Nos momentos de crise que
assolam as nações e é preciso levantar o moral do povo, dar-lhe esperança para
seguir o caminho já percorrido, há sempre alguém que se agiganta com o seu
exemplo, tornando-se automaticamente num herói a seguir. E nisto de brados, de
gritos de esperança, de nunca desistir, há que tirar o chapéu aos ingleses,
porque duma forma ou de outra, acabarão por mostrar-se indomáveis,
independentemente do sacrifício a que se vejam sujeitos, teimosia histórica
digna de admiração. Durante a presente pandemia, que “mata velhos que nem
tordos”, um homem que vai fazer 100 anos de idade depois de amanhã, Thomas
Moore, conhecido como Capitão Tom, um ex-oficial do Exército Britânico, que
serviu na Índia e na Campanha da Birmânia durante a II Guerra Mundial, um intrépido
e solidário sobrevivente, “ressuscitou” nos britânicos a histórica confiança
que sempre conduziu a “Velha Albion” às vitórias.
Mas que actos ou façanhas
relevantes empreendeu o velho, gasto e curvado Tom? No passado dia 06 deste
mês, aos 99 anos de idade, começou a passear ao redor seu jardim com a ajuda de
um andarilho, com objectivo de arranjar mil libras no seu centésimo aniversário
para doá-las à “NHS Charities Together”, uma federação com mais de 250
organizações de caridade que apoiam o Serviço Nacional de Saúde (NHS), as suas
equipas, voluntários e pacientes no Reino Unido. O velho soldado só pretendia
uma coisa – combater o coronavírus salvando vidas! Anteontem, dia 26, ele já
tinha angariado mais de 29 milhões de libras! Logo no início da sua caminhada,
apareceu numa versão cover da canção “You'll Never Walk Alone” (Nunca Andarás Sozinho)
com Michael Ball, single que chegou ao 1º lugar do ranking britânico. Para ouvi-lo
basta clicar em https://www.youtube.com/watch?v=LcouA_oWsnU.
É sabido, seja lá onde
for, que a esmagadora maioria dos cidadãos não morre de amores pela polícia e
pelos polícias, só a procurando em último caso – quando precisam dela. A
polícia britânica também está ciente disso e consecutivamente intenta melhorar
a sua imagem junto do público, empreendendo várias campanhas neste sentido,
valendo-se inclusive do patriotismo ferrenho presente nos ingleses, particularmente
nos mais velhos. Agora aparece a polícia de West Midlands a apanhar boleia nas
caminhadas do Capitão Tom Moore, dizendo que o seu nome encabeça a lista de
nomes a atribuir aos seus cachorros. Mais, que um deles, um Pastor Holandês com
2 meses de idade, levará o nome de Capitão Tom, devido ao seu pai ser um
cão-polícia em Hampshire e Thames Valley… e ter raízes em Yorkshire, como o
futuro centenário. Um porta-voz desta polícia disse ainda que “o cachorro será
carinhosamente conhecido como Tommy e espera-se que também faça uma grande
diferença na ajuda a outros no futuro.”
Este Pastor Holandês, cuja
raça é cada vez mais constituída por Malinois, guardando da original pouco mais
que o tigrado, certamente não foi seleccionado para detectar a presença de
vírus, mas para ser um cão auxiliar de patrulhas e para dar caça a criminosos,
valendo dessa forma à sociedade. O altruísmo do velho soldado e a sua campanha
serviram perfeitamente os objectivos da polícia, numa simbiose tão perfeita que
podemos considerá-la como “ouro sobre azul”. Oxalá o Tommy consiga levar de
vencida o programa policial de formação (renomado mundialmente) e venha a ser
um excelente operacional no próximo ano, porque, quanto ao nome, não poderia
ter outro mais auspicioso.
É possível que em alguns
lugares mais frívolos do planeta, o Capitão Thomas Moore fosse aconselhado a resguardar-se,
a pôr-se na cama ou acabasse internado “por não estar bem da cabeça”, até
porque a diferença que separa o heroísmo da loucura é por vezes muito ténue. Se
por cá aparecesse, antes do surgimento do Capitão Tom, um velhinho semelhante,
com a mesma ideia e a cirandar no quintal sem máscara, bem depressa seria
trancado pela polícia dentro de casa e entendido como um doente mental. Mas depois
do sucesso do veterano inglês, ainda é possível desencantarmos um, exactamente
como inventámos o “heróico” Martim Moniz, aquando da Conquista de Lisboa, que
já se provou nunca ter existido. Apesar de podermos chamar os mortos de heróis
para animar os vivos ou para diminuir a dor da sua separação, os verdadeiros heróis
são aqueles que sobrevivem, que prestam homenagem ao sacrifício dos mortos e
que tomam nas suas mãos as rédeas do futuro.
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