terça-feira, 22 de março de 2016

SOCIABILIZAR QUEM NÃO DÁ TRÉGUAS: PASTOR ALEMÃO E LEÃO DA RODÉSIA

Há quem goste e quem não goste, nós gostamos e todos os adestradores são obrigados a sociabilizar cães, tarefa obrigatória para quem os ensina e indispensável à genuína constituição binomial, porque ela subsidia, espelha e avalia a obediência ministrada a um cão. Sem ela, todos os serviços destinados aos cães encontram sujeitos a condições especiais e por isso mesmo comprometidos. Só o alcance da sociabilização torna possível a constituição de matilhas funcionais, quer elas sejam homogéneas ou heterogéneas. Sociabilizar contendores não é fácil nem automático (que o digam os mediadores para a paz no Médio-Oriente e noutras latitudes no Globo), porque existem raças caninas que mantêm instintivamente inimizades umas com as outras, alimentadas por divergências somáticas e psicológicas que desnudam rituais e comportamentos diferentes, passíveis de despoletar estranheza, suspeição, aversão e de convidar até prà aniquilação recíproca. São históricas e conhecidas (entre outras) as aversões “lupino-molosso”; “lupino-hound”, “lupino-vulpino”, “inter-molossos” e “bracóide-lupino”.
Escrevemos este artigo a pensar num dos monitores que formámos e que ao momento se encontra a equipar e a instalar uma matilha funcional para guarda (heterogénea), constituída por Pastores Alemães e Leões da Rodésia, desafio deveras estimulante mas que exige especial cuidado, porque os elementos da matilha que se propõe formar são por norma hostis entre si, o que irá exigir como primeira meta a sua sociabilização. Acostumados a estas dificuldades, porque sempre demos aulas colectivas, treinámos Pastores Alemães e nunca nos faltaram Leões da Rodésia nas classes, somos sabedores das causas por detrás da antipatia que as raças nutrem uma pela outra. Ambas são altamente gregárias e territoriais, dadas ao desafio, tendentes à fixação e levadas a desconfiar, sendo por isso concorrentes. Se o Pastor Alemão é rancoroso, o Leão da Rodésia é cismático; se o primeiro adora policiar, o segundo opta por evoluir dissimulado. Naturalmente não tirarão os olhos um do outro, aguardarão oportunidade, um momento em que tenham vantagem pelo descuido do outro - são predadores! Para todos os efeitos o Leão da Rodésia é um “hound” com corpo de molosso e o Pastor Alemão não está para ser caçado ou surpreendido, adivinha-lhe as intenções e quer arrumá-lo de vez. Por causa disso, nenhum deles irá dar as costas ao outro.
O que acabámos de dizer reporta-se aos primeiros encontros entre dois machos adultos, independentemente de já terem copulado ou não, cada um de sua raça, robustos, ambos dominantes, não-castrados, que nunca se viram e que não foram objecto de qualquer tipo de sociabilização, cada um com o seu dono ao lado e com mútua possibilidade de observação, já que a aceitação das cadelas pelos machos é comum a ambos e tão natural quanto a havida com outras cadelas, quer tenham raça ou não, sobrando por aí, por razões menos decorosas, híbridos de ambas as raças alcunhados de “German Ridgeback”, uns fofinhos pouco dados a brincadeiras por serem considerados altamente perigosos, conforme se tem vindo a verificar.
Qualquer casal de Pastores Alemães ou de Leões da Rodésia aceitará um cachorro da raça do outro, mas nunca depois dos 10 meses de idade, o que tornará o Cão Africano mais previsível quando criado entre Pastores e o Pastor Alemão mais subversivo quando criado entre Leões da Rodésia. Tudo leva a crer que o nosso monitor irá demorar mais tempo a sociabilizar aquela matilha do que a pô-la atacar, o que o obrigará a equilibrar, numa primeira fase, a obediência com a guarda propriamente dita, sem enfraquecer o instinto de presa e comprometer o desejo da captura de cada um deles, porque doutro modo servir-se-ão da ocasião dos ataques para se virarem uns contra os outros, por procurarem a liderança nas acções e disputarem os mesmos pontos de entrada (ataque) nas cobaias.

Que ninguém duvide: uma matilha funcional para guarda constituída por Pastores Alemães e Leões da Rodésia é altamente eficaz e facilmente será letal, porque dela sempre resultarão ataques praticamente indefensáveis por serem impetuosos, inesperados e distribuídos, assim como múltiplos ataques à jugular, desde sempre considerados assassinos (compreende-se porquê). O nosso amigo trabalhará a rogo de quem? Provavelmente não será para uma associação filantrópica ou para alguém que tem como missão estender o amor de Deus aos homens! Melhor seria que somente lhes ensinasse obediência, o que impediria futuramente de vir a sentar-se no “banco dos réus” ou o seu inevitável internamento num hospital psiquiátrico.
Retornemos à sociabilização. Primeiro há que dotar cada cão de uma obediência inquestionável, ao ponto de não se mexerem, debaixo do comando de “quieto”, mesmo que o comboio “alfa pendular” lhes passe rente ao focinho em alta velocidade, o que equivale a dizer que a prontidão dos seus ataques deverá ser igual à sua cessação. Depois trabalhar-se-ão as fêmeas com cada macho isoladamente, para se objectivar o controlo dos instintos e se ir compondo parcelarmente a matilha segundo o seu propósito. Os machos deverão ser sujeitos a todas as manobras de sociabilização que usamos, inclusive ao “duo”, primeiro à trela e depois em liberdade, para que a liderança animal não se sobreponha à humana, os cães possam trabalhar em conjunto e aceitar cada um e sem reticências o trabalho que lhe foi destinado, respeitando em simultâneo o esforço e as incumbências dos outros. 
Só depois da aprovação nas manobras de sociabilização animal é que os machos deverão ser convidados para atacar em conjunto, ataque que deverá cessar imediatamente caso se verifique alguma escaramuça entre eles, eventualidade que os obrigará a retornar às ditas manobras, procedimento igualmente válido e indicado para as fêmeas que lutam entre si, por ausência de um genuíno macho dominante que as lidere (como o escalonamento social canino tem como líder um macho, nenhuma cadela aceitará facilmente o domínio laboral de outra, particularmente se for recém-chegada, mais nova ou diferente).
Resumindo, o nosso monitor terá primeiro que pacificar (sociabilizar) os cães entre si e só depois partir para a “guerra”, discipliná-los um a um para depois os poder controlar em matilha. Ainda que não lhe venha a agradar, ciclicamente terá de retornar à sociabilização, porque os níveis de confiança caninos aumentam com o número dos ataques e alguns cães usam-nos como pretexto para um ajuste de contas. E como se isto não bastasse, sempre que uma cadela entra em cio o escalonamento social da matilha pode sofrer alteração, como sofrerá se algum cão ficar doente. Por tudo isto se compreende quão exigente deve ser o treino de um cão de guarda, uma arma de precisão que não pode disparar-se acidentalmente.

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