quarta-feira, 14 de junho de 2017

O DONO DE PELO NA VENTA E CABEÇA DE FÓSFORO

Num quintal virado a norte, sombrio e bolorento, onde a erva de São Roberto, a alfavaca-de-cobra, as serralhas e os trevos sempre voltam a rebentar, um homem colérico decidiu plantar naquele exíguo espaço feijão-verde. Citadino por obrigação e com saudades do campo que o viu nascer, este nano-agricultor decidiu ainda colocar ali um cão jovem, irrequieto e pleno de vida, companheiro que muito raramente leva à rua para passear.
Compreensivelmente e para lhe chamar à atenção, mostrando assim e em simultâneo a sua insatisfação e revolta, o cão vai-se às canas do feijão e transforma os canteiros num autêntico “arraial de S. João”, recebendo como paga pelos seus actos também um arraial diário de pancada, o que não resolve a situação e que leva o indigno dono a exclamar: “ Ah seu filho de mãe deportada pró Brasil, não tens mesmo vergonha nenhuma!”.
Farto de assistir aquela cena, sempre acompanhada por algazarra, pauladas, gritos de dor e rosnadelas, no intuito de esclarecer e ajudar, depois de muito matutar, decidi dirigir-me àquele homem e explicar-lhe como resolver a situação sem incomodar os vizinhos e bater no cão. Falando pausadamente e em linguagem simples, porque me apercebi que era pouco letrado e tinha algumas dificuldades de apreensão, expliquei-lhe que os cães não se sentem culpados e que apenas temem a reprimenda, que se passeasse o cão diariamente durante uma hora, dificilmente o animal voltaria a jogar-se às canas.
Alguns segundos depois da minha exposição, o homem olhou para mim com um olhar de asco e disse-me: “ O cão e o feijão são meus e não fui eu que o chamei. Pois então, meta-se na sua vida e deixe-me em paz!”. Ao contar o episódio para uns amigos meus, houve quem me dissesse que deveria ter chamado a polícia, ao que eu contrapus que o que deveria ter chamado era o 112, uma vez que o homem era violento, tinha cabeça de fósforo e necessitava de acérrima terapia numa unidade de saúde mental.
Eu não chamei a polícia mas outros o fizeram, o homem foi constituído arguido, o feijão-verde seca por falta de água e o cão nunca mais foi visto, terá tido melhor sorte? Uma nota curiosa salta deste relato: apesar do que apanhava, o cão nunca deixou de gostar do dono! O que interessa guardar desta história verídica é que os cães não se sentem culpados e que apenas temem o castigo, uma vez que não têm sentimento de culpa, conforme foi provado cientificamente em 2009 pela pesquisadora Alexandra Horowitz, do Barnard College, em New York. Aquele olhar de “culpados” que os cães comummente manifestam, afinal não passa de temor pela reprimenda ou do castigo. Assim, Mais vale respirar fundo e reflectir que levantar a mão pró cão e vir a arrepender-se da sua burrice. 

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