quinta-feira, 31 de março de 2016

OS CACHORROS DE TUMAT

Tumat é uma aldeia russa perdida, ignota, e exageradamente gélida no extremo nordeste daquele País, na Sibéria Oriental, a 2.900 milhas de Moscovo e a 80 milhas do Mar de Laptev que faz fronteira com o Oceano Árctico, assente sobre o pergissolo (mistura de terra, gelo e rochas permanentemente congelados) e cujos nativos são maioritariamente de origem mongol (asiática), chamados de paleossiberianos e de crença animista. Doravante Tumat passará a ser conhecida pela comunidade científica graças à descoberta de dois cachorros da idade do gelo nos seus arredores, animais que remontam à 12.460 anos atrás, encontrados em bom estado de conservação (com pelo, pele e órgãos internos) e que aparentam ter morrido com 3 meses de idade. Segundo se crê, pertencerão à mesma ninhada. A descoberta acidental do primeiro cachorro, que ocorreu em 2011, coube a uns caçadores locais ao tropeçarem nele. O segundo cachorro, agora encontrado, deve-se ao esforço duma equipa de cientistas do Museu do Mamute e do Instituto de Ecologia Aplicada do Norte, chefiada por Sergei Fedorov, que supervisionou a remoção do cérebro daquele animal, em excelente estado de conservação, que irá ser comparado com o dos cães modernos e lobos. 
A descoberta destes cachorros é um verdadeiro achado e é raríssima, porque os cães nesse estágio de desenvolvimento apresentam ossos muito finos e crânios delicados, o que torna quase impossível encontrá-los. Desconhece-se se teriam sido selvagens ou já domesticados, resposta que irá ser dada pela reconstrução do seu genoma, tarefa que demorará sensivelmente um ano. Como ainda não foram descobertas as linhagens de lobos por detrás da origem dos cães, é possível que os “Cachorros de Tumat” contribuam para esse esclarecimento e adiantem quem se aproximou de quem, se foram os homens que roubaram os filhotes dos lobos ou se foram estes que se aproximaram dos humanos por necessidade de comida Uma verdade podemos ter como certa, apesar de intrigante: os cães já eram o melhor amigo do homem antes deste se tornar sedentário e agricultor!
Ao abrir o estômago do segundo cachorro, a equipa ficou estupefacta porque, ao invés de vestígios de carne, encontrou nele galhos e ervas, o que de imediato levantou uma questão: seriam eles carnívoros ou não, será que foram obrigados a comer erva por ficarem isolados e estarem a morrer à fome? Breve a resposta será dada, já que o tecido mole irá dar muito mais informações do que as obtidas através de fósseis comuns (ossos e dentes). Ficamos a aguardar ansiosamente novos desenvolvimentos, porque o tema interessa a todos os que se dedicam aos cães. A propósito, quando se descobrirá o animal de transição do macaco para o homem, o elo de ligação que há mais dum século tem toldado a cabeça de muitos? À parte da curiosidade, a mim pouco me adianta, porque não posso receber sangue de chimpanzé e nem tão pouco posso ser clonado. Será que há uns mais macacos do que outros? Fiquemos com o slogan da Benetton: “Todos diferentes, todos iguais” ou como canta o Rui Veloso: “Muito mais é o que nos une, que aquilo que nos separa”. Unidos em torno dos cães, voltaremos a dar notícia dos avanços científicos que lhes dizem respeito. 

quarta-feira, 30 de março de 2016

UM, DOIS, TRÊS, TOMA LÁ OUTRA VEZ!

