domingo, 29 de julho de 2018

O SEGREDO DOS CÃES CENTENÁRIOS

Vários leitores têm-nos questionado acerca da longevidade dos cães que criamos e acompanhamos, tanto os nossos como aqueles que treinamos, como se nisso houvesse algum segredo por revelar ou como se de um milagre se tratasse. Disposto a dissipar todas as dúvidas e a não remeter para o oculto o nosso saber, vou aqui enumerar os critérios e as causas que contribuem para a maior esperança de vida dos nossos cães, animais que ao mesmo tempo são portadores de uma alta capacidade de aprendizagem e de uma predisposição atlética notável, apesar de grandes e robustos. Para uma melhor compreensão e contextualização do que vamos divulgar, a despeito de não valermos só ao CÃO DE PASTOR ALEMÃO, será este o cão que tomaremos por exemplo.
Como adendo ao tema considerámos o que faz saber o Dr. Jesse Grady, instrutor clínico de medicina veterinária na Universidade Estadual do Mississippi, no website científico THE CONVERSATION ( https://theconversation.com/profiles/jesse-grady-502334 ) e de que a LIVESCIENCE faz eco (https://www.livescience.com/63135-dog-and-cat-years-age.html) acerca da idade aproximada de cães e gatos em relação à dos humanos, valendo-se inclusive de dois gráficos no caso dos cães, um que mostra os estágios de vida caninos de acordo com o American Animal hospital Association e outro que converte os anos caninos em humanos segundo a mesma fonte, tendo como referência os cães médios.
No caso dos estágios de vida canina adianta-se que ali consideram 6: CACHORRO, que vai do nascimento aos 5 meses (do nascimento à maturidade sexual); JÚNIOR que vai dos 5 aos 7 ½ meses (reprodutivamente maduro mas ainda em crescimento); ADULTO, dos 7 ½ meses até aos 6 ½ anos (fim do crescimento, sexual e estruturalmente maduro); MADURO, dos 6 ½ aos 9 anos e 9 meses (de ¼ a ½ da esperança de vida esperada); SÉNIOR, dos 9 anos e 9 meses aos 13 anos (último quarto de esperança de vida) e finalmente o GERIÁTICO, com mais de 13 anos (para além da expectativa de vida útil). Escusado será dizer que aconselhamos vivamente a leitura deste trabalho.
Segundo a divisão de estágios que adianta e a equivalência dos anos que manifesta, os cães que criámos, criamos e os que acompanhamos, foram e continuam a ser na sua maioria centenários, considerando que viveram e vivem para além dos 13 anos, chegando alguns deles aos 16 anos de idade conforme vamos dando notícia, o que os coloca automática e surpreendentemente no ESTÁGIO GERIÁTICO. Por outro lado, raros foram os cães ao nosso encargo que não atingiram o ESTÁGIO SÉNIOR.
Penso que a primeira coisa a contribuir para a longevidade dos nossos cães foi o objectivo que levou à sua procura, o de adquirir cães rústicos, robustos, atléticos, cúmplices, valentes, curiosos e multifacetados, com bons impulsos ao alimento, movimento, defesa, luta, poder e conhecimento, o que automaticamente nos dispensou de um sem número de “tira-linhas” que em vão nos quiseram impingir, animais de pedigree imaculado, mas de pouco ou nenhum préstimo para além da passerelle.
Com um objectivo destes não podíamos escolher reprodutores cujos pais fossem desaprumados, leves de cabeça e osso, exageradamente plantígrados, frágeis, esganiçados, obesos, pernaltos, pouco activos, apáticos, mansos e medrosos ou portadores de um quadro clínico deplorável (por razões articulares e/ou outras). A demanda por cães com estas características levou-nos até às antigas linhas de trabalho alemãs (alsacianas e da extinta RDA/DDR), onde a cor lobeira era predominante como o foi na proto-selecção da raça.
Obviamente que não podíamos pactuar com a consanguinidade e a endogamia, considerando o bem-estar, saúde, desempenho e longevidade dos animais. Ao invés, procurámos cães resultantes de beneficiamentos cromáticos heterozigóticos dentro da biodiversidade ainda possível na raça, não desprezando nenhuma variedade cromática recessiva desde que os seus indivíduos carregassem as necessárias mais-valias. Neste sentido desenvolvemos várias fórmulas válidas para os beneficiamentos heterozigóticos que a espaços fomos divulgando.
