Os
mais maduros são dados ao sarcasmo e os adestradores veteranos não escapam à
regra, particularmente quando falam dos seus colegas mais novos e dos cães
actuais, assunto recorrente nas suas conversas que os leva à hilaridade por
tempos infindos quanto se juntam em alguma esquina, num banco de jardim ou à
mesa de uma cafetaria, ainda que a maioria deles se deleite a beber uma ou duas
cervejas. Inevitavelmente acabam por falar sobre pastores alemães, comparando
os do passado com os do presente, considerando as disparidades morfológicas e
psicológicas neles visíveis a olho nu. Ainda que em todos os estados etários
sejam sobressaiam indivíduos bem e mal dispostos, os adestradores são por norma
gente optimista, porque passam a vida a encontrar solução para os problemas dos
outros e os mais experimentados não escapam à regra, acrescentando à sua boa
disposição alguma codícia. Vale a pena ouvi-los, sempre se aprende algo de novo,
já que homens e cães aprendem, crescem e evoluem com a experiência e, quer
queiramos ou não, nenhum de nós é fruto de geração espontânea.
Recentemente,
sem para isso ser convidado, assisti a uma discussão fraterna e acalorada sobre
o assunto, empreendida por quatro tratadores cinotécnicos já aposentados, que se
pronunciavam num banco de jardim sobre as alterações mais evidentes no Cão de Pastor
Alemão. Quando menos esperava, ainda me rio quando me lembro disso, um deles
sai-se com esta: “ Sabem que mais, os pastores alemães de agora são excitados,
franzinos e focados”, sentença que me desconsertou ao lembrar-me de uma frase
outrora muito em voga nas mercearias e lojas de retalho, mormente onde se
vendia bacalhau: “secos e molhados”. Pondo de parte a graça com que foi dita, aquela
exclamação não podia ser mais objectiva e verdadeira, porque de facto é isso
que se vê e constata, por isso irei guardar a sigla dos adjectivos ali
adiantados: “EFF”, explanando o
assunto para facilitar a compreensão dos nossos leitores interessados neste
tema, tentando ser o mais imparcial possível, uma vez que a minha preferência recai
sobre os pastores alemães mais clássicos e menos estilizados, companheiros
quase em vias de extinção depois da década de 80 do Século passado.
Comparando
os cães actuais com os que lhe deram gabarito e bom-nome, os modernos são muito
mais excitados e menos concentrados que os clássicos, facto que a nosso ver não
se deve aos métodos de treino utilizados, ainda que alguns possam contribuir em
parte para o fenómeno, mas à alteração das políticas de selecção, que
preteriram a concentração antes procurada pelo nervo que antecede a acção,
dotando os cães de uma ansiedade e frenesim que os denuncia e transtorna, o que
facilita o adivinhar das suas intenções, atenta contra a sua dissimulação e
causa entraves ao seu melhor apetrechamento, obsessão que os ensurdece e leva-os
a partir à desfilada sem ordem expressa, descorando a sua segurança e
comprometendo o seu travamento, o que em matéria de guarda é um autêntico
descalabro e que tem sido responsável por sem número de situações caricatas,
algumas até hilariantes se descontarmos o dolo dessas acções instintivas. Sim,
houve de facto um retrocesso, porque os cães actuais são mais instintivos e menos
ricos em personalidade, já que partem para as acções automaticamente e
raramente aceitam reparos. O bom do homem tinha carradas de razão!
E
se é verdade que os pastores alemães actuais são mais instintivos, também não é
mentira nenhuma que estão mais franzinos e esgalgados, apresentando uma
diferença em quilos que pode chegar até aos seis em indivíduos com o mesmo
tamanho, quando comparados com os seus predecessores, como resultado de crânios
mais pequenos, menor ossatura, peito estreito, costelas exageradamente planas e
ventre arregaçado, o que não dispensará algum cuidado no seu uso pela perca da
rusticidade que, ao aumentar a fragilidade, os induz a um sem número de lesões.
Ainda que a maioria deles seja de altura médio-baixa, aparecem em simultâneo
indivíduos altos com o mesmo problema: ausência de envergadura, o que os torna
pernaltos e desengonçados, com dificuldades de transição nos andamentos
naturais e menos versáteis para determinados serviços, vindo muitos deles a
sofrer horrores nas suas articulações, em especial nas traseiras, o que
dificulta a sua recuperação, encurta de sobremaneira o seu uso e diminui-lhes substancialmente
a possibilidade do contra-ataque, menos valias que, quando somadas, os obrigam ao
acerto nas suas acções defensivas e ofensivas. Apesar de mais rápidos pela sua
leveza, com facilidade serão ludibriados e verão os seus ataques gorados. O
adestrador veterano não faltou à verdade, podia até ir mais longe e dizer que o
pastor alemão actual é “uma formiga com catarro” (passe a expressão).
Quanto
aos serem focados, acho que o homem se referia aquela teimosia que os torna
recalcitrantes, resistentes aos reparos, insensíveis à persuasão, à coerção e
por vezes até ao castigo, quando embalam a gosto e partem apenas suportados pela
sua própria vontade, o que causa sérias dificuldades a quem os conduz e obriga
a meios extraordinários prá cessação dessas acções automáticas, porque ouvi da
boca do velho adestrador a seguinte frase: ”quando metem uma na cabeça, ninguém
lha tira”. E de facto muitos deles são assim, lembrando outra raça de pastores
sua concorrente, hoje em dia muito apreciada e que tem usurpado o seu lugar por
toda a parte. Esta cegueira operativa ou desnorte, de que tanta gente se
queixa, particularmente aqueles que sempre tiveram Pastores Alemães, é
contrária à versatilidade reconhecida nos cães de outrora e acaba por limitar a
polivalência dos cães actuais (no passado muitos pastores alemães serviram de
cães-guia a invisuais, sendo pioneiros nesse serviço). Resta-nos dizer que
concordamos em absoluto com a apreciação do adestrador aposentado, que a
maioria dos pastores alemães que vemos é da “Classe EFF” (excitados, franzinos e focados). Algo que vai ter que
mudar no Pastor Alemão e quanto antes melhor!
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