terça-feira, 15 de março de 2016

OS CÃES VINGAM-SE OU DEVOLVEM AO REMETENTE TUDO AQUILO QUE RECEBEM?

Certa vez dei um Pastor Alemão a treinar que, nas palavras do seu adestrador, “devolvia ao remetente tudo aquilo que recebia”, referindo-se que o lupino respondia à agressão com a agressão, o que veio a ter consequências nefastas naquele “amestrador”, que por várias vezes acabou suturado. Responder automaticamente à agressão é algo que se procura nos genuínos cães de guarda e que muitos sem o serem acabam por reagir da mesma maneira, facto que fica a dever-se ao seu perfil psicológico. Mas serão os cães capazes de se vingar, de aguardar o momento certo para o fazerem movidos pelo rancor? E se forem, a que se deverá isso?
Deixem-nos contar-vos uma história verídica, acontecida há alguns anos com um tratador militar e o seu veterano cão de serviço. Ao chegar aos 8 anos idade, sem nenhuma mazela aparente ou impeditivo a não ser a idade, determinado cão militar foi dispensado do serviço. Como era hábito então, questionaram o seu tratador se o queria para si, porque doutro modo iria ser abatido. O homem que tanto havia passado com aquele cão por ser de uma agressividade extrema, demorou alguns segundos a responder, decidindo-se finalmente: “ Meu Capitão, como tenho passado tanto com ele, já não estranho e fico com ele”, decisão que pareceu agradável ao oficial. Como o tratador morava num apartamento e durante o dia ninguém se encontrava em casa, optou por entregar o cão aos cuidados do seu pai, morador na província e com bastante terreno ao redor da sua habitação. Tudo parecia correr bem, até ao dia em que o cão atacou o pai do seu tratador. Revoltado com o sucedido, o militar deslocou-se a casa dos pais no intuito de desancar o cão, facto que veio a acontecer.
Perante aquele indesejável desfecho, o tratador optou por entregar o cão ao proprietário de um café perto da sua residência, estabelecimento comercial várias vezes assaltado por conta do tabaco e do álcool que ali era vendido, decisão que o seu proprietário muito agradeceu, porque finalmente podia conservar o que era seu e afoguentar os larápios, carentes de uma boa lição. Certa manhã, algumas semanas mais tarde, muito antes da abertura das lojas, o tratador saiu de serviço e rumou à sua residência. Ao passar em frente do café reparou que este havia sido assaltado, que a sua montra havia sido quebrada e que a máquina do tabaco se encontrava arrombada, facto que muito estranhou diante da ferocidade do animal que tinha deixado lá dentro. Ao acercar-se mais da porta, querendo certificar-se da presença e do estado do cão naquele silêncio, eis que o animal lhe cai em cima, mordendo-o violentamente, ataque que teve como consequência o internamento do tratador no centro clínico da sua corporação, devido à gravidade dos ferimentos infligidos. O cão que se havia desinteressado dos ladrões, não hesitou em atacar o tratador que vivamente o havia agredido, vindo a ter como destino a injecção letal.
Dir-nos-ão que o animal ainda não se havia familiarizado com o local e assumido aquele território como seu, o que é bem possível. Mas que explicação dar ao ocorrido com o seu tratador, senão a de um acto de pura e simples vingança? E foi-o de facto! Neste caso subsistem três razões que sustentam a vingança perpetrada: uma advinda da espécie canina (canis familiaris) e duas ligadas ao seu particular individual (perfil psicológico e treino), duas genéticas e uma ambiental. O cão continua a ser um predador e ao sê-lo é competitivo, impelido pelo instinto de sobrevivência, auxiliado pelo instinto de presa e dado a ocupar o lugar mais alto na hierarquia social ao seu alcance, nomeadamente os machos, resistindo assim à submissão e sendo nisso ajudado pelos impulsos herdados ao poder, à luta e ao conhecimento.
O perfil psicológico deste cão não deixa dúvidas, trata-se de um cão dominante, e chegamos a essa conclusão através da função para que foi escolhido e pelo particular do seu comportamento. Ainda que os canídeos selvagens pouco evoluam nas suas técnicas de caça, porque doutro modo proliferariam em demasia e exterminariam as suas presas, o que a breve trecho lhes seria fatal, as performances e técnicas do cão melhoram consideravelmente com o tempo e o treino, até porque é mais rico em personalidade do que nos instintos, pormenor que possibilita de sobremaneira os seus diferentes usos e permite o controlo dos seus instintos.
Acresce ainda o facto do cão em questão ter sido treinado para atacar e cão que o faz dificilmente voltará a ser o mesmo, acontece o mesmo com os soldados que voltam das guerras, por isso não aconselhamos o treino de guarda para cães cujos donos sejam de liderança precária ou periclitante. Desafiado e acostumado a ganhar, de sessão em sessão, qualquer cão, mormente este, convencer-se-á da sua dominância sobre tudo e todos, tornando-se gradualmente mais incisivo, maldoso e letal, chegando alguns a rebelar-se contra os seus donos, quando impedidos de atacar, prerrogativa dos muito-dominantes, como parece ser o caso do cão adiantado, que exigem donos ainda mais arrojados, o que não os impedirá eventualmente de se transformarem em vítimas, porquanto arriscam a pele por terem andado a brincar com o fogo. O panorama agrava-se ainda mais quando os cães aprendem a suportar e a desviar-se dos golpes, quando acostumados a ripostar (contra-atacar).
Compreende-se agora o porquê da vingança canina e que indivíduos a podem abraçar: os muito-dominantes, superiormente experimentados e aprovados nos ataques, quando vítimas de agressão, cães que não vergam diante de qualquer tipo de castigo e que podem perecer no calor dos confrontos quando enleados com opositores mais fortes ou superiores, bravura que é uma desvantagem. Dificilmente um cão submisso se rebelará contra o seu dono, mesmo que seja objecto de injusto ou duro castigo, já o mesmo não se poderá dizer de um inibido, que poderá usar gratuitamente os dentes diante de qualquer pavor, ainda que o faça de surtida e de forma dissimulada. Os cães que mordem a viatura de alguém que os pontapeou, depois deste sair do local, são de indubitável índole submissa, porque caso fossem dominantes, lançar-se-iam de imediato sobre a pessoa do seu agressor. Apesar disso, estamos também na presença de um acto de inquestionável vingança (há vinganças e vinganças). Um cachorro vítima de maus tratos poderá vir mais tarde a vingar-se do seu carrasco? Sim, caso venha a reunir as condições para isso e quando lhe puder “ser bom”, bastando para alguns a companhia dos donos. Não são muitos os cães capazes de se vingar, mas que eles existem, existem!

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