Importávamo-nos, pelo natureza do objectivo que havíamos traçado, que os nossos cães tivessem a presença ostensiva desejável para intimidar, pormenor que nos levou a seleccioná-los pelos maiores, cães entre os 65 e 70 cm/ dos 38 aos 45 kg e cadelas entre os 60 e 64cm/ dos 34 aos 38 kg, que tornados reprodutores alcançaram ainda descendentes um pouco mais altos e com maior envergadura, contudo sem exceder a relação peso-altura de 1.5. e que não os impedia de atingir uma velocidade mínima aos 100 m de 45 km/h a galope e terem em adultos entre 60 e 80 pulsações por minuto, dependendo isso do maior ou menor treino (mais treino, menos pulsações).
Por detrás de tudo isto, constituída em meta, estava a nossa preocupação em ter cães de trabalho que conseguissem assumir as tarefas mais cedo e por mais tempo, dos 10 meses aos 10 anos, desejo que nos levou ao equilíbrio saudável entre as variedades precoces e tardias, o que garantiu em média uma maior curva de crescimento aos primeiros e manteve a dos últimos. Como se calcula isso não aconteceu automaticamente, duma ninhada para outra. Como seria de esperar, esta política de selecção acabou por dotar os nossos cães de maior esperança de vida, chegando alguns a “centenários”.
O desejo de produzirmos animais caracterizados por uma maior versatilidade, que os capacitaria para um maior número de serviços, dentro e fora de água, levou-nos à selecção dos exemplares com menos abatimento de metacarpos e com membranas interdigitais menos profundas e mais redondas, contrariamente ao recomendável nos shows de conformação, onde eram apreciadas em forma de cunha. Este particular morfológico, que pela selecção aturada se tornou uma característica dos cães da Acendura Brava, dotou-os de um desempenho acima do aceitável dentro de água e tornou-os ávidos por ela. Com esta propensão e com água à sua disposição, estes animais ganharam mais “músculo e pulmão” quando comparados com os demais, o que lhes possibilitou viver e trabalhar por mais tempo em terra firme.
Os nossos cuidados relativos à selecção e aos seus meandros, sempre foram mais minuciosos e aturados na escolha das cadelas, porque são elas e não os machos a pedra basilar de qualquer canil, porque muito do que os cachorros virão a ser a elas deverão e isto em todos os aspectos (físico, psicológico e cognitivo), pelo que formar um canil com cadelas de sofrível qualidade é perpetuar ninhadas de indivíduos díspares entre si e de préstimo irregular. Para além dos predicados atrás mencionados e de necessitarem ser saudáveis, robustas e valentes, dávamos a primazia da nossa escolha àquelas que não tivessem supressão de alguma teta e particularmente às que tivessem 5 pares delas bem destacados, o que à partida afastaria o espectro da endogamia e diminuiria o risco de privarem as suas proles da qualidade e abundância do leite materno. Sim, a primeira condição para termos cães “centenários”, que ultrapassem os 13 anos de vida, assenta sobre a selecção acertada, baseada na procura da rusticidade que sustenta os mais fortes, já que a longevidade não pode ser separada da genética.
Com pais e mães assim, nascidos de beneficiamentos cromáticos heterozigóticos, os nossos cachorros pesavam em média à nascença 550 gramas, em ninhadas de até 8 cachorros e de 625 gramas em ninhadas de 4 a 6 indivíduos. Nascidos robustos, com bom leite materno à disposição, bem desmamados, superiormente alimentados e com os suplementos alimentares necessários para a sua idade, chegavam aos 4 meses de idade com um peso 40 vezes superior ao do seu nascimento, entre 20 e 25 kg, trocando normalmente os dentes um mês antes do que o expectável! Ora, cães desta cepa e com esta qualidade, estavam automaticamente vocacionados para uma vida melhor e mais longa, porque em nenhum momento da sua fase plástica padeceram qualquer tipo de carência. Escusado será dizer que nasceram para trabalhar e que estavam progressivamente condenados a melhorar as selecções, já que só os mais aptos eram escolhidos para reprodutores.
