Tenho
passado a vida ao lado dos cães sem chegar ao extremo atribuído a Diógenes de
Sinope, não por lhes reconhecer virtudes ou méritos superiores aos homens, mas
para melhor os compreender, tarefa que não tem sido difícil e que me tem levado
ao alcance de novas linguagens e rituais, cuja existência parece ter
pré-existido em mim. Não considero isso um dom, porque tratar com eles é fácil
e não requer qualquer rasgo de erudição, até porque homens e cães são parecidos
e nalguns casos muito idênticos, nem que seja pelo embalo comum que os obriga à
sobrevivência. Ainda que a compreensão dos cães esteja ao alcance de qualquer
um, serão os homens mais simples que melhor os compreenderão e virão a ser por
eles compreendidos, pela aquisição de posturas ancestrais e inatas que, sendo
instintivas, soltam sentimentos e emoções presentes nuns e noutros, próprias de
cada momento, cimentadas pela experiência e libertas de preposições abstractas
visando a mútua satisfação. Não é nisto que se baseia o método do reforço
positivo? Não resultará duma permuta? E se for, não remontará aos primórdios e rudimentos
da domesticação? Não será esse o segredo da sua adopção universal? Não
obstante, os cães são e estão para além disso!
Sempre
que me debruço sobre as prematuras havidas entre homens e cães, quase
instintivamente, lembro-me do poema épico “Fausto” de Goethe, que li na
juventude e vi transformado em ópera, do pacto havido entre o Dr. Fausto e o
diabo Mefistófeles, que acabou com a venda da alma do alquimista ao segundo, a
troco de ser rejuvenescido, alcançar maior sabedoria e conquistar o amor de uma
bela donzela, porque os cães crescem a lutar por privilégios e passam o resto
da vida a defendê-los, não são desinteressados e só dão porque recebem. E,
quando tratados como iguais, tendem a dominar ou a fazer prevalecer a sua vontade.
Penso que nisto não diferem muito dos homens pelo que, além de impróprio, é
gratuito atribuir-lhes características humanas. Não digo que sejam demónios mas
sei que exercem um grande fascínio sobre os homens ao ponto de os seduzirem, o
que me leva a questionar sobre quem suborna quem, se o dono ou o cão. Há alguns
anos li o pequeno livro “CÃO COMO NÓS”, da autoria do poeta Manuel Alegre, que
segundo se consta teve mais de 70.000 exemplares vendidos. Achei o livro parco
de conteúdo e interesse, algo panfletário e ao gosto popular, mas pensando bem,
já vi cães iguais e até mais ardilosos que o “Kurika”, apostados em alcançar,
por todos os meios possíveis, a satisfação dos seus desejos e anseios, animais
que de cão só tinham o formato da cabeça, sendo autênticos cinocéfalos! Será a
ambição comum a homens e cães um mero requisito animal? Se o for, facilmente
compreendo por que razão os homens se tratam uns aos outros como cães e os
pacifistas são assassinados! Só levantámos o véu, breve retomaremos o assunto.
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