Num quintal virado a norte,
sombrio e bolorento, onde a erva de São Roberto, a alfavaca-de-cobra, as
serralhas e os trevos sempre voltam a rebentar, um homem colérico decidiu plantar
naquele exíguo espaço feijão-verde. Citadino por obrigação e com saudades do
campo que o viu nascer, este nano-agricultor decidiu ainda colocar ali um cão
jovem, irrequieto e pleno de vida, companheiro que muito raramente leva à rua
para passear.
Compreensivelmente e para
lhe chamar à atenção, mostrando assim e em simultâneo a sua insatisfação e
revolta, o cão vai-se às canas do feijão e transforma os canteiros num autêntico
“arraial de S. João”, recebendo como paga pelos seus actos também um arraial diário
de pancada, o que não resolve a situação e que leva o indigno dono a exclamar: “
Ah seu filho de mãe deportada pró Brasil, não tens mesmo vergonha nenhuma!”.
Farto de assistir aquela
cena, sempre acompanhada por algazarra, pauladas, gritos de dor e rosnadelas,
no intuito de esclarecer e ajudar, depois de muito matutar, decidi dirigir-me
àquele homem e explicar-lhe como resolver a situação sem incomodar os vizinhos
e bater no cão. Falando pausadamente e em linguagem simples, porque me apercebi
que era pouco letrado e tinha algumas dificuldades de apreensão, expliquei-lhe
que os cães não se sentem culpados e que apenas temem a reprimenda, que se
passeasse o cão diariamente durante uma hora, dificilmente o animal voltaria a
jogar-se às canas.
Alguns segundos depois da
minha exposição, o homem olhou para mim com um olhar de asco e disse-me: “ O
cão e o feijão são meus e não fui eu que o chamei. Pois então, meta-se na sua
vida e deixe-me em paz!”. Ao contar o episódio para uns amigos meus, houve quem
me dissesse que deveria ter chamado a polícia, ao que eu contrapus que o que
deveria ter chamado era o 112, uma vez que o homem era violento, tinha cabeça
de fósforo e necessitava de acérrima terapia numa unidade de saúde mental.
Eu não chamei a polícia
mas outros o fizeram, o homem foi constituído arguido, o feijão-verde seca por
falta de água e o cão nunca mais foi visto, terá tido melhor sorte? Uma nota
curiosa salta deste relato: apesar do que apanhava, o cão nunca deixou de gostar
do dono! O que interessa guardar desta história verídica é que os cães não se
sentem culpados e que apenas temem o castigo, uma vez que não têm sentimento de
culpa, conforme foi provado cientificamente em 2009 pela pesquisadora Alexandra
Horowitz, do Barnard College, em New York. Aquele olhar de “culpados” que os cães
comummente manifestam, afinal não passa de temor pela reprimenda ou do castigo.
Assim, Mais vale respirar fundo e reflectir que levantar a mão pró cão e vir a arrepender-se
da sua burrice.
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