Face
ao que está a acontecer em Kabul, com os talibã já sentados no Palácio
Presidencial e o Afeganistão nas mãos, como sempre, não faltarão por aí
generais ocidentais revoltados contra a decisão política de abandonar aquele
país, convencidos de ter para o problema afegão um solução militar. Por outro
lado, a adoptada e costumeira estratégia norte-americana da “Blitzkrieg”, que
apela a invasões inesperadas e em força, não tem levado a esperadas e estrondosas
vitórias militares ou políticas, antes pelo contrário, mas a retiradas desordenadas
e desonrosas como aconteceu no Vietname e acontece agora no Afeganistão, onde
os amigos são deixados para trás e irão aumentar o já largo número de vítimas.
A
derrota, porque é disso que se trata, não é só dos Estados Unidos, da Europa ou
dos seus aliados, mas da humanidade no seu todo e em particular dos direitos
humanos, já que a vitória dos talibã é um retrocesso e uma ferida aberta contra
a paz, a democracia, a fraternidade universal, o progresso e a igualdade de
género. Vinte anos de guerra volvidos, as meninas e as mulheres afegãs retornarão
ao seu hediondo status social, privadas dos seus mais elementares direitos, desconsideradas,
discriminadas e votadas a uma subserviência milenar que as coloca quase ao
nível de mercadoria de troca. Como é sabido todas as guerras têm uma razão
económica implícita, por norma disfarçada pela defesa dos mais nobres e
sagrados princípios ou valores, que servem para escamotear a ganância de alguém
– a guerra é um negócio – e há sempre quem ganhe com ela sem nunca ter pegado
em armas.
A
presença e a intervenção de Portugal neste conflito foi meramente residual,
acontecendo a reboque da União Europeia e da Nato com quem politicamente se
encontra alinhado, mais por conveniência do que por outro qualquer motivo. Como
é nossa tradição, outra coisa não temos para oferecer, dispomo-nos mais uma vez
e receber uns tantos refugiados, certos de que “quem dá o que tem, a mais não é
obrigado!” Com os Estados Unidos e a Europa de partida, a Rússia e a China
mostram-se extremamente diligentes com os novos senhores do Afeganistão,
estendendo-lhes os mais variados serviços e apoios, movidos não só por motivos
político-estratégicos que não são de desconsiderar, mas também pela riqueza
mineral do país e da lucrativa papoila que nele cresce e da qual se extrai a
heroína.
Terão chineses e russos, que agora se colocam abertamente ao lado dos talibã, saído vitoriosos desta guerra? Se se mantiveram alinhados com os senhores da guerra afegãos é possível, caso contrário serão os próximos a ser derrotados, porque nem a loucura russa nem a histórica paciência dos chineses irão conseguir vencer a resiliência afegã e os russos sabem-no bem. A solução para o problema afegão, já conhecida desde o Séc. XIX, foi sempre a mesma, apesar de ter sido desprezada mais uma vez - a diplomática – o que faz de António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, uma das peças mais importantes neste xadrez político.
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