terça-feira, 28 de abril de 2020

INGLESICES

Nos momentos de crise que assolam as nações e é preciso levantar o moral do povo, dar-lhe esperança para seguir o caminho já percorrido, há sempre alguém que se agiganta com o seu exemplo, tornando-se automaticamente num herói a seguir. E nisto de brados, de gritos de esperança, de nunca desistir, há que tirar o chapéu aos ingleses, porque duma forma ou de outra, acabarão por mostrar-se indomáveis, independentemente do sacrifício a que se vejam sujeitos, teimosia histórica digna de admiração. Durante a presente pandemia, que “mata velhos que nem tordos”, um homem que vai fazer 100 anos de idade depois de amanhã, Thomas Moore, conhecido como Capitão Tom, um ex-oficial do Exército Britânico, que serviu na Índia e na Campanha da Birmânia durante a II Guerra Mundial, um intrépido e solidário sobrevivente, “ressuscitou” nos britânicos a histórica confiança que sempre conduziu a “Velha Albion” às vitórias.
Mas que actos ou façanhas relevantes empreendeu o velho, gasto e curvado Tom? No passado dia 06 deste mês, aos 99 anos de idade, começou a passear ao redor seu jardim com a ajuda de um andarilho, com objectivo de arranjar mil libras no seu centésimo aniversário para doá-las à “NHS Charities Together”, uma federação com mais de 250 organizações de caridade que apoiam o Serviço Nacional de Saúde (NHS), as suas equipas, voluntários e pacientes no Reino Unido. O velho soldado só pretendia uma coisa – combater o coronavírus salvando vidas! Anteontem, dia 26, ele já tinha angariado mais de 29 milhões de libras! Logo no início da sua caminhada, apareceu numa versão cover da canção “You'll Never Walk Alone” (Nunca Andarás Sozinho) com Michael Ball, single que chegou ao 1º lugar do ranking britânico. Para ouvi-lo basta clicar em https://www.youtube.com/watch?v=LcouA_oWsnU.
É sabido, seja lá onde for, que a esmagadora maioria dos cidadãos não morre de amores pela polícia e pelos polícias, só a procurando em último caso – quando precisam dela. A polícia britânica também está ciente disso e consecutivamente intenta melhorar a sua imagem junto do público, empreendendo várias campanhas neste sentido, valendo-se inclusive do patriotismo ferrenho presente nos ingleses, particularmente nos mais velhos. Agora aparece a polícia de West Midlands a apanhar boleia nas caminhadas do Capitão Tom Moore, dizendo que o seu nome encabeça a lista de nomes a atribuir aos seus cachorros. Mais, que um deles, um Pastor Holandês com 2 meses de idade, levará o nome de Capitão Tom, devido ao seu pai ser um cão-polícia em Hampshire e Thames Valley… e ter raízes em Yorkshire, como o futuro centenário. Um porta-voz desta polícia disse ainda que “o cachorro será carinhosamente conhecido como Tommy e espera-se que também faça uma grande diferença na ajuda a outros no futuro.”
Este Pastor Holandês, cuja raça é cada vez mais constituída por Malinois, guardando da original pouco mais que o tigrado, certamente não foi seleccionado para detectar a presença de vírus, mas para ser um cão auxiliar de patrulhas e para dar caça a criminosos, valendo dessa forma à sociedade. O altruísmo do velho soldado e a sua campanha serviram perfeitamente os objectivos da polícia, numa simbiose tão perfeita que podemos considerá-la como “ouro sobre azul”. Oxalá o Tommy consiga levar de vencida o programa policial de formação (renomado mundialmente) e venha a ser um excelente operacional no próximo ano, porque, quanto ao nome, não poderia ter outro mais auspicioso.
É possível que em alguns lugares mais frívolos do planeta, o Capitão Thomas Moore fosse aconselhado a resguardar-se, a pôr-se na cama ou acabasse internado “por não estar bem da cabeça”, até porque a diferença que separa o heroísmo da loucura é por vezes muito ténue. Se por cá aparecesse, antes do surgimento do Capitão Tom, um velhinho semelhante, com a mesma ideia e a cirandar no quintal sem máscara, bem depressa seria trancado pela polícia dentro de casa e entendido como um doente mental. Mas depois do sucesso do veterano inglês, ainda é possível desencantarmos um, exactamente como inventámos o “heróico” Martim Moniz, aquando da Conquista de Lisboa, que já se provou nunca ter existido. Apesar de podermos chamar os mortos de heróis para animar os vivos ou para diminuir a dor da sua separação, os verdadeiros heróis são aqueles que sobrevivem, que prestam homenagem ao sacrifício dos mortos e que tomam nas suas mãos as rédeas do futuro.

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