Porque será que a esmagadora maioria dos cães que hoje vêm para o treino não dispensa o suborno? Como não somos dados a conclusões precipitadas, esta dúvida tem-nos feito matutar, porque os cães do passado pareciam dispensá-lo e o seu grosso alcançou notoriedade pela persuasão sem a sobrecarga da coerção. Antigamente, ao fim de três tentativas, qualquer cão aprendia um novo comando ou figura, contrariamente aos de hoje que precisam de ser vivamente engodados só para olharem para os seus donos ou condutores. O que terá contribuído para esta inversão? O “método do reforço positivo” não foi certamente, porque sem ele estaríamos hoje irremediavelmente tramados e os cães mandar-nos-iam bugiar! A resposta não poderá ser dada exclusivamente pela cinotecnia mas em conjunto com a canicultura que a sustenta, sendo esta influenciada bem para além da simples arte de ensinar cães.
Ao tratarmos deste assunto, que aos mais jovens não causa estranheza, lembramo-nos dos morangos de outrora e dos actuais, os primeiros significativamente mais pequenos e mais doces que os de agora, que se vendiam à beira das estradas em pequenos cestos de verga, adornados com folhas de fetos. Quem não os provou, não sente a sua falta e acha os actuais o máximo, como se os morangos sempre fossem assim: grandes e sensaborões. Ora, com os cães passa-se exactamente o mesmo, porque a sua qualidade laboral decresceu nos últimos cinquenta anos, mercê de vários factores que seguidamente discriminaremos, decréscimo que os criadores e adestradores contemporâneos não sentem por desconhecerem e não haverem testemunhado a excelência dos cães do passado. Este deficit laboral na generalidade dos cães tem sido fatal para algumas raças em particular, nomeadamente para aquelas historicamente produzidas e destinadas ao trabalho, que gradualmente têm menor procura, acabam desprezadas e vêem o seu lugar ocupado por outras, já que doutro modo jamais o perderiam. Ao dizermos isto não estamos a ser saudosistas ou a negar a evolução e o progresso visíveis na cinotecnia, somente a constatar um facto: a menor qualidade laboral dos cães actuais.
E como importa ir ao âmago da questão, somos obrigados a avaliar o trabalho dos criadores actuais, hoje maioritariamente civis e amadores, mais cardíacos que conhecedores, indubitavelmente mais chegados à estética que ao trabalho, que têm a canicultura como um hobby e como economia paralela, gente perita em discutir genealogias e menos propensa a seleccionar os seus cães pelas suas aptidões, demasiado preocupada com rigores estéticos, pormenores morfológicos e pouco dada à observação das mais-valias físicas, psicológicas, cognitivas e sociais dos seus cães, cujo interesse primordial é vender ninhadas, muito embora esse objectivo seja hoje “chão que já deu uvas”, isto se alguma vez deu, porque a canicultura dificilmente se auto-sustentará.
Este enxerto entusiasta e amadorista que vive para o galarim, despreza a observação e o estudo, é avesso ao conhecimento erudito e carente de experiência, tem vindo a perpetuar um conjunto de insuficiências nas raças que produz, que há muito deveriam ter sido banidas e que a breve trecho lhes serão fatais. Enquanto horda passional, estes criadores dificilmente virão a trabalhar algum cão, mesmo dos seus, a experimentar a aptidão para o que foram ou deveriam ter sido criados. Não obstante, alguns deles evidenciarão orgulhosos a presença de campeões de beleza na genealogia dos seus rebentos. Diga-se a seu favor que dificilmente venderão gato por lebre, um híbrido ou mestiço por um cão puro, muito embora a genuinidade do seu produto seja por norma de pouco ou nenhum préstimo, o que nos traz imediatamente à memória Konrad Lorenz, quando dizia que “por vezes, quando menos pedigree melhor”.
Mas se criadores com estas características nada acrescentam à qualidade laboral das raças, antes a comprometem cada vez mais, ao extremo de condenarem a sua adaptação, saúde, bem-estar e longevidade, outros há, com menos pruridos que os primeiros, ditos criadores de cães de trabalho e que juntam à canicultura a cinotecnia, estratégia que tende a viabilizar as duas actividades, que adulteram ou transformam as raças à revelia do que são e dos propósitos para que foram criadas, quer aproveitando-se de fenótipos particulares quer dando-lhes um cheirinho de outra coisa qualquer, até porque o mundo é dos espertos e importa não perder o comboio, justificando a afronta pela procura da qualidade laboral original, quando na verdade são guiados por outros parâmetros e têm como modelos indivíduos de outras raças, mormente as actualmente mais procuradas. Assim se compreende o aparecimento de cães cuja morfologia, comportamento e mecânica são alheios à sua raça, o que para além da mentira é caricato, já que não são uma coisa nem outra, o que tem merecido, diga-se justamente, dos criadores de linha estética a seguinte sentença: “para o trabalho qualquer trampa serve!”.
E como se isto não bastasse, dentro dos cães destinados e criados para o trabalho, também a endogamia e a consanguinidade se fazem presentes, não pela vã glória de um prémio ou de um troféu, mas por razões económicas que impedem a aquisição de outros e melhores reprodutores, inalcançáveis pelo baixo preço a que os cachorros domésticos se encontram votados, limitação mais do que suficiente para o menor desempenho dos cães, não sendo de estranhar que todos eles descendam da mesma e única linha de criação, normalmente original de um país para além do Espaço Schengen, onde os cães são mais baratos. Sim, as dificuldades de aprendizagem visíveis nos actuais cães de trabalho são fruto de uma criação desastrosa, de toda uma leva de criadores aventureiros que desconhece os rudimentos da prestação de serviço que abraçou, que incapaz de identificar os principais impulsos herdados nos seus cães, ao confundi-los com os instintos, compromete assim a sua cumplicidade e parceria, remetendo-os para um condicionamento que apela às suas necessidades mais básicas.
A extraordinária carga instintiva visível nos cães actuais, apesar de dispensar os seus treinadores de maior preparo, tem impedido a sua melhor prestação, porque tendencialmente agem a modo próprio e resistem ao travamento, sendo menos curiosos e mais cativos das suas inclinações naturais, pelo que grande número deles não escapará a castração, medida tornada corriqueira face è lei dos cães perigosos e às dificuldades encontradas pelos donos. Por outro lado, os actuais proprietários caninos são pouco conhecedores dos pergaminhos das diversas raças laborais, logo menos exigentes e fáceis de contentar, satisfazendo-se muitos deles com o simples facto de possuírem um cão com pedigree. Hoje, quem comprar um cachorro de utilidade, arrisca-se a um sem número de trabalhos advindos da extraordinária potenciação dos impulsos ao movimento e à luta, causas primeiras do stresse canino que assola os cães citadinos e os sujeitos a mais horas de separação dos  seus donos, chegando alguns a danificar o património familiar e a automutilar-se, contrariamente aos do passado que eram mais equilibrados, curiosos, melhor adaptados, menos reivindicativos, mais gratos e apostados em agradar.
O impulso ao conhecimento canino não pode ser desleixado ou subvertido como tem vindo a ser até aqui, porque é ele que estabelece a diferença qualitativa entre os cães, facilitando a transição natural do tratamento para a cumplicidade e do treino para o desempenho esperado, garantido em simultâneo o aprimoramento das habilidades fornecidas pelo condicionamento e a assimilação de novos conteúdos de ensino. O meio mais fiável para se aquilatar do maior ou menor impulso ao conhecimento canino é o trabalho, uma vez que nele se desnuda a maior ou menor capacidade de aprendizagem dos indivíduos. Não havendo esta preocupação, todos os cães terão um índice de progresso muito baixo e as raças com uma curva de crescimento menor, logo precoces, virão a ter prestações lamentáveis (muito aquém do esperado).
Perguntar-nos-ão: onde foram os cães do passado buscar a sua extraordinária capacidade de aprendizagem? Em primeiro lugar importa explicar o que entendemos por cães do passado. Entendemos como os cães do passado os anteriores à década de 70, cujas linhas têm sido preteridas e maioritariamente dispensadas das novas selecções, onde foram e são visíveis as variedades recessivas presentes nas diferentes raças, também elas responsáveis pelas suas mais-valias cognitivas advindas da biodiversidade que as aproxima da selecção natural. A extraordinária capacidade de aprendizagem de que são portadores resultou de critérios de selecção que tiveram como base o trabalho, nomeadamente na prestação de algumas na I e na II Guerras Mundiais, também de criadores profissionais que dedicaram toda a sua vida à procura da excelência laboral, usando para isso os reprodutores mais capacitados. Acerca desta temática e como comprovação do que acabámos de dizer, vale a pena relembrar o que uma vez disse Lee Duncan sobre o famoso “Rin-Tin-Tin”, que questionado acerca do treino do cão, adiantou pouco ou nada lhe ter ensinado. Se continuarmos como até aqui a desleixar o impulso ao conhecimento canino, a dispensar a curiosidade que induz ao querer compreender, não nos restará outra opção: um, dois, três toma lá outra vez!    

