domingo, 27 de março de 2016

A CADELITA COM DENTES DE DRÁCULA

Raramente se fala de cães rafeiros, animais únicos pela sua disponibilidade e gratidão, que são de tudo no geral e nada em particular, companheiros excepcionais todos diferentes entre si, multivariedade capaz de produzir indivíduos mais bonitos e apelativos que os seus iguais com pedigree. Assim também é, espera-se que esteja ainda viva, a “cadelita com dentes de drácula”, nome que lhe foi atribuído por um frade que a observou de perto por quatro anos. Segundo ele, a cadelita era escura, pequena de tamanho, com uma cicatriz do lado esquerdo do focinho, provavelmente por ter sido atropelada, de olhos esquivos, também escuros e portadora de umas ridículas arcadas superciliares redondas. Mas o que mais a caracterizava era o pormenor dos seus dentes, nomeadamente os incisivos, que lembravam os do drácula, por ter dificuldade em escondê-los quando lhe faziam festas, dormia ou comia. Para além disso, as suas pernas curtas, grossas, peludas e atiradas para fora chamavam à atenção. Tinha ainda outra particularidade, pois era simultaneamente brava e mansa, o que a fazia ladrar grosso ou fino. De tão feia que era, tornava-se bonita para quem a via, até porque não havia outra assim.
Como cadela vadia, teve crias de pais diferentes, diferenças que não conseguiam esconder os traços fisionómicos que transmitia. Costumava parar junto aos cafés e restaurantes, para ser vista e apreciada, esperando que alguém se encantasse por ela e lhe desse os petiscos que mais adorava, mormente carne, de preferência suculenta e sem osso. Para cativar quem passava, deitava-se e espojava-se à porta daqueles estabelecimentos comerciais, mostrando-se indefesa e carente de protecção, estratégia que sempre serviu os seus interesses. Não que fosse uma oferecida mas porque sabia o que queria. E se assim fazia junto aos estabelecimentos de restauração, o mesmo empreendia junta à igreja nos dias de missa e foi aí que o frade a conheceu e se apaixonou por ela. Pela lei natural da vida, o clérigo viu-se afastado da paróquia que servia e rumou a um lar para idosos, ficando assim impedido da companhia da sua amiga, amiga que não esquece e de quem não se cansa de falar. Estará a “cadelita com dentes de drácula” ainda viva? Não sabemos! Mas podemos valer a outras iguais, igualmente carentes de cuidados e afectos, animais perspicazes, interactivos e cúmplices para quem a sorte não sorriu. Na hora de adquirir um cão, lembre-se de adoptar um e verá que não se vai arrepender!

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