Cresce
o número de cães nocivos e mal adaptados, os chamados “perniciosos”, animais
que acusam em demasia o stresse, delapidam o património dos seus donos, não
cessam de fazer disparates e que numa fase mais adiantada podem chegar ao ponto
de se automutilarem. Normalmente ganem em demasia, parecem esquecer facilmente
as reprimendas e não cessam de destruir, retomando às acções nocivas sempre que
lhes dá na gana. Tendem a rebocar os donos quando atrelados, resistem à
assimilação de regras e à aquisição de novas rotinas, ladrando desnecessariamente
a tudo e a todos, rebelando-se sofridamente contra o isolamento e confinamento,
o que tem causado dificuldades e delongas na sua adaptação doméstica. O
fenómeno está a tornar-se comum entre lupinos e vulpinos, mesmo em raças que
nunca manifestaram esse comportamento por evidente territorialidade, apesar de
ser também observado, como sempre foi, em bracóides e cães de aponte, patologia
instintiva que vem sendo combatida pela administração de ansiolíticos,
antidepressivos e pela castração.
Parece
evidente que esta patologia resulta de razões genéticas e é decorrente das
actuais políticas de selecção presentes nas várias raças, praticamente indistintas
nos diferentes grupos somáticos caninos, o que tem generalizado este tipo de
comportamento. Se porventura ele estiver também associado a razões ambientais,
tal se ficará a dever ou será reforçado pelo viver urbano da maioria dos
proprietários caninos. De qualquer modo, como não podemos estar a produzir cães
para drogá-los ou castrá-los, o que é um contra-senso e uma clara afronta aos
direitos do animal, importa escalpelar o problema, suavizar os seus efeitos
nos afectados e proceder à sua eliminação nas gerações futuras.
Será
que excessiva endogamia, agora reforçada pela crise que assola toda a CEE, o
Mundo Ocidental e a economia mundial, acrescentou às insuficiências físicas
caninas problemas psicológicos e cognitivos capazes de dificultar a integração e
viver social dos cães? Que critérios de selecção poderão concorrer directamente
para a implosão deste problema aparentemente epidémico? Todos sabemos que por
detrás de todos os grandes conflitos mundiais sobressaem razões económicas que
os sustentam, que o vil metal condiciona tudo e todos, inclusive a canicultura
e as actividades a ela ligadas. Ora, na actual conjectura económica,
caracterizada por várias políticas de austeridade, a canicultura sofre horrores
porque a vida não está para graças e a oferta é superior à procura, realidade
que lhe é ingrata, mais a empobrece e que lhe impede a aquisição de bons reprodutores,
vendo-se assim remetida à prata da casa e a recorrer à consanguinidade, opção
forçada de danosas consequências para o futuro imediato dos cães.
À parte disto e como causa principal do
problema, agiganta-se a exagerada tipificação das raças, preocupação maioritariamente
estética que tem vindo a desconsiderar o bem-estar dos cães e a sua utilidade,
através de critérios selectivos que têm desequilibrado a sã unidade dos impulsos
herdados caninos, pela ávida potenciação de uns e o enfraquecimento de outros.
E se há um impulso que tem vindo sucessivamente a ser desconsiderado, ele é o
relativo ao do conhecimento, mais-valia de origem genética que induz os cães à
curiosidade e ao querer compreender, essencial à sua adaptação, bem-estar
social, cumplicidade e uso, o que tem tido também como consequência um maior
recrutamento de mestiços e rafeiros prós diferentes serviços destinados aos
cães.
Em
detrimento da procura do impulso ao conhecimento, tem-se vindo a potenciar exageradamente
os impulsos ao movimento, à luta, à defesa e ao poder nos lupinos e vulpinos, o
que tem vindo a dificultar a sua coabitação, controlo e uso consensual, porque a
exclusividade destes impulsos tende a remeter os cães para os instintos, tornando-os
quase indistintos dos bracos, pese embora a diferença de alvos.
Para
suavizar os efeitos deste descalabro genético nos cães afectados, torna-se
imperativo ser paciente e atribuir-lhes trabalho, sair com eles à rua o maior
número de vezes possível, não os isolar e dar-lhes espaço, trabalhá-los debaixo
de recompensa e não os confrontar, porque não desarmam debaixo de pressão, uma
vez que apresentam características silvestres e suicidas por reforço dos
instintos. Como são por norma meigos, carentes de carinho e dados a euforias,
há que suborná-los como manobra de estímulo e subsídio para a dependência,
porque doutro modo dificilmente largarão as suas acções automáticas e
prescindirão da sua autonomia desastrosa. O seu baixo poder de concentração,
caracterizado pela desatenção constante, impede-os de assimilar prontamente os exercícios
mais simples propostos, dificuldade só perecível por curtas e persistentes
sessões de treino, que não dispensam os usuais exercícios predatórios para o
que foram criados.
Como se depreende, a eliminação destes cães
perniciosos passa pela alteração das políticas de selecção, que doravante
deverão ter em maior consideração o impulso herdado ao conhecimento, impulso
que sempre estabeleceu e estabelecerá a diferença gradativa dos cães em termos
de qualidade e aptidão. Quem não tem tempo para estes cães vai passá-lo a aturar
os seus múltiplos disparates, pelo que não são recomendáveis para os demasiado
exigentes, inexperientes, indisponíveis, impacientes ou coléricos. São cães
como estes que nos fazem sentir saudades dos cães do passado. Mas como o mundo
é feito de mudança e os homens aprendem com os seus erros, resta-nos a
esperança que estes problemas não se repitam no futuro.
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