domingo, 27 de março de 2016

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos obedeceu à seguinte preferência:
1º _ OS FALSOS PASTORES ALEMÃES, editado em 24/02/2015
2º _ O ESTRANHO ANÚNCIO DOS PASTORES ALEMÃES CASTANHOS, editado em 26/04/2013
3º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009
4º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
5º _ A TENTAÇÃO PELOS CÃES ORIENTAIS E O THAI RIDGEBACK, editado em 15/03/2014
6º _ SOCIABILIZAR QUEM NÃO DÁ TRÉGUAS: PASTOR ALEMÃO E LEÃO DA RODÉSIA, editado em 22/03/2016
7º _ É FÁCIL, É BARATO E DÁ CABO DOS CÃES!, editado em 23/03/2016
8º _ QUANDO UNS NÃO QUEREM, ESTÃO OS OUTROS ESTALANDO, editado em 23/03/2016
9º _ NÃO GOSTO DE BATER NO CEGUINHO, MUITO MENOS NO COXINHO, MAS…, editado em 17/03/2016
10º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado 29/08/2013

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Espanha, 5º Rússia, 6º Reino Unido, 7º Angola, 8º Alemanha, 9º Ucrânia e 10º Bélgica. 

A CADELITA COM DENTES DE DRÁCULA

Raramente se fala de cães rafeiros, animais únicos pela sua disponibilidade e gratidão, que são de tudo no geral e nada em particular, companheiros excepcionais todos diferentes entre si, multivariedade capaz de produzir indivíduos mais bonitos e apelativos que os seus iguais com pedigree. Assim também é, espera-se que esteja ainda viva, a “cadelita com dentes de drácula”, nome que lhe foi atribuído por um frade que a observou de perto por quatro anos. Segundo ele, a cadelita era escura, pequena de tamanho, com uma cicatriz do lado esquerdo do focinho, provavelmente por ter sido atropelada, de olhos esquivos, também escuros e portadora de umas ridículas arcadas superciliares redondas. Mas o que mais a caracterizava era o pormenor dos seus dentes, nomeadamente os incisivos, que lembravam os do drácula, por ter dificuldade em escondê-los quando lhe faziam festas, dormia ou comia. Para além disso, as suas pernas curtas, grossas, peludas e atiradas para fora chamavam à atenção. Tinha ainda outra particularidade, pois era simultaneamente brava e mansa, o que a fazia ladrar grosso ou fino. De tão feia que era, tornava-se bonita para quem a via, até porque não havia outra assim.
Como cadela vadia, teve crias de pais diferentes, diferenças que não conseguiam esconder os traços fisionómicos que transmitia. Costumava parar junto aos cafés e restaurantes, para ser vista e apreciada, esperando que alguém se encantasse por ela e lhe desse os petiscos que mais adorava, mormente carne, de preferência suculenta e sem osso. Para cativar quem passava, deitava-se e espojava-se à porta daqueles estabelecimentos comerciais, mostrando-se indefesa e carente de protecção, estratégia que sempre serviu os seus interesses. Não que fosse uma oferecida mas porque sabia o que queria. E se assim fazia junto aos estabelecimentos de restauração, o mesmo empreendia junta à igreja nos dias de missa e foi aí que o frade a conheceu e se apaixonou por ela. Pela lei natural da vida, o clérigo viu-se afastado da paróquia que servia e rumou a um lar para idosos, ficando assim impedido da companhia da sua amiga, amiga que não esquece e de quem não se cansa de falar. Estará a “cadelita com dentes de drácula” ainda viva? Não sabemos! Mas podemos valer a outras iguais, igualmente carentes de cuidados e afectos, animais perspicazes, interactivos e cúmplices para quem a sorte não sorriu. Na hora de adquirir um cão, lembre-se de adoptar um e verá que não se vai arrepender!

DE SCHUTZHUNDE A PEPOS

Esta semana recebemos um email a adiantar-nos uma sugestão. Apesar do seu autor ter optado pelo anonimato (julgamos tratar-se duma senhora), vamos aqui divulgar o seu conteúdo, razão primeira deste artigo. Dizia o email: “Uma sugestão: Para quando um artigo sobre os Pepos (perros de protección) será que é fácil ter um cão que ataque mas não morda?”. Começamos por responder à pergunta que nos é feita. É-nos difícil conceber um ataque canino a não ser à dentada, muito embora a simples presença de um cão seja dissuasão bastante para uns tantos, particularmente quando se souber que foi treinado, for grande, mal-encarado, mal-afamado e pertencer a uma raça pouco dada a amizades. No entanto, qualquer cão devidamente habilitado para isso, pode desenvolver um conjunto de manobras defensivas a favor do seu dono ou dona, que vão do simples aviso até à procura de socorro, passando por se interpor entre o agressor e o seu proprietário, reforçar a defesa do dono, transportar-lhe meios de defesa, desequilibrar e jogar no chão o atacante, oferecer-lhe resistência, desarmá-lo, accionar mecanismos eléctricos ou electrónicos de aviso, etc., enquanto as Forças da Lei não chegam.
“PEPOS” é a abreviatura em castelhano para “perros de protección”, designação e trabalho que pouco diferem do comum “cão de protecção pessoal”, que são especialmente adestrados para a defesa do género, mormente o feminino, impedindo assim e de alguma forma, que os seus donos sejam objecto de violência ou vítimas de agressão, normalmente perpetrados por ex-cônjuges vingativos e/ou violentos, que descontentes com a sua sorte, buscam ocasião para causar dolo ou até matar quem os descartou ou desprezou, como o que aconteceu ontem na Galiza, quando um português que vivia com uma galega lhe desferiu dois tiros na cabeça (felizmente a dita senhora salvou-se). E quando se fala em violência de género, é importante relembrar que cresce o número de homens agredido por mulheres, tanto por companheiras como por ex-companheiras, facto que normalmente é omisso por força da vergonha dos agredidos.
Sabemos que a presença de um cão destes transmite segurança e devolve aos donos o seu valor e auto-estima, como também sabemos da falibilidade canina perante o engenho, meios e aproveitamento das circunstâncias a que os agressores recorrem, já que normalmente procuram situações de surpresa que lhes sejam vantajosas, porque premeditaram e sabem ao que vão, valendo-se dos momentos em que o cão se encontra inoperacional, quando se encontra açaimado ou nos locais onde a sua entrada se encontra vetada, podendo vir a ludibriá-lo pelos seus instintos mais básicos ou a envenená-lo quando conhecedores das suas rotinas diárias, locais de permanência e passeio. E se o agressor(a) for treinador de cães? Contudo, o cão é mais uma ajuda, mas se um por lado ajuda, por outro irá obrigar a abordagens criminosas mais cautelosas, elaboradas e eficazes, o que deverá levar as possíveis vítimas a maior atenção, precaução e cautela e… à antevisão dos riscos que poderão correr, pois lutam contra a insaciabilidade do ódio, força tanto ou mais poderosa quanto o amor. Nestes casos, porque o perigo ronda, o acto de tirar o açaime ao cão deve ser amplamente treinado e cronometrado, para que aconteça num máximo de 3 segundos usando uma só mão (há que treinar a esquerda).
Pessoalmente penso que a violência de género não deverá ser só combatida com a violência (com cães ou sem eles), porque violência gera violência e só perde quem tem a perder, o que geralmente não afecta quem está disposto a tudo. O recurso aos cães é mais uma acha para a fogueira, uma política típica de “casa roubada, trancas na porta”. Melhor seria que cada um soubesse escolher acertadamente o seu parceiro e o que nele procura, que se desse em função daquilo que recebe, que não perdesse o controlo, a clarividência e auto-estima em prole duma aventura ou paixão, que mais ligasse aos factos que às promessas e desejos, que não pactuasse e tolerasse com os erros consecutivos do outro (que tendem ao agravamento), e que estabelecesse desde logo regras de convivência visando o mútuo respeito, disposições que parecem fáceis mas que em matéria sentimental são bem difíceis de pôr em prática, permitindo uma separação atempada e menos sofrida para ambos, pois o mau hábito de perdoar o que não tem remédio sempre acarreta graves consequências e normalmente vitima quem dele faz uso.
Como atrás dissemos, o treino dos ditos “PEPOS” em pouco difere do exigido aos cães de protecção pessoal, todos atacam e todos estão sujeitos ao fracasso, muito embora os primeiros sejam preparados para situações particulares de acordo com a natureza e características individuais dos possíveis agressores, pois sabe-se quem é o inimigo, o seu odor é conhecido e conhecem-se os seus modos de actuação. Graças à violência de género, até porque há situações na vida que não se repetem, os serviços dos adestradores são agora mais requisitados, tarefas para que se encontram preparados há muito e que não os obrigarão a uma nova habilitação e a custos adicionais. Oxalá as vítimas estejam preparadas para o confronto, não se compadeçam dos agressores e lamentem o dolo causado pelos cães, coisa que já aconteceu entre nós no Séc. XIX, quando os franceses invadiram o País, que atravessando a nossa fronteira exaustos e descalços, apesar de invasores, receberam da população raiana comida e calçado no caminho para Lisboa, porque uma coisa é ter uma arma e outra é ser-se capaz de usá-la! Tudo isto seria evitável se o juízo e o bom senso não nos faltassem nos momentos em que mais precisamos deles! 

sábado, 26 de março de 2016

UM CÃO CHAMADO SEXTA-FEIRA

E porque ontem foi Sexta-feira, lembrámo-nos de um cão a quem foi posto esse nome, um pastor alemão lobeiro entregue para reeducação a um experimentado adestrador, um bravo que já havia passado pelas mãos de vários treinadores sem sucesso, um cão que não vergava de nenhum jeito, indiferente ao carinho, suborno e à cumplicidade, resistente a qualquer regra e apenas respeitador das suas rotinas, que persistia em ser indomável, que reagia violentamente quando contrariado, carregando desalmadamente e sem recuos contra quem o quisesse dominar ou subjugar (nem o podiam mandar calar), que optava pela confrontação antes da aceitação de qualquer castigo, atacando deliberadamente sem temer as consequências, independentemente do modo, meios e intensidade dos contra-ataques de que pudesse vir a sofrer. Quando rosnava já não voltava atrás, evoluía directamente da ameaça para a agressão, quer lhe resistissem ou não! Chegou num alegre Domingo de Ramos, num ano em que muitos dos nossos leitores não eram nascidos, chamava-se “Shenandoah” e passados cinco dias passou a chamar-se “Sexta-feira” para sempre, rebaptismo alcançado na antevéspera de Domingo de Páscoa, obra do adestrador que aceitou reeducá-lo em casa, um agnóstico declarado, um republicano confesso e homem destemido.
Durante cinco dias o cão desafiou o homem e ameaçou-o por várias vezes, incidentes de pouca monta e que nada assustaram o reeducador, cuja paciência parecia infinda e que era tardio em irar-se, muito embora soubesse que aquele comportamento indiciava, caso não se alterasse, maiores problemas no futuro imediato. Tanto à trela quanto solto, o animal ensurdecia-se para as ordens. Na rua puxava que nem um desalmado, invalidava qualquer alinhamento, não olhava para quem o conduzia e caso o deixassem, “comia vivo” qualquer cão que com ele se cruzasse. Por duas ocasiões, quando intentava ensinar-lhe o “junto” na via pública, o adestrador foi parar ao chão e numa delas viu a morte por perto, ao ficar deitado no meio duma estrada, com a cabeça a escassos 2cm do rodado traseiro de um camião, por não lhe ter largado a trela, quando viu um pequeno cão do outro lado do passeio.
Em casa não aceitava e escapava-se dos lugares que lhe eram destinados, indo para outros que lhe estavam proibidos e dos quais fazia “finca-pé” para sair de lá, ora permanecendo surdo e imóvel ora insurgindo-se, fixando quem o tentava demover, rosnando, com as orelhas erectas e viradas para a frente, com o pelo ao longo do dorso levantado e com a cauda embandeirada e imóvel. Mesmo assim, porque queria educá-lo a bem e não por medo, o homem fazia-se desentendido e a muito custo ia demovendo o cão dos seus propósitos, sapiente dos riscos em que incorria, ainda mais porque o danado rejeitava os afectos, era indiferente aos castigos, não acusava o isolamento e não se agradava por nenhum petisco ou outro tipo de recompensa, como se houvesse nascido simplesmente para ser como era: dono de si mesmo, pronto para morder e atacar!
Mas na Sexta-feira Santa daquele ano tudo iria mudar e o inevitável aconteceu. Com o cão solto no quintal e perto de si, quando se encontrava a consertar um utensílio de cozinha, o adestrador viu aproximar-se um vizinho do portão, um idoso que vinha queixar-se do barulho que o animal fazia durante a noite e que não deixava ninguém dormir. Apostado numa política de boa vizinhança, (quem ensina cães tem que conquistar a anuência dos vizinhos, porque doutra forma a polícia não lhe larga a porta), dirigiu-se ao portão para serenar os ânimos exaltados do velho senhor, que a muito custo lá aceitou as esfarrapadas explicações. Num ápice, o cão arremeteu-se contra o portão e meteu o focinho entre os seus varões, não rasgando a cara do vizinho por escassos milímetros, pregando-lhe um susto de morte e fazendo-o sair dali mais depressa do que havia chegado.
Mesmo depois do desaparecimento do idoso, o cão continuou a ladrar e a arremeter-se contra o portão, ao ponto de outros moradores se assomarem às janelas. Um mais atrevido disse ironicamente: “Ò Pá! Põe-lhe uma gaita-de-beiços no focinho, porque assim a vizinhança sempre ouve música!”. Já todos se haviam recolhido às suas casas e o cão não se calava, ladrando ainda mais. Farto daquele espectáculo e determinado a pôr fim ao ridículo da situação, o adestrador, segurando-o pela coleira, puxou o cão para dentro, acção contrária à vontade do animal que de imediato se jogou contra ele, mordendo-o repetidas vezes perante os desarmes operados. E como o cão não desistia, também incentivado pelo sangue derramado e dolo provocado, o adestrador já exausto e jogado ao chão, muniu-se de um regador de chapa, que era o que tinha à mão, contra-atacando-o violentamente e de forma continuada, golpes que inicialmente o cão não acusou. Finalmente o animal recuou, sem contudo virar as costas e deixar de rosnar, adivinhando-se a possível retoma das suas acções.
E antes que isso acontecesse, apesar de esburacado e a sangrar abundantemente, o homem carregou mais uma vez sobre o cão, sem intenções de recuar, apostado em dominá-lo e subjugá-lo de uma vez por todas, disposto só a largá-lo quando mostrasse sinais inequívocos de rendição, o que passados longos minutos veio a acontecer, depois de luta encarniçada. Naquele dia o cão mudou de nome e comportamento, deixou de ser marginal e assumiu a sua formação policial, largou a desobediência e passou a cumprir ordens, dispondo-se a servir. Viria a morrer alguns anos mais tarde como viveu: a lutar, na defesa da casa que lhe foi confiada, vítima de vários golpes dum “arranca-pregos” (pé-de-cabra) desferidos por um assaltante. É certo que não ressuscitará, mas ressurgiu na nossa memória 40 anos depois. O velho adestrador, companheiro de tantas jornadas, descansa agora e para sempre numa colina com vista para a um secular castelo outrora edificado pelos Alanos.    

quarta-feira, 23 de março de 2016

DISSE QUE ELE ERA MAU E VIU-SE EM MAUS LENÇÓIS

Determinada jovem, que normalmente passa por antipática, detesta que gente desconhecida acaricie o seu cão na via pública, porque acha isso um abuso e não quer que animal faça amizade com estranhos. Em vão tem dito aos transeuntes que não mexam no cão, raramente foi ouvida e chegou até a ser insultada. Apostada em livrar-se daqueles indesejáveis fãs do bicho, recentemente decidiu dizer aos quatro ventos que ele era mau e que mordia, inverdade que surtiu os efeitos desejados, uma vez que as más notícias correm depressa. 
Há dois dias atrás, quando se encontrava a passear o cão numa praça perto da sua casa, o mosquetão da trela partiu-se, o animal soltou-se e correu para um grupo de pessoas que ali se encontrava. Cuidado que o cão morde e é perigoso, foi a dona que me disse! – Gritou uma mulher da janela. Porque é que essa besta não traz açaime? – Vociferou um idoso. Chamem a polícia! – Berrou um ébrio com uma garrafa de cerveja na mão. Na exaltação do momento e perante o avançar do cão na sua direcção, um empregado do saneamento camarário, de vasculho ao alto, preparava-se para lhe averbar uma valente mocada. Não faça isso, o cão é manso e não faz mal a ninguém! – Advertiu a dona. O episódio teve curta duração, ninguém se aleijou e o animal saiu ileso. A dona desandou dali alcunhada de tonta e pede agora a todos que façam festas ao cão! Moral da história: quem quer um cão só para si, não o pode levar para o meio dos outros!  

