segunda-feira, 12 de junho de 2017

CHINESICES OU TALVEZ NÃO

Já há muito tempo que não vou a um restaurante chinês, ainda que por vezes sinta desejos de vaca com bambu e cogumelos chineses, de chow mein de frango e da cerveja chinesa, cujo nome é fácil de decorar pela estranheza: “Tsingtao”, uma cerveja mais leve e menos alcoólica que as nacionais, parente próxima do “chope” brasileiro, que se pode beber à vontade caso não se vá conduzir, porque o “teste do balão” não mente e não aceita argumentos. Na casa desta cerveja, na cidade costeira oriental de Qingdao, o governo está a implementar uma política de “uma família, um cão”, exercendo para isso um duro controlo e pesadas multas. Em simultâneo, proibiu também a posse de 40 raças caninas consideradas ferozes aos moradores da baixa da cidade, constando entre elas o Pastor Alemão, o Mastim Tibetano e o Akita Inu.
A recente proibição não foi bem acolhida pela população que a considera uma medida draconiana, anda mais quando a posse de cães de raça se transformou ali num símbolo de status (aqui já estamos a perder as peneiras). O que pesou nesta tomada de decisão daquele governo? Primeiro, o número de canicultores não pára de aumentar em função da procura e a situação pode vir a tornar-se insustentável. Estima-se que existam na China cerca de 100.000.000 de animais de estimação e que deles 27.400.000 são cães, o que coloca aquela grande nação asiática nesta matéria imediatamente atrás dos Estados Unidos e do Brasil, respectivamente com 55.300.000 e 37.700.000 cães. Segundo, o aumento do número de cães anual, que ronda os 10%, tem contribuído para um sem número de queixas por incómodos e ferimentos. Perante estes factos e querendo evitar a morte de crianças e adultos à boca dos cães, entenderam aqueles legisladores prevenir ao invés de remediar, ou seja, em banir os cães antes que firam ou matem e não depois de haverem ferido ou matado, o que pode ser considerado como uma” solução à chinesa” ou uma “chinesice”, se olharmos do alto dos direitos e liberdades que as nossas democracias nos conferem.
Quem seguir com atenção a imprensa britânica acerca dos animais, vê que rara é a semana em que uma criança ou um idoso não é maltratado por um cão, vindo algumas dessas vítimas a morrer. Em 2014, só em Inglaterra, houve 7.227 ataques e o seu número tem vindo a aumentar, sendo que as crianças constituem 16% das vítimas e 2/3 das mortes! Será que o amor pelos animais nos encaminha para a um disfarçado e silencioso genocídio doméstico? Nas Ilhas Britânicas sabe-se há muito quais são as raças caninas responsáveis por tamanha atrocidade: British Staffordshire, American Pitbull Terrier e American Staffordshire. De que vale penalizar os donos e abater os cães depois do disparate? Evitarão estas medidas mortes inocentes? O que será mais vergonhoso: discriminar cães ou virar as costas ao assassínio dos que entre nós são mais frágeis?
Como adestrador nunca temi, corri demasiados riscos ou experimentei sérias dificuldades em ensinar uma raça canina em particular, apesar de durante anos me ter dedicado à reeducação de cães. No entanto também sei, pela experiência que tive e pelo que me foi dado a observar, que um número considerável de donos jamais terá condições de controlar ou dominar um cão potencialmente agressivo, impropriedade ou incapacidade que porá em risco todos aqueles que com eles se venham a cruzar, constituindo-se assim num perigo para a sociedade em geral. Perante este facto, apesar do que vou dizer ser antipopular, entendo que raças caninas susceptíveis de causar dolo a terceiros deveriam ser vetadas ao cidadão comum, porque nunca se sabe a que mãos irão parar e na dúvida mais vale salvaguardar a vida das vítimas. Assim, permitir a posse de um cão perigoso a um indivíduo sem condições para o segurar é literalmente dar-lhe liberdade para matar! E como dificilmente saberemos quem terá condições ou não, considerando ainda as diferentes circunstâncias e a ocorrência de acidentes, melhor será impedir a entrada de tais cães no país, restringindo-se o seu uso aos militares e às forças da ordem, uma vez que os usam no sentido inverso: para poupar vidas humanas.
Por tudo isto, penso que os legisladores de Qingdao estão certos, porque pensaram primeiro na salvaguarda dos seus concidadãos. E se há algo que não pode ser imputado aos chineses é de não serem clarividentes e pragmáticos (oxalá usem sempre essas qualidades em prol da paz, porque doutra maneira “o caldo vai ficar seriamente entornado”).

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