Na
minha puberdade e adolescência tive a felicidade de sair do portão de casa e
estar praticamente dentro da maior feira de gado semanal do País, onde assisti
a inúmeras trapaças dos ciganos de outrora na venda de gado muar, verdadeiros peritos
em vender por bom aquilo que não prestava. Paralelamente também vi muito
negociante de gado a arrancar a pele a muito desgraçado, a dar o golpe de
misericórdia a quem já estava por demais endividado e que era obrigado a vender
o animal pelo preço que lhe ofereciam, muitas vezes previamente combinado entre
os negociantes, pelo que depressa me apercebi que os ciganos nas feiras do gado
eram mais do que muitos, só um pequeno grupo deles era romani e todos
contribuíam para a desgraça alheia. Os ciganos de hoje já não negoceiam em
burros e cavalos, vendem roupas, calçado e por vezes mercadoria contrafeita, e
os negociantes já passaram à história. No entanto, a velha prática ciganal é
agora adoptada nos cães por “lindos meninos”, negociantes doutra estirpe que se
têm vindo a aprimorar ao longo do tempo na arte de enganar.
Como
as patranhas na canicultura são mais do que muitas (estou convencido que
algumas já são tão antigas que remontam à pré-história), vou contextualizar-me
apenas no uso de umas injecções “milagrosas” dadas durante a fase de
crescimento aos cães, que os desenvolvem muito para além da sua herança genética,
transformando o deplorável em algo aparentemente agradável, ao ponto destes
animais darem status aos seus mentores, atingirem altos preços e serem
procurados, lamentavelmente, para reprodução. Lamentavelmente, digo eu, porque
a sua prole não irá usufruir dos benefícios das injecções dadas aos seus pais,
mas reflectir a sua carga hereditária. Os ditos “cães injectados”, também
conhecidos na gíria como “cães de laboratório”, são geralmente animais que não
resultaram de uma selecção diga desse nome e cujos donos nunca se manifestaram
muito interessados em gastar muito dinheiro na sua nutrição e demais cuidados.
Em face disto, bem que poderíamos também chamar estes cães de “contrafeitos”,
porquanto são vendidos por aquilo que não são.
Como adestrador com alguma experiência e apegado ao conhecimento erudito, sou confrontado muitas vezes com cães destes, que identifico de imediato por pormenores morfológicos nos animais e pelas ”escorregadelas” dos donos, que costumo inquirir sem se aperceberem disso (a mentira tem as pernas curtas). É evidente que se os donos em questão forem de reconhecida índole charlatã a dúvida fica automaticamente instalada. Porque recorreram à desonestidade para obter cães minimamente apresentáveis e querem ver ratificada a sua mentira, os donos destes cães não raramente procuram notoriedade e reconhecimento, louvores que não merecem mas que os exaltam acima dos demais, que é exactamente aquilo que procuram! Ao longo da minha carreira tenho-me deparado com vários cães assim, finjo que não vejo e que não sei de nada, e os seus donos ficam felizes por terem conseguido enganar mais um, ainda por cima um dos mais pintados! Porém, não aconselho ninguém a seguir este caminho de mentira, que reprovo veementemente, porque isto não é gostar de cães nem respeitar os homens! Como é que estes indivíduos chegaram a tais injecções? Sinceramente não sei, cada caso será um caso, mas em todos eles alguém se portou muito mal e acabou por cometer perjúrio, comprometendo de algum modo a sua credibilidade profissional e faltando à verdade. Como já disse alguém: “Enganem-me que eu gosto!”
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