QUANDO UNS NÃO QUEREM, ESTÃO OS OUTROS ESTALANDO

Apraz-nos a abordar este tema como uma citação bíblica, escusando-nos do seu carácter escatológico e sem querermos tornar sacro aquilo que vamos dizer, somente nos lembrámos do constante no Salmo 118, versículo 22: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular” porque debaixo dum princípio idêntico nos dedicámos à criação e ao treino de Pastores Alemães Negros, já que não o fizemos por moda, por serem melhores que os outros, por serem mais rentáveis ou por achá-los mais bonitos ou apelativos, mas porque não eram visíveis nesta variedade cromática as dificuldades mecânicas, psicológicas e cognitivas que assolaram e continuam a assolar a variedade preto-afogueada, tanto do agrado de expositores e juízes e uma tremenda dor de cabeça para quem dela espera aquilo que outrora foi. 
Como a variedade negra é recessiva, foi gradualmente afastada das exposições, ao ponto de ser completamente desprezada e isenta de beneficiamentos desastrosos, mantendo assim intactas as mais-valias que fizeram do Pastor Alemão um cão renomado, sem os handicaps hoje reconhecidos e denunciados na variedade dominante, fruto duma selecção sem sentido ou dum desnorte que apenas se tem preocupado com a estética. Aquilo que expositores e juízes rejeitaram, foi o que melhor nos serviu para o trabalho. Debaixo da mesma preocupação adquirimos grande número de lobeiros, numa época em que raramente eram vistos e pouco apreciados. É caso para se dizer: quando uns não querem, estão os outros estalando! 

É FÁCIL, É BARATO E DÁ CABO DOS CÃES!

O mundo está cheio de hipocrisia e a cinotecnia não escapa à regra. Comecemos pelo mundo. Na recente viagem de Barack Hussein Obama a Cuba, 88 anos depois de um seu homólogo ali ter estado, assistimos pela televisão a uma conferência de imprensa dada pelos presidentes dos dois países. A determinada altura, um jornalista americano interpelou Raul Castro acerca dos Direitos Humanos em Cuba, pergunta de índole política e polémica, contrária ao espírito reinante naquela visita presidencial, apostada na reaproximação das duas nações, apesar das diferenças ideológicas que as separam. Raul Castro, surpreendentemente, porque não o esperávamos tão astuto, respondeu: “ Não podemos politizar os Direitos Humanos. Dos 61 artigos que a Declaração tem, Cuba cumpre 45 deles. Nenhum país os cumpre todos e todos desrespeitam alguns deles”. O jornalista yankee “pôs a viola no saco” e a coisa ficou por ali, pois “quem tem telhados de vidro, não joga pedras ao do vizinho”. Não obstante, a astúcia do “Mano Castro” não me fez fã de Cuba e do seu regime.
Também na cinotecnia se faz vista grossa a muita coisa. Todos estamos de acordo que a violência deverá ser banida do adestramento, porque ela retarda a formação dos cães, prejudica as relações com os seus donos ou treinadores, pode causar vários desequilíbrios psicológicos nos animais, altera o seu comportamento, induze-os a respostas violentas e ao aumento da agressividade (a lista não acaba aqui). Também temos uma  “Declaração Universal dos Direitos do Animal” e todos dizemos que cumprimos na íntegra o seu articulado, o que é uma tremenda mentira, porque todos desrespeitamos alguns dos seus artigos, consciente ou inconscientemente. E começamos logo por violar o seu 2º princípio: “Nenhum animal deve ser maltratado” e, ao fazê-lo, violamos ao mesmo tempo um sem número dos artigos constantes nesta Declaração. Andam por aí uns “garotos” a balbuciar o “Método do Reforço Positivo” e a sujeitarem os seus cães à tortura da coleira dos choques eléctricos, acessório que lhes facilita o treino, é barato mas que dá cabo dos cães, porque atenta contra o seu bem-estar (maltrata-os), pode causar-lhes lesões físicas e afecta o seu sistema nervoso, levando-os à desconfiança, ao stress e ao temor, pormenores que os seus fabricantes não revelam. A pregação destes "eruditos" é desmentida pela prática e não me faz fã ou seguidor das suas balelas.
E como se isto não bastasse, ainda há gente que se diz gostar de cães, abominar a violência no adestramento, zelar pelo cumprimento dos direitos do animal e que os conduz literalmente amordaçados, lembrando em tudo o método usado para conduzir os camelos mais teimosos ou sujeitos a maiores esforços, também obrigados a circular de focinho aperreado. De camelos não entendemos nada, mas sabemos que a boa técnica dispensa estes acessórios nos cães, assim queiram os donos aprender!
A violência sobre os cães não acaba por decreto, tampouco a exercida sobre os homens, porque todos nascemos mais ou menos violentos, capazes de reconhecer a violência alheia e de negar a nossa. Por isso, condenamos os seus exemplos mais flagrantes mas não deixamos de procurá-la através de meios cada vez mais sofisticados (dissimulados), usando-os sobre os outros, quer sejam homens, cães ou outros animais - hipocrisias! A violência só será banida do adestramento no dia em que todos os condutores forem humildes e tenham a sensatez de reconhecer que têm muito a aprender, sobre si e sobre os cães, que estão cá para servir e não para ser servidos!

