terça-feira, 1 de março de 2016

A SOLUÇÃO DO CASEIRO E O “TOMA”

Esta é uma história verídica cujas personagens foram estereotipadas no intuito de proteger as suas identidades. Determinada senhora viúva, citadina, abastada e avançada em idade, tinha como único companheiro um caniche anão, um animal que de tão mimado, acabava por atacar a cara das amigas que a visitavam, transtorno não solucionado pelas desculpas da senhora e que cada vez mais a isolava. Logo após abrir a porta, o “Pitufa”, assim se chamava o cão, sabe-se lá porquê, mordia imediatamente as senhoras recém-chegadas. A pobre dona não sabia o que fazer diante de tamanho disparate e apesar lhe indicarem que devia mandar educar o cão, não se sentia com vontade e forças para tal.
Aos fins-de-semana costumava deslocar-se a uma quinta que tinha nos arredores de Lisboa, uma herança dos pais que mantinha junto com o caseiro: o Sr. Jacinto, um homem gasto pelos anos, atarracado, de olhos pequenos e vivos, semianalfabeto, chegado ao tinto, solícito e prático, acostumado a resolver os problemas que lhe surgiam por modo próprio, não fosse um saloio de gema e temperado por toda a sorte de bestas que lhe confiaram desde tenra idade.
Numa dessas deslocações, a viúva contou ao caseiro o seu infortúnio, não porque fosse dada a conversas com o pessoal, mas porque precisava de desabafar com alguém. O caseiro ouviu-a atentamente com um incontido sorriso nos dentes. Quando ela terminou o relato, disse-lhe: “ Vamos fazer assim, a senhora deixa cá o canito uma semana, que eu resolvo o problema!”. Aquela ideia não agradou de princípio à senhora, que achava o caseiro boçal e bruto, mas diante das dificuldades que a atormentavam, lá concordou e acabou por lhe entregar o cão, não sem que antes entregasse ao homem um conjunto de sete de lençóis para a cama do animal, um para cada dia. E com o coração amargurado, lá deixou o caniche, pedindo-lhe desculpas em silêncio.
No dia seguinte, ao abrir a porta da capoeira, onde havia alojado o cão, este saltou-lhe para a cara furiosamente, apanhando o couro cabeludo do caseiro por cima de uma orelha. O homem não se fez de modos e deu-lhe com a pá dos cagados, ao mesmo tempo que lhe gritava “toma”. Terapia que repetiu nos dias seguintes perante a insistência do caniche. Quando o fim-de-semana chegou, a patroa levou o cão e perguntou ao caseiro: “Então Jacinto, acha que o problema está resolvido? Como devo proceder?”, obtendo do homem a seguinte reposta: “ O problema já está resolvido e de que maneira! Quando alguma amiga sua a for visitar, antes de abrir a porta, basta dizer “toma” para o Pitufa, que já não haverá problema”. E lá foram os dois, a dona pouco confiante e o cão deserto de ver aquele homem pelas costas.
Passados alguns dias, a patroa telefonou ao caseiro e este temeu que o cão tivesse voltado a morder alguém. Não me diga que o cão continua na mesma! – disse ele. Não Jacinto, o Pitufa nunca mais mordeu a ninguém, mas sempre que lhe digo “toma”, ele urina-se pelas pernas abaixo. O que me tem a dizer sobre isto? – inquiriu a senhora. Ò patroa, não se rale que isso com o tempo passa! – retorquiu o saloio. Não sabemos se o cão deixou de urinar-se ou não, certo é que nunca mais rosnou ou mordeu a alguém. Cada um que tire as suas conclusões acerca deste invulgar episódio.

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