Esta é uma história verídica cujas
personagens foram estereotipadas no intuito de proteger as suas identidades.
Determinada senhora viúva, citadina, abastada e avançada em idade, tinha como único
companheiro um caniche anão, um animal que de tão mimado, acabava por atacar a
cara das amigas que a visitavam, transtorno não solucionado pelas desculpas da
senhora e que cada vez mais a isolava. Logo após abrir a porta, o “Pitufa”,
assim se chamava o cão, sabe-se lá porquê, mordia imediatamente as senhoras
recém-chegadas. A pobre dona não sabia o que fazer diante de tamanho disparate
e apesar lhe indicarem que devia mandar educar o cão, não se sentia com
vontade e forças para tal.
Aos fins-de-semana costumava deslocar-se a
uma quinta que tinha nos arredores de Lisboa, uma herança dos pais que mantinha
junto com o caseiro: o Sr. Jacinto, um homem gasto pelos anos, atarracado, de
olhos pequenos e vivos, semianalfabeto, chegado ao tinto, solícito e prático,
acostumado a resolver os problemas que lhe surgiam por modo próprio, não fosse
um saloio de gema e temperado por toda a sorte de bestas que lhe confiaram
desde tenra idade.
Numa dessas deslocações, a viúva contou ao
caseiro o seu infortúnio, não porque fosse dada a conversas com o pessoal, mas
porque precisava de desabafar com alguém. O caseiro ouviu-a atentamente com
um incontido sorriso nos dentes. Quando ela terminou o relato, disse-lhe: “
Vamos fazer assim, a senhora deixa cá o canito uma semana, que eu resolvo o
problema!”. Aquela ideia não agradou de princípio à senhora, que achava o
caseiro boçal e bruto, mas diante das dificuldades que a atormentavam, lá
concordou e acabou por lhe entregar o cão, não sem que antes entregasse ao homem
um conjunto de sete de lençóis para a cama do animal, um para cada dia. E com o
coração amargurado, lá deixou o caniche, pedindo-lhe desculpas em silêncio.
No dia seguinte, ao abrir a porta da capoeira, onde havia alojado o cão, este saltou-lhe para a cara furiosamente, apanhando o
couro cabeludo do caseiro por cima de uma orelha. O homem não se fez de modos e
deu-lhe com a pá dos cagados, ao mesmo tempo que lhe gritava “toma”. Terapia
que repetiu nos dias seguintes perante a insistência do caniche. Quando o
fim-de-semana chegou, a patroa levou o cão e perguntou ao caseiro: “Então
Jacinto, acha que o problema está resolvido? Como devo proceder?”, obtendo do
homem a seguinte reposta: “ O problema já está resolvido e de que maneira!
Quando alguma amiga sua a for visitar, antes de abrir a porta, basta dizer “toma”
para o Pitufa, que já não haverá problema”. E lá foram os dois, a dona pouco
confiante e o cão deserto de ver aquele homem pelas costas.
Passados alguns dias, a patroa telefonou ao
caseiro e este temeu que o cão tivesse voltado a morder alguém. Não me diga que o cão
continua na mesma! – disse ele. Não Jacinto, o Pitufa nunca mais mordeu a
ninguém, mas sempre que lhe digo “toma”, ele urina-se pelas pernas abaixo. O
que me tem a dizer sobre isto? – inquiriu a senhora. Ò patroa, não se rale que
isso com o tempo passa! – retorquiu o saloio. Não sabemos se o cão deixou de
urinar-se ou não, certo é que nunca mais rosnou ou mordeu a alguém. Cada um que tire as
suas conclusões acerca deste invulgar episódio.
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