terça-feira, 22 de março de 2016

COMO UM SÓ PORCO PODE EMPORCALHAR A VIDA DUM HOMEM

É sabido que não morremos de amores por César Millan, que não reconhecemos nele um método de ensino próprio ou inovador, que ridicularizamos e denunciamos as suas soluções imediatas e o grotesco de alguns subsídios de ensino que adianta, contudo não o invejamos nem tampouco lhe desejamos algum mal, porque o entendemos como um “entertainer” e nisso há que tirar-lhe o chapéu. Mas lá para a América há muita gente que não pensa como nós, que é invejosa e procura oportunidade, que tudo faz para saltar para a ribalta, aproveitando-se inclusive dos erros e desaires alheios, nomeadamente dos ocorridos com gente famosa para alcançar visibilidade. Desta fez a desgraça caiu sobre o “encantador de cães”, que não consegui travar atempadamente o ataque dum mestiço de Buldogue Francês sobre um leitão, acabando o porquinho a sangrar e com uma orelha rasgada.
Como resultado disso, ocorrido no “César Show 991”, Millan está sob investigação por crueldade animal e não há pé-rapado na América que não tente morder-lhe nos calcanhares, inclusive adestradores até aqui desconhecidos. Dir-nos-ão que é o preço da fama e são capazes de estar certos. Errado e tramado ficou o César, que deveria ter treinado melhor o cão e ensaiado a cena, que vê a sua vida emporcalhada por um simples porco. Nas sociedades “do tudo ou nada”, exactamente como sucede no futebol, um homem depressa passa de bestial a besta, de “encantador” a monstro. Como já vimos o vídeo do acontecido, aguardamos com alguma curiosidade os resultados da investigação.

SOCIABILIZAR QUEM NÃO DÁ TRÉGUAS: PASTOR ALEMÃO E LEÃO DA RODÉSIA

Há quem goste e quem não goste, nós gostamos e todos os adestradores são obrigados a sociabilizar cães, tarefa obrigatória para quem os ensina e indispensável à genuína constituição binomial, porque ela subsidia, espelha e avalia a obediência ministrada a um cão. Sem ela, todos os serviços destinados aos cães encontram sujeitos a condições especiais e por isso mesmo comprometidos. Só o alcance da sociabilização torna possível a constituição de matilhas funcionais, quer elas sejam homogéneas ou heterogéneas. Sociabilizar contendores não é fácil nem automático (que o digam os mediadores para a paz no Médio-Oriente e noutras latitudes no Globo), porque existem raças caninas que mantêm instintivamente inimizades umas com as outras, alimentadas por divergências somáticas e psicológicas que desnudam rituais e comportamentos diferentes, passíveis de despoletar estranheza, suspeição, aversão e de convidar até prà aniquilação recíproca. São históricas e conhecidas (entre outras) as aversões “lupino-molosso”; “lupino-hound”, “lupino-vulpino”, “inter-molossos” e “bracóide-lupino”.
Escrevemos este artigo a pensar num dos monitores que formámos e que ao momento se encontra a equipar e a instalar uma matilha funcional para guarda (heterogénea), constituída por Pastores Alemães e Leões da Rodésia, desafio deveras estimulante mas que exige especial cuidado, porque os elementos da matilha que se propõe formar são por norma hostis entre si, o que irá exigir como primeira meta a sua sociabilização. Acostumados a estas dificuldades, porque sempre demos aulas colectivas, treinámos Pastores Alemães e nunca nos faltaram Leões da Rodésia nas classes, somos sabedores das causas por detrás da antipatia que as raças nutrem uma pela outra. Ambas são altamente gregárias e territoriais, dadas ao desafio, tendentes à fixação e levadas a desconfiar, sendo por isso concorrentes. Se o Pastor Alemão é rancoroso, o Leão da Rodésia é cismático; se o primeiro adora policiar, o segundo opta por evoluir dissimulado. Naturalmente não tirarão os olhos um do outro, aguardarão oportunidade, um momento em que tenham vantagem pelo descuido do outro - são predadores! Para todos os efeitos o Leão da Rodésia é um “hound” com corpo de molosso e o Pastor Alemão não está para ser caçado ou surpreendido, adivinha-lhe as intenções e quer arrumá-lo de vez. Por causa disso, nenhum deles irá dar as costas ao outro.
O que acabámos de dizer reporta-se aos primeiros encontros entre dois machos adultos, independentemente de já terem copulado ou não, cada um de sua raça, robustos, ambos dominantes, não-castrados, que nunca se viram e que não foram objecto de qualquer tipo de sociabilização, cada um com o seu dono ao lado e com mútua possibilidade de observação, já que a aceitação das cadelas pelos machos é comum a ambos e tão natural quanto a havida com outras cadelas, quer tenham raça ou não, sobrando por aí, por razões menos decorosas, híbridos de ambas as raças alcunhados de “German Ridgeback”, uns fofinhos pouco dados a brincadeiras por serem considerados altamente perigosos, conforme se tem vindo a verificar.
Qualquer casal de Pastores Alemães ou de Leões da Rodésia aceitará um cachorro da raça do outro, mas nunca depois dos 10 meses de idade, o que tornará o Cão Africano mais previsível quando criado entre Pastores e o Pastor Alemão mais subversivo quando criado entre Leões da Rodésia. Tudo leva a crer que o nosso monitor irá demorar mais tempo a sociabilizar aquela matilha do que a pô-la atacar, o que o obrigará a equilibrar, numa primeira fase, a obediência com a guarda propriamente dita, sem enfraquecer o instinto de presa e comprometer o desejo da captura de cada um deles, porque doutro modo servir-se-ão da ocasião dos ataques para se virarem uns contra os outros, por procurarem a liderança nas acções e disputarem os mesmos pontos de entrada (ataque) nas cobaias.

Que ninguém duvide: uma matilha funcional para guarda constituída por Pastores Alemães e Leões da Rodésia é altamente eficaz e facilmente será letal, porque dela sempre resultarão ataques praticamente indefensáveis por serem impetuosos, inesperados e distribuídos, assim como múltiplos ataques à jugular, desde sempre considerados assassinos (compreende-se porquê). O nosso amigo trabalhará a rogo de quem? Provavelmente não será para uma associação filantrópica ou para alguém que tem como missão estender o amor de Deus aos homens! Melhor seria que somente lhes ensinasse obediência, o que impediria futuramente de vir a sentar-se no “banco dos réus” ou o seu inevitável internamento num hospital psiquiátrico.
Retornemos à sociabilização. Primeiro há que dotar cada cão de uma obediência inquestionável, ao ponto de não se mexerem, debaixo do comando de “quieto”, mesmo que o comboio “alfa pendular” lhes passe rente ao focinho em alta velocidade, o que equivale a dizer que a prontidão dos seus ataques deverá ser igual à sua cessação. Depois trabalhar-se-ão as fêmeas com cada macho isoladamente, para se objectivar o controlo dos instintos e se ir compondo parcelarmente a matilha segundo o seu propósito. Os machos deverão ser sujeitos a todas as manobras de sociabilização que usamos, inclusive ao “duo”, primeiro à trela e depois em liberdade, para que a liderança animal não se sobreponha à humana, os cães possam trabalhar em conjunto e aceitar cada um e sem reticências o trabalho que lhe foi destinado, respeitando em simultâneo o esforço e as incumbências dos outros. 
Só depois da aprovação nas manobras de sociabilização animal é que os machos deverão ser convidados para atacar em conjunto, ataque que deverá cessar imediatamente caso se verifique alguma escaramuça entre eles, eventualidade que os obrigará a retornar às ditas manobras, procedimento igualmente válido e indicado para as fêmeas que lutam entre si, por ausência de um genuíno macho dominante que as lidere (como o escalonamento social canino tem como líder um macho, nenhuma cadela aceitará facilmente o domínio laboral de outra, particularmente se for recém-chegada, mais nova ou diferente).
Resumindo, o nosso monitor terá primeiro que pacificar (sociabilizar) os cães entre si e só depois partir para a “guerra”, discipliná-los um a um para depois os poder controlar em matilha. Ainda que não lhe venha a agradar, ciclicamente terá de retornar à sociabilização, porque os níveis de confiança caninos aumentam com o número dos ataques e alguns cães usam-nos como pretexto para um ajuste de contas. E como se isto não bastasse, sempre que uma cadela entra em cio o escalonamento social da matilha pode sofrer alteração, como sofrerá se algum cão ficar doente. Por tudo isto se compreende quão exigente deve ser o treino de um cão de guarda, uma arma de precisão que não pode disparar-se acidentalmente.

segunda-feira, 21 de março de 2016

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ NÃO GOSTO DE BATER NO CEGUINHO, MUITO MENOS NO COXINHO, MAS…, editado em 17/03/2016
2º _ TALVEZ QUANDO O COELHO ACABAR!, editado em 02/11/2003
3º _ OS FALSOS PASTORES ALEMÃES, editado em 24/02/2015
4º _ OS CÃES VINGAM-SE OU DEVOLVEM AO REMETENTE TUDO AQUILO QUE RECEBEM?, editado em 15/03/2016
5º _ O ESTRANHO ANÚNCIO DOS PASTORES ALEMÃES CASTANHOS, editado em 26/04/2013
6º _ DE ABRIL A SETEMBRO COM O PULVERIZADOR ÀS COSTAS, editado em 07/06/2015
7º _ O CÃO PERNICIOSO, editado em 16/03/2016
8º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 27/10/2009
9º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado 29/08/2013
10º _ NÓS POR CÁ: O HOMEM ABSTEVE-SE PORQUÊ?, editado em 17/03/2016

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país obedeceu à seguinte ordem:
1º Portugal, 2º Brasil,3º Estados Unidos, 4º Espanha, 5º Reino Unido, 6º Alemanha, 7º França, 8º Quénia, 9º Angola e 10º Suíça.

quinta-feira, 17 de março de 2016

ERA UMA QUESTÃO DE TEMPO: DOS 4 MESES PARA OS 14 ANOS

Demorou demasiado mas a justiça vai ser feita. Na tentativa de travar a taxa de mortalidade provocada por cães, depois de ter subido na última década 76% e de em Maio do ano passado terem morrido 21 pessoas dessa causa, incluindo 13 crianças, uma deles com 3 meses de idade, os legisladores de Inglaterra e do País de Gales decidiram mais responsabilizar e punir os proprietários caninos pelo agravamento das penas, que passarão dos 4 meses até aos 14 anos de prisão.
Incorrerão na pena máxima os proprietários de cães assassinos que os treinaram ou mandaram treinar para serem agressivos ou usados como arma; os donos de cães homicidas de raças proibidas ou aqueles que legalmente estão impedidos de os ter, desde que considerados culpados. Também os donos de cães que causem ferimentos em alguém verão a sua pena agravada para até 5 anos de reclusão.
Como os ataques aos cães-guias perpetrados por outros cães têm vindo a aumentar, acontecendo cerca de um cento anualmente, os proprietários dos cães agressores verão aumentada a sua pena até dois ano e meio de prisão, desde que provada a sua responsabilidade. A nova legislação entrará em vigor nos dois países a partir do próximo mês de Julho deste ano.
É possível que venhamos a ter leis semelhantes em Portugal, onde o assunto não tem sido convenientemente tratado e a responsabilização dos donos tem sido de alguma forma omitida, talvez por a nossa realidade ser outra e raramente aqui acontecer uma morte provocada por um ataque canino. Quanto aos britânicos, bem que se lhes pode atribuir um velho ditado português: “casa roubada, trancas à porta”.