Poucos sabem que a
Acendura Brava também já foi criadora de Cães de Fila de S. Miguel, quando procurava
elevar as raças caninas nacionais no panorama laboral internacional, esforço
que suportou sozinha, depois de ter experimentado um sem número de exemplares
das diversas raças nacionais e de ter constatado a sua sofrível selecção e
pouco préstimo. A raíz alana que une o Fila de S. Miguel ao Cão de Castro
Laboreiro, ao Cão da Serra da Estrela e ao Rafeiro Alentejano, ainda visível nos
raiados melgacenses (chamados erroneamente de “mastins alupinados”), nos Serras
de pêlo curto e nos Rafeiros Alentejanos mais raiados e menos brancos,
permaneceu maioritária no cão micaelense, enquanto os seus primos pouco a pouco
e por adulteração, evoluíam para mastins com a Espanha ali tão perto. Esta
divergência de critérios e caminhos transformou a maioria destes cães em
molossos-tipo e destacou para sempre o Cão de Fila de São Miguel, um alano
praticamente desconhecido dos portugueses, que dos pontos de vista biomecânico,
cognitivo e psicológico em nada se confunde com os demais, por ser mais rápido,
cúmplice, curioso, disponível, decidido, franco, versátil e valente.
Do ponto de vista
operacional não há nada que os cães da moda façam que o Fila não consiga fazer,
porque é humilde, generoso, aprende com facilidade, vive para o dono, é pouco
exigente, leve (a raça apresenta dimorfismo sexual), rústico, atento e célere, de
fácil camuflagem, combativo como poucos, de progressão dissimulada e ataques
cirúrgicos. As suas fêmeas, quando comparadas com as suas congéneres alemãs,
belgas e holandesas, apresentam um menor défice de qualidade em relação aos
machos, sendo por norma mais curiosas e menos instintivas nos ciclos infantis.
O desempenho de um Fila na área da segurança apresenta duas vantagens: o
carácter imprevisível dos seus golpes e a capacidade de evitar os dos seus
opositores.
O Fila de São Miguel é um
cão para toda a gente? Há quem o faça pior do que é e quem veja nele um anjinho
de 4 patas, quando na verdade não é uma coisa nem outra. Apesar de subsistirem
alguns perfis psicológicos diversos na raça, que não são assim tantos, a
esmagadora maioria dos seus indivíduos dispensa maiores provocações, motivações
e incentivos para proteger, defender e guardar o que lhe é confiado, o que não
impede que possam vir a ser bons cães de companhia e companheiros de crianças,
infantes que jamais atacarão e que defenderão com a própria vida quando criados
juntos. Para quem será mais indicado este cão? Obviamente para quem tem gado,
um terreno, pessoas ou bens a guardar, apresentando-se como opção segura para
quem procura e está acostumado ao desempenho de Pastores Alemães, Belgas e
Holandeses.
Ignoro
ainda hoje quais as razões que impediram a popularidade e a procura do Cão de
Fila de São Miguel entre nós, talvez possa alvitrar algumas, mas como não gosto
de fazer juízos temerários não o farei. A cada Domingo que passa, as igrejas
oferecem gratuitamente o perdão de Deus aos homens, o que não impede que
estejam cada vez mais vazias. Será que se passa o mesmo com o Cão de Fila de
São Miguel, que por ser português e barato ninguém o quer? É bem possível à luz
duma velha tradição que diz ser a galinha da minha vizinha melhor do que a
minha!
PS: Sinto-me feliz porque,
passados 20 anos, voltei a treinar um grupo de Cães de Fila de S. Miguel,
amigos que nunca me decepcionaram e que continuam a encantar-me.
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