Raramente se fala de cães
rafeiros, animais únicos pela sua disponibilidade e gratidão, que são de tudo no
geral e nada em particular, companheiros excepcionais todos diferentes entre
si, multivariedade capaz de produzir indivíduos mais bonitos e apelativos que
os seus iguais com pedigree. Assim também é, espera-se que esteja ainda viva, a
“cadelita com dentes de drácula”, nome que lhe foi atribuído por um frade que a
observou de perto por quatro anos. Segundo ele, a cadelita era escura, pequena
de tamanho, com uma cicatriz do lado esquerdo do focinho, provavelmente por ter
sido atropelada, de olhos esquivos, também escuros e portadora de umas ridículas
arcadas superciliares redondas. Mas o que mais a caracterizava era o pormenor dos
seus dentes, nomeadamente os incisivos, que lembravam os do drácula, por ter
dificuldade em escondê-los quando lhe faziam festas, dormia ou comia. Para além
disso, as suas pernas curtas, grossas, peludas e atiradas para fora chamavam à
atenção. Tinha ainda outra particularidade, pois era simultaneamente brava e
mansa, o que a fazia ladrar grosso ou fino. De tão feia que era, tornava-se
bonita para quem a via, até porque não havia outra assim.
Como cadela vadia, teve
crias de pais diferentes, diferenças que não conseguiam esconder os traços
fisionómicos que transmitia. Costumava parar junto aos cafés e restaurantes,
para ser vista e apreciada, esperando que alguém se encantasse por ela e lhe
desse os petiscos que mais adorava, mormente carne, de preferência suculenta e
sem osso. Para cativar quem passava, deitava-se e espojava-se à porta daqueles
estabelecimentos comerciais, mostrando-se indefesa e carente de protecção,
estratégia que sempre serviu os seus interesses. Não que fosse uma oferecida
mas porque sabia o que queria. E se assim fazia junto aos estabelecimentos de
restauração, o mesmo empreendia junta à igreja nos dias de missa e foi aí que o
frade a conheceu e se apaixonou por ela. Pela lei natural da vida, o clérigo
viu-se afastado da paróquia que servia e rumou a um lar para idosos, ficando
assim impedido da companhia da sua amiga, amiga que não esquece e de quem não
se cansa de falar. Estará a “cadelita com dentes de drácula” ainda viva? Não
sabemos! Mas podemos valer a outras iguais, igualmente carentes de cuidados e
afectos, animais perspicazes, interactivos e cúmplices para quem a sorte não
sorriu. Na hora de adquirir um cão, lembre-se de adoptar um e verá que não se
vai arrepender!
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