Certa
vez dei um Pastor Alemão a treinar que, nas palavras do seu adestrador, “devolvia
ao remetente tudo aquilo que recebia”, referindo-se que o lupino respondia à
agressão com a agressão, o que veio a ter consequências nefastas naquele “amestrador”,
que por várias vezes acabou suturado. Responder automaticamente à agressão é
algo que se procura nos genuínos cães de guarda e que muitos sem o serem acabam
por reagir da mesma maneira, facto que fica a dever-se ao seu perfil
psicológico. Mas serão os cães capazes de se vingar, de aguardar o momento
certo para o fazerem movidos pelo rancor? E se forem, a que se deverá isso?
Deixem-nos
contar-vos uma história verídica, acontecida há alguns anos com um tratador
militar e o seu veterano cão de serviço. Ao chegar aos 8 anos idade, sem
nenhuma mazela aparente ou impeditivo a não ser a idade, determinado cão
militar foi dispensado do serviço. Como era hábito então, questionaram o seu tratador
se o queria para si, porque doutro modo iria ser abatido. O homem que tanto
havia passado com aquele cão por ser de uma agressividade extrema, demorou
alguns segundos a responder, decidindo-se finalmente: “ Meu Capitão, como tenho
passado tanto com ele, já não estranho e fico com ele”, decisão que pareceu
agradável ao oficial. Como o tratador morava num apartamento e durante o dia
ninguém se encontrava em casa, optou por entregar o cão aos cuidados do seu
pai, morador na província e com bastante terreno ao redor da sua habitação. Tudo
parecia correr bem, até ao dia em que o cão atacou o pai do seu tratador.
Revoltado com o sucedido, o militar deslocou-se a casa dos pais no intuito de
desancar o cão, facto que veio a acontecer.
Perante
aquele indesejável desfecho, o tratador optou por entregar o cão ao
proprietário de um café perto da sua residência, estabelecimento comercial
várias vezes assaltado por conta do tabaco e do álcool que ali era vendido,
decisão que o seu proprietário muito agradeceu, porque finalmente podia
conservar o que era seu e afoguentar os larápios, carentes de uma boa lição.
Certa manhã, algumas semanas mais tarde, muito antes da abertura das lojas, o
tratador saiu de serviço e rumou à sua residência. Ao passar em frente do café
reparou que este havia sido assaltado, que a sua montra havia sido quebrada e
que a máquina do tabaco se encontrava arrombada, facto que muito estranhou diante
da ferocidade do animal que tinha deixado lá dentro. Ao acercar-se mais da porta,
querendo certificar-se da presença e do estado do cão naquele silêncio, eis que
o animal lhe cai em cima, mordendo-o violentamente, ataque que teve como
consequência o internamento do tratador no centro clínico da sua corporação,
devido à gravidade dos ferimentos infligidos. O cão que se havia desinteressado
dos ladrões, não hesitou em atacar o tratador que vivamente o havia agredido,
vindo a ter como destino a injecção letal.
Dir-nos-ão
que o animal ainda não se havia familiarizado com o local e assumido aquele
território como seu, o que é bem possível. Mas que explicação dar ao ocorrido
com o seu tratador, senão a de um acto de pura e simples vingança? E foi-o de facto!
Neste caso subsistem três razões que sustentam a vingança perpetrada: uma advinda
da espécie canina (canis familiaris) e duas ligadas ao seu particular
individual (perfil psicológico e treino), duas genéticas e uma ambiental. O cão
continua a ser um predador e ao sê-lo é competitivo, impelido pelo instinto de
sobrevivência, auxiliado pelo instinto de presa e dado a ocupar o lugar mais
alto na hierarquia social ao seu alcance, nomeadamente os machos, resistindo assim
à submissão e sendo nisso ajudado pelos impulsos herdados ao poder, à luta e ao
conhecimento.
O
perfil psicológico deste cão não deixa dúvidas, trata-se de um cão dominante, e
chegamos a essa conclusão através da função para que foi escolhido e pelo
particular do seu comportamento. Ainda que os canídeos selvagens pouco evoluam
nas suas técnicas de caça, porque doutro modo proliferariam em demasia e
exterminariam as suas presas, o que a breve trecho lhes seria fatal, as
performances e técnicas do cão melhoram consideravelmente com o tempo e o
treino, até porque é mais rico em personalidade do que nos instintos, pormenor que
possibilita de sobremaneira os seus diferentes usos e permite o controlo dos
seus instintos.
Acresce
ainda o facto do cão em questão ter sido treinado para atacar e cão que o faz
dificilmente voltará a ser o mesmo, acontece o mesmo com os soldados que voltam
das guerras, por isso não aconselhamos o treino de guarda para cães cujos donos
sejam de liderança precária ou periclitante. Desafiado e acostumado a ganhar,
de sessão em sessão, qualquer cão, mormente este, convencer-se-á da sua
dominância sobre tudo e todos, tornando-se gradualmente mais incisivo, maldoso
e letal, chegando alguns a rebelar-se contra os seus donos, quando impedidos de
atacar, prerrogativa dos muito-dominantes, como parece ser o caso do cão adiantado,
que exigem donos ainda mais arrojados, o que não os impedirá eventualmente de
se transformarem em vítimas, porquanto arriscam a pele por terem andado a
brincar com o fogo. O panorama agrava-se ainda mais quando os cães aprendem a suportar
e a desviar-se dos golpes, quando acostumados a ripostar (contra-atacar).
Compreende-se
agora o porquê da vingança canina e que indivíduos a podem abraçar: os
muito-dominantes, superiormente experimentados e aprovados nos ataques, quando
vítimas de agressão, cães que não vergam diante de qualquer tipo de castigo e
que podem perecer no calor dos confrontos quando enleados com opositores mais
fortes ou superiores, bravura que é uma desvantagem. Dificilmente um cão
submisso se rebelará contra o seu dono, mesmo que seja objecto de injusto ou
duro castigo, já o mesmo não se poderá dizer de um inibido, que poderá usar
gratuitamente os dentes diante de qualquer pavor, ainda que o faça de surtida e
de forma dissimulada. Os cães que mordem a viatura de alguém que os pontapeou,
depois deste sair do local, são de indubitável índole submissa, porque caso
fossem dominantes, lançar-se-iam de imediato sobre a pessoa do seu agressor.
Apesar disso, estamos também na presença de um acto de inquestionável vingança (há vinganças e vinganças). Um cachorro vítima de maus tratos poderá vir
mais tarde a vingar-se do seu carrasco? Sim, caso venha a reunir as condições
para isso e quando lhe puder “ser bom”, bastando para alguns a companhia dos
donos. Não são muitos os cães capazes de se vingar, mas que eles existem,
existem!
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