No pequeno mundo que se
estende para além da minha porta, conheço duas mulheres que têm muito em comum,
apesar de serem bem diferentes uma da outra. A mais velha aparenta ser mais nova
e vice-versa. A primeira, com setenta e picos, adora dançar e a mais nova, com
sessenta primaveras, arrasta-se pela calçada de tão gorda que está (há quem
diga que rebola). Ambas só estão bem fora de casa e criam raízes numa
esplanada, a última que provavelmente verão até à chamada do padre eterno.
Soltas pela viuvez, nenhuma
delas tem agora companheiro, ainda que a septuagenária, quando a ocasião se
propicia e o Facebook dá uma ajuda, se deixe levar por tórridos romances. A de
sessenta é mais de dar à língua, alvora-se em intelectual, é desprezada pela
única filha que tem e mantém uma paixão oculta de que toda a gente se apercebe.
A mais velha trabalhou toda a vida e vive de uma magra reforma e a outra que
pouco trabalhou, recebe a pensão do marido, finado por quem não morria de
amores.
Ambas frequentam a mesma
esplanada mas em grupos diferentes, a mais velha, que é mais submissa, junta-se
a outras do tipo sargento, a mais nova comporta-se como uma rainha, apesar de
não ter cabeça para ser coroada de tão pequena que é. Gosta de estar rodeada por
um séquito que mantém à sua disposição, tendo como primeiras serviçais uma
velha marreca, coxa e aleivosa e a filha desta, uma gorda ainda em idade fértil,
pouco apelativa, que abomina o trabalho, vive de estratagemas e que se faz
acompanhar de uma muleta para ter a primazia nas caixas dos supermercados.
Tanto a submissa como a
dominante esmeram-se na maquilhagem, a primeira para atrair e a segunda para
estabelecer a diferença, apesar de ambas terem agora o cabelo pintado da mesma
cor – vermelho. Para além de outras coisas em comum, as duas têm cães debaixo
da mesma condição - desleixados. A dançarina tem um sobrevivente com 16 anos que
não pára de ladrar, que nunca saiu do seu mísero quintal e que até tem medo de
vir à rua, agora acompanhado por um de 4 que lhe seguirá as pisadas. A “rainha
da esplanada” tem um arraçado de caniche enclausurado numa cozinha, onde ladra
para o boneco, come, defeca, urina e dorme. Actualmente só é tratado duas vezes
por semana, o que agrava ainda mais a sua situação, porque a sua “dona”
encontra-se a convalescer de uma pequena cirurgia na casa das suas aias.
Quem as ouvir falar não as
leva presas, parecem até pessoas muito sensíveis e agradáveis, daquelas que se
preocupam com o bem-estar alheio e que se colocam à sua disposição, sendo
capazes inclusive de fazer esporadicamente coisas extraordinárias. O que não se
compreende é para que querem os cães, se não têm tem tempo para eles e pachorra
para os passear, nem porque os sujeitam a tamanha violência, castigo e
indiferença! Não farão eles parte das suas vidas? Estarão à espera que morram,
desejar-lhes-ão a morte?
No caso da septuagenária, que
é mais passional, os cães foram lá para casa porque os encontrou a vadiar pelas
ruas, esqueléticos e sem ninguém se interessar por eles. A de sessenta levou o
pequeno cão mais por status do que por outra coisa qualquer. Nenhum dos 3 cães
é feliz e todos se encontram em profundo sofrimento. Tendo conhecimento do seu
estado vivo num dilema: denuncio ou não o caso às autoridades, já que para
fazer bem aos cães sou obrigado a fazer mal às donas? Penso que brevemente,
ainda que com alguma relutância, irei denunciá-las, até porque não me tenho escusado
a chamar-lhes à atenção - elas sabem o mal que estão a fazer!
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