Para começo de conversa
vamos excluir o Cão de Fila de S.Miguel do grupo dos restantes molossos
portugueses, porque de molosso tem pouco e é essencialmente um alano, considerando
a sua morfologia, biomecânica, psicologia, versatilidade, disponibilidade e
capacidade de aprendizagem, pormenores que fazem dele o cão mais interactivo das
raças portuguesas. Mas se o Fila é um cão distinto, grandes similaridades
persistem entre o Cão da Serra da Estrela, o Cão de Gado Transmontano e o
Rafeiro Alentejano, todos eles molossos, com as mesmas qualidades e menos
valias. Não englobo neste grupo de apreciação o Cão de Castro Laboreiro, apesar
de também ser um molosso, porque tem características biomecânicas e
psicológicas subtilmente díspares dos demais, que o tornam único tanto para o
melhor como para o pior.
O Serra da Estrela, o Cão
de Gado transmontano, o Rafeiro Alentejano e o Cão de Castro Laboreiro sempre
foram cães guardadores de gado, próprios para escorraçar os lobos dos rebanhos,
onde se impunha que fossem grandes e valentes, próprios para o seu ofício. Com
o desaparecimento dos lobos, por razões que não importa aqui especificar, a
selecção continuada destas raças, feita agora por gente desligada da pastorícia
e da transumância, considerou mais a sua história do que a interacção
desejável, produzindo cães à partida submissos, simpáticos (alguns até
bonacheirões), de certo modo apáticos e longínquos, com pouca disponibilidade,
nada dados a desafios e avessos à ginástica, cães presentes mas independentes,
próprios para ser adorados e não para agradar, medianamente curiosos, de forte
vontade própria (teimosia) e pouco préstimo, o que não é de estranhar quando se
desprezam ou desconsideram na selecção os seis principais impulsos herdados (ao
alimento, ao movimento, à defesa, à luta, ao poder e ao conhecimento).
Estes
cães, que detestam ser incomodados ou arregimentados, preferem andar a rumo próprio
e para onde lhes der na gana, perto dos donos sim, mas não ao ponto de lhes
satisfazerem as vontades. Contrariá-los talvez não seja a melhor estratégia e obrigá-los
ao que quer que seja muito menos, porque dependendo da sua idade, sexo e perfil
psicológico tanto se podem jogar ao chão como ousar mostrar quem ali manda.
Naturalmente avessos à ginástica cinotécnica, mas carentes dela, porque sendo rectangulares
e pesados, pouco angulados de traseira, pesados de espádua, tendo a cabeça
pesada e sendo propensos ao divergir de mãos, se nada for feito em contrário,
acabarão exageradamente selados mais rápido que o esperado, anomalias físicas
que poderão comprometer o seu bem-estar e longevidade. É evidente que a sua
sofrível capacidade de aprendizagem melhorará substancialmente com o treino
precoce e com a experiência variada e rica, como de resto qualquer cão. Cães
assim acabam desterrados para grandes extensões territoriais, onde aliás se
sentem muito bem, ou eventualmente para um grande pavilhão de caça onde a porta
para o exterior permanece sempre aberta. A quem interessarão estes cães
primitivos? Certamente a quem os venera, jamais a quem queira trabalhar com
eles!
PS: Caso tenha um molosso
e deseje fazer dele um cão mais apto, leia por favor o artigo “COMO FAZER UM MOLOSSO MELHOR”,
editado em 12/09/2017
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