Quando uma aldeia ignota
do interior com poucos habitantes é notícia nos jornais e televisões, algo de
inédito ou de extraordinário ali aconteceu, porque doutro modo continuará como
sempre esteve: esquecida. Desta vez coube à aldeia da Muxagata saltar para a
ribalta, localidade com pouco mais de 200 habitantes, situada no sopé da Serra
de Belcaíde, pertencente ao Concelho de Fornos de Algodres e Distrito da Guarda,
onde um ovinicultor foi surpreendido pela morte de 14 das suas ovelhas que
pernoitavam num prado a céu aberto sem a companhia de cães pastores. Os animais
abatidos apresentavam feridas profundas no pescoço e o seu infortúnio foi
objecto de reportagem televisiva pelo canal privado “Sic Notícias”. De imediato
se alvitrou a hipótese dum ataque de lobos pela da natureza dos ataques e pela
profundidade dos ferimentos mortais, muito embora o Sr. António Cardoso,
proprietário das ovelhas, não esteja muito certo disso, assim como a sua mulher
Margarida, que não descartam a hipótese daquela mortandade poder ter sido também
da responsabilidade de vários cães (oxalá tenham sido lobos, porque se foram
cães dificilmente serão indemnizados pelos prejuízos).
Interessámo-nos pelo
assunto por cinco razões: primeira, por causa do enigma; segunda, porque
treinamos cães há muitos anos; terceira, porque envolve lobos e temos
conhecimento dos seus hábitos e modus operandi; quarta, porque entendemos que
todos os rebanhos deverão ser acompanhados por um ou dois cães pastores e
quinta porque um leitor assíduo, que merece todo o nosso respeito, solicitou-nos
o parecer. Alvitrando a hipótese de ter sido uma alcateia de lobos a
responsável por aquela carnificina, porque um isolado jamais procederia a
tamanho estrago, mesmo considerando os ataques cirúrgicos perpetrados, ao
pescoço e eficazes, também a existência de filhotes com 3 ou 4 meses de idade,
há pormenores que parecem desmentir claramente esta hipótese, já que os lobos
não matam por desporto mas por necessidade, não despendem esforço gratuitamente
e não costumam abater um número de presas acima das conseguem transportar, a
menos que a pretensa alcateia esteja saturada de crias ou empenhada a ensinar jovens
lobos a caçar. Caso se verificasse a primeira hipótese, ao não ser surpreendida, a
alcateia carregaria várias das suas vítimas para alimentar os filhotes esfomeados, mas ao que parece não há nenhuma ovelha em falta no rebanho de 60 da família Cardoso.
Atendendo à Estação do Ano que atravessamos é praticamente impossível que uma
alcateia estivesse a ensinar jovens lobos a caçar, actividade que inevitavelmente
só acontece a partir do mês de Outubro entre o Lobo Ibérico (Canis Lupus
Signatus).
De qualquer modo, o exame
de ADN às feridas das ovelhas será esclarecedor, todavia não sabemos se o ICNF
e o SEPNA têm esse meio ao seu dispor (sempre sairá mais barato
mandar para lá um biólogo das redondezas, desempregado ou sem nada para fazer e
solicitar-lhe o parecer. Espera-se que não seja marinho!). Ainda acerca dos
lobos, uma vez as ovelhas mortas, sabendo-se que o “signatus” é também
necrófago, eles voltariam nos dias seguintes para reclamar as suas presas. Além disso, os lobos estão neste momento na muda do pêlo e deixariam indícios por toda a parte. Por tudo isto, a segunda hipótese parece-nos mais plausível, a da matança resultar do ataque duma
matilha de cães, que atendendo ao número de vítimas não precisaria de exceder o
par e poderá recair exclusivamente sobre um único cão, que hipoteticamente poderá
andar perdido, ter sido abandonado ou solto acidentalmente, propriedade de um
visitante ou dum automobilista de passagem, que não se encontra sociabilizado
com o gado e que não é silvestre, porque doutro modo mataria para comer (se o
animal ou animais forem locais, jamais se saberá, porque ninguém viu e dificilmente
o seu dono se acusará). Considerando a natureza dos ferimentos mortais e a
possibilidade de terem sido efectuados por um ou mais cães, teremos que
reportar-nos a lupinos, molossos, molossos alupinados ou a mestiços de
médio-grande porte, com idades compreendidas entre os 10 meses e os 6 anos de
idade, porque dificilmente um vulpino ou um bracóide abraçariam tamanha empresa
por ser-lhes imprópria, sucedendo o mesmo com a maioria dos lebróides e a
totalidade dos bassetóides, os primeiros por desinteresse e os últimos por
ser-lhes impossível.
Esta
hipótese tem ainda a seu favor o facto de nenhuma das ovelhas ter a barriga
rasgada, parte do corpo que os lobos procuram logo após o seu abate e por onde
começam a desmanchá-las. Não podemos garantir a 100% que tenham sido cães a
abater aquelas ovelhas, porque não estivemos no local, não encetámos ali qualquer
perícia, ignoramos a hora aproximada do ataque e as informações que nos chegam são escassas e imprecisas. Porém,
estamos mais inclinados para isso do que para a possibilidade de uma alcateia
de lobos brincalhões o ter feito. Ficamos a aguardar as conclusões oficiais,
por mais que elas demorem!
PS: O desaparecimento
progressivo do Lince Ibérico tem tido como consequência a proliferação de
Saca-Rabos (Herpestes ichneumon) e Doninhas (Mustela nivalis). Sabemos que
estes predadores estão a migrar de Sul para Norte, a alterar os seus hábitos, a
variar as suas presas e horários de caça, particularmente o Saca-rabos que pode
caçar em grupo e sabe escolher quais as presas mais vulneráveis. Até hoje não
há notícia de nenhum ataque de "Herpestes ichneumon" sobre ovinos, o que não quer
dizer que não possa vir a acontecer, pelo que a hipótese não deverá ser posta
de parte atendendo a que as ovelhas se encontravam prenhes, apesar dela nos
parecer muito pouco provável (há qualquer coisa naquelas dentadas assimétricas que não casa inteiramente com as costumeiras mordeduras a par de cães e lobos, seriam os agressores braquicéfalos ou prognatas?).
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