Inevitavelmente, ao serem seleccionados e criados para o trabalho, não podiam escapar-lhe e aceitaram-no como uma decorrência normal do seu crescimento e aprendizagem, ultrapassando metas e vencendo obstáculos como se estes fizessem parte do seu ADN ou já os conhecessem há muito. Antes enumerar os obstáculos a que eram sujeitos e o seu proveito, quero esclarecer, para que nenhum tonto vá para aí matar cães, que até à maturidade sexual dos cachorros, as acções que lhes eram solicitadas visavam o robustecimento do seu carácter e não o seu travamento, que até à referida maturidade todos os obstáculos a que se encontravam sujeitos ou eram de natureza aeróbica ou de correcção morfológica, porque dificilmente conseguiremos levar de vencida, numa só ninhada, os defeitos presentes em determinada família ou linha. O convite para os exercícios e obstáculos anaeróbicos, assim como uma maior incidência na disciplina de obediência, só acontecia 4 meses depois de terem iniciado o treino, aos 8 meses, idade que os nossos amigos americanos colocam e com razão no estágio MADURO. Procedíamos assim para que aos 10 meses de idade tivéssemos cães aptos para qualquer serviço.
Tínhamos responsabilidades diante dos cães que produzíamos e não podíamos desprezar o seu potencial sob pena de os condenar a um sem número de achaques, que encurtariam os seus dias por atentarmos contra o seu bem-estar e predisposição laboral, caso os jogássemos num canil por tempo indeterminado (por alguma razão nasciam fortes, sadios, curiosos e atletas). Assim, impunha-se o aproveitamento da genética, para que nenhuma circunstância ambiental a comprometesse e obstasse aos nossos objectivos. Para tudo corresse sem novidade e tirando partido da maior plasticidade dos cachorros,  visando a correcção morfológica, a robustez do carácter e a melhoria dos seus índices atléticos, também para aquilatar do seu potencial individual com vista à reprodução, convidávamo-los para a prática dos obstáculos constantes na pista táctica que melhor serviam os propósitos atrás enumerados, depois de atrelados e andarem ao lado dos seus condutores sem atropelos.
Ultrapassada a fase da correcção morfológica, que visava simultaneamente corrigir desaprumos e potenciar mais-valias congénitas, tendo o slogan olímpico “CITIUS, ALTIUS, FORTIUS” (mais alto, mais rápido, mais forte) também em consideração, procedíamos à melhoria dos ritmos vitais dos cães pela constância dos exercícios, melhorando-lhes o desempenho para índices atléticos raramente vistos e executados sem qualquer risco, mercê da eficaz preparação desenvolvida. Os cães médios da Acendura Brava saltavam verticais até 1.20 cm (cruas ou cerradas); perseguiam até 21 km a uma velocidade constante de 8 km/h; tinham uma velocidade instantânea de 48 km/h; a sua capacidade de marcha binomial em excursão era de 6.25 km/h; saltavam 3.75 m em extensão; nadavam, rebocavam e entregavam objectos sem dificuldade; a sua força de impacto era de 130 kg, transpunham muros de 2.5 m de altura e tinham igual desempenho em qualquer ecossistema, estação do ano, circunstância climatérica ou hora do dia. Como nunca foi fácil arranjar donos para eles, penso que aqueles que os acompanharam também terão longa vida.
Podemos dizer que atingimos os nossos objectivos a 100%? Não, somente a 70%, porque fomos traídos por quem nos antecedeu, ao deixarem-nos um legado de difícil eliminação, resultante das terríveis selecções operadas nas décadas de 70 e 80, cada uma delas por diferentes razões. Tudo o que fizemos e que em parte aqui dissemos, tornou a ACENDURA BRAVA num CENTRO DE INVESTIGAÇÃO DO CPA e não num mero centro de treino ou canil, apesar de treinarmos outras raças, que vieram a usufruir dos nossos propósitos e avanços, numa época em que trabalhávamos enquanto os outros desfilavam os seus orgulhos e vaidades nos SHOWS DE CONFORMAÇÃO. Hoje, salvo raras e honrosas excepções, ligadas aos cães de utilidade, a maioria dos centros intitulados de trabalho dedica-se essencialmente a uma modalidade desportiva, fazendo-o porque envolve menos investimento e o seu retorno é mais rápido.
Muito mais haveria a dizer, mas o que importa reafirmar é que os cães centenários devem-no primeiro à genética e depois ao acompanhamento de que são alvo, porque tal qual como nós, só têm 3 tipos de doenças: as que nascem com eles, as que contraem ao longa da vida e as que acompanham a sua partida. Sem querer ser poético, ao andarmos por cá com tamanha trabalheira, outra coisa não fizemos do que aplainar o caminho dos cães que nos acompanharam e que outros continuam a espatifar. Um cão não é bom só por ter nascido na Acendura, é-o porque é bom!

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