sexta-feira, 10 de abril de 2020

O PACO, EU E A CIDADE DESERTA

Nesta altura do campeonato é bom ter um cão, porque doutro modo ver-me-ia obrigado a tomar Vitamina D3 sintética e mais umas não sei quantas drogas. Na companhia do Paco, o meu Pastor Alemão negro, com o qual tenho uma relação privilegiada pela cumplicidade que fomos desenvolvendo ao longo do tempo, todos os dias saímos à rua e damos a volta ao quarteirão num raio de 100 metros ao redor da minha casa. Raramente encontramos alguém e até é melhor nem encontrarmos, porque ao contrário do passado recente, em que as pessoas corriam para o cão, quem se cruza agora connosco vira a cara para o lado e acelera o passo temendo ser infectado, porque a morte anda por aí e nunca se sabe quem vai levar consigo.
O cão também estranha tamanho sossego e avança desconfiado como se uma tempestade tivesse para rebentar, olhando para tudo quanto é canto na esperança de ver vivalma. Mas não, a cidade está deserta como nunca esteve, já não se vêem nem ouvem as crianças, as gaivotas perderam a sua ousadia e regressaram ao mar, somente os pássaros continuam a chilrear, agora como nunca antes. Para dar pulmão ao cão e não o deixar emperrar, depois de o ter aquecido convenientemente, convido-o para uns quantos obstáculos urbanos ao alcance da sua capacidade de resolução, mas sem o espanto e a surpresa dos que anteriormente nos viam trabalhar.
Não é muito cómodo para quem conduz um cão, particularmente nos exercícios de ginástica, fazê-lo de máscara na cara e de luvas postas, porque os olhos ficam embaciados e as mãos transpiram em demasia. Na ausência de outra solução que me proteja, esqueço-me dos entraves e dedico-me ao animal, estimulando-o para ir adiante e recompensando-o como se fora um campeão (do meu coração já é!). Porém, é o que me parece, o animal já não demonstra mais aquela alegria em sair, quiçá por abominar tanto silêncio e vazio. Como quem lidera ou comanda não tem o direito de desanimar e de se deixar abater sobre os outros, solto o resto da jovialidade que me resta e levo o cão a seguir-me por toda a parte.
Felizmente que estamos na Páscoa, ocasião litúrgica em que os cristãos celebram a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Filho unigénito de Deus, que se fez homem e morreu por todos nós para nos trazer vida para além da morte. Ao ressuscitar, Ele venceu a morte e com Ele nós também a venceremos. Debaixo desta Fé, que é dom de Deus e não meu, caminho com o cão pelas ruas onde a morte espreita, indiferente ao medo geral, porque sei que não estou só, apesar de ser um cidadão triplamente de “alto risco”.
Hoje aspirei ânimo do sol que me batia na cara e regressei a casa mais alegre do que nunca. Vale a pena viver e não desesperar, o melhor é não estar só, eu tenho um companheiro de quatro patas que julga cuidar de mim, quando sou eu que o protejo e guio por léguas sem fim, exactamente como Alguém sempre fez comigo. Havemos de reencontrar-nos, Boa Páscoa para todos!

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