Tradicionalmente
entre nós, o dia 1º de Abril é o “Dia das Mentiras”, data normalmente
aproveitada para contar algumas petas, que mais tarde virão a ser desmentidas.
Desta vez, porque a situação em que vivemos não está para graçolas, penso que a
tradição vai afrouxar por serem poucos os que irão respeitá-la. Sempre que
alcanço esta data, lembro-me de um 1º de Abril ocorrido na minha juventude,
quando ao contar uma verdade fui tomado por mentiroso e por pouco não levei com
um fervedor de leite em cima.
O
dia tinha amanhecido claro, não chovia e estava frio, condições mais que
suficientes para me pôr fora da cama. Depois de tomar apressadamente o
pequeno-almoço, fui incumbido de ir buscar o jornal para um tio meu, o Diário
de Notícias. Da casa onde então vivia até à papelaria onde se vendiam os
jornais, distavam uns 500m, quilómetro que invariavelmente fazia a correr e feliz
da vida. Mas naquele dia, vá-se lá saber porquê, fui a passo e inteirei-me de
um drama que tinha acontecido, um homem com quarenta e poucos anos
inesperadamente havia falecido.
Bem
depressa consegui saber quem era o defunto, que deixou viúva e dois filhos
menores, um casal, dos quais só recordo o nome do miúdo, miúdo que terá hoje
seguramente mais de 50 anos. A viúva ao ver-me, pediu-me que desse a triste
notícia à sua mãe (naquele tempo nem todos tinham telefone em casa), senhora
que morava a 100m de mim. Deixei o jornal no consultório do meu tio e corri a
anunciar a trágica notícia.
Naquele
tempo, em que os extintos “negociantes de gado” se desenrascavam, saloio que se
prezasse, tinha uma abegoaria (1) junto
ou perto da sua habitação, onde criava bezerros para engorda, mantinha vacas de
leite ou guardava o gado que não tinha conseguido vender na feira. Tal era
também o caso dos pais da viúva, os últimos a largar uma cachorra puxada a
cavalo naquela localidade. Abri o portão do quintal, fui direito à cozinha da
habitação, chamei pela dona da casa e dei com a mãe da viúva a ferver leite
acabado de ser ordenhado.
Sem
perder a compostura, dei a trágica notícia à idosa, que me chamou mentiroso e
disse que “com estas coisas não se brinca”, que daquela vez escapava, mas se
voltasse a fazer o mesmo, que levava com fervedor do leite em cima. Perante a
minha postura irredutível, mas sem tirar os olhos da cafeteira de alumínio, a
boa senhora lá se convenceu do sucedido e exclamou: “ Pobre filhinha, viúva tão
nova e com dois filhinhos pequenos para criar!”
As
más notícias são sempre difíceis de aceitar e todos gostaríamos que não
passassem de meros pesadelos ou de “verdades” do Dia das Mentiras. Ontem, um septuagenário
comentador televisivo, um advogado que não consegue esconder a sua origem nobre
e ascendência estrangeira, disse que cerca de 750.000 portugueses irão ser
infectados pelo Covid-19, que tudo é uma questão de tempo. Quem me dera que o
seu prognóstico estivesse errado e que o coronavírus desaparecesse mais rápido
do que apareceu. Desta vez não falei de cães, mas daquilo que assola os homens
do presente, gente abrigada na mesma trincheira que eu e a quem pretendo
transmitir esperança nesta hora de incerteza, relembrando aqui um aforismo luso
que que sempre se cumpriu: “Não há mal que sempre dure, nem bem que se não
acabe”.
De nada vale a dúvida, o pranto, o medo e a
angústia quando o mal nos cerca, porque são sentimentos que induzem à derrota e
todos queremos ser vencedores. Como por norma quem teme morre, ao pôr-se à
disposição do inimigo, vencerão aqueles que nunca se conformarem, que nunca se
derem por vencidos e que sempre acreditarem que conseguem ultrapassar os maus
vaticínios, apesar de não serem e de não se julgarem invencíveis – há vida para
além do Coronavírus, voltaremos a usufruir da liberdade e a correr, como nunca,
léguas infindas com os nossos cães!
(1)Sítio
próprio para acomodar, preservar ou resguardar o gado, assim como os utensílios
de determinada propriedade rural, também referente ao grupo de animais e apetrechos
duma propriedade rural.
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