Já há muito tempo que não
vou a um restaurante chinês, ainda que por vezes sinta desejos de vaca com
bambu e cogumelos chineses, de chow mein de frango e da cerveja chinesa, cujo
nome é fácil de decorar pela estranheza: “Tsingtao”, uma cerveja mais leve e
menos alcoólica que as nacionais, parente próxima do “chope” brasileiro, que se
pode beber à vontade caso não se vá conduzir, porque o “teste do balão” não
mente e não aceita argumentos. Na casa desta cerveja, na cidade costeira oriental
de Qingdao, o governo está a implementar uma política de “uma família, um cão”,
exercendo para isso um duro controlo e pesadas multas. Em simultâneo, proibiu
também a posse de 40 raças caninas consideradas ferozes aos moradores da baixa
da cidade, constando entre elas o Pastor Alemão, o Mastim Tibetano e o Akita
Inu.
A recente proibição não foi
bem acolhida pela população que a considera uma medida draconiana, anda mais
quando a posse de cães de raça se transformou ali num símbolo de status (aqui já
estamos a perder as peneiras). O que pesou nesta tomada de decisão daquele
governo? Primeiro, o número de canicultores não pára de aumentar em função da
procura e a situação pode vir a tornar-se insustentável. Estima-se que existam na
China cerca de 100.000.000 de animais de estimação e que deles 27.400.000
são cães, o que coloca aquela grande nação asiática nesta matéria imediatamente
atrás dos Estados Unidos e do Brasil, respectivamente com 55.300.000 e
37.700.000 cães. Segundo, o aumento do número de cães anual, que ronda os 10%,
tem contribuído para um sem número de queixas por incómodos e ferimentos.
Perante estes factos e querendo evitar a morte de crianças e adultos à boca dos
cães, entenderam aqueles legisladores prevenir ao invés de remediar, ou seja,
em banir os cães antes que firam ou matem e não depois de haverem ferido ou
matado, o que pode ser considerado como uma” solução à chinesa” ou uma “chinesice”,
se olharmos do alto dos direitos e liberdades que as nossas democracias nos
conferem.
Quem seguir com atenção a
imprensa britânica acerca dos animais, vê que rara é a semana em que uma
criança ou um idoso não é maltratado por um cão, vindo algumas dessas vítimas a
morrer. Em 2014, só em Inglaterra, houve 7.227 ataques e o seu número tem vindo
a aumentar, sendo que as crianças constituem 16% das vítimas e 2/3 das mortes!
Será que o amor pelos animais nos encaminha para a um disfarçado e silencioso genocídio
doméstico? Nas Ilhas Britânicas sabe-se há muito quais são as raças caninas responsáveis
por tamanha atrocidade: British Staffordshire, American Pitbull Terrier e American
Staffordshire. De que vale penalizar os donos e abater os cães depois do
disparate? Evitarão estas medidas mortes inocentes? O que será mais vergonhoso:
discriminar cães ou virar as costas ao assassínio dos que entre nós são mais
frágeis?
Como adestrador nunca
temi, corri demasiados riscos ou experimentei sérias dificuldades em ensinar
uma raça canina em particular, apesar de durante anos me ter dedicado à
reeducação de cães. No entanto também sei, pela experiência que tive e pelo que
me foi dado a observar, que um número considerável de donos jamais terá
condições de controlar ou dominar um cão potencialmente agressivo,
impropriedade ou incapacidade que porá em risco todos aqueles que com eles se venham
a cruzar, constituindo-se assim num perigo para a sociedade em geral. Perante
este facto, apesar do que vou dizer ser antipopular, entendo que raças caninas
susceptíveis de causar dolo a terceiros deveriam ser vetadas ao cidadão comum,
porque nunca se sabe a que mãos irão parar e na dúvida mais vale salvaguardar a
vida das vítimas. Assim, permitir a posse de um cão perigoso a um indivíduo sem
condições para o segurar é literalmente dar-lhe liberdade para matar! E como
dificilmente saberemos quem terá condições ou não, considerando ainda as
diferentes circunstâncias e a ocorrência de acidentes, melhor será impedir a
entrada de tais cães no país, restringindo-se o seu uso aos militares e às
forças da ordem, uma vez que os usam no sentido inverso: para poupar vidas
humanas.
Por tudo isto, penso que
os legisladores de Qingdao estão certos, porque pensaram primeiro na
salvaguarda dos seus concidadãos. E se há algo que não pode ser imputado aos
chineses é de não serem clarividentes e pragmáticos (oxalá usem sempre essas
qualidades em prol da paz, porque doutra maneira “o caldo vai ficar seriamente
entornado”).
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