cabo dos esqueletos
por terem os seus tachos colados ao chão.
Apesar de viverem dentro das casas dos donos, que o são por ímpeto e não por capacitação ou conhecimento prévio, dificilmente virão a ser limpos correctamente ou verão a sua higiene diária respeitada debaixo do pretexto de não gostarem de ser limpos. Atendendo a estas condições e apenas referi algumas delas, estamos perante sérios atentados ao bem-estar, à longevidade e à vida destes animais, que mesmo assim se sentem agradecidos. Os cães do meu bairro são todos uns coitadinhos, mas são-no por conta da ignorância dos seus donos, gente que pensa que por tê-los resgatado já fez mais do que a sua obrigação!
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