O excessivo antropomorfismo
com que são tratados muitos cães citadinos têm-lhes aumentado substancialmente
a ansiedade, adquirindo comportamentos desesperados, agressivos ou destruidores quando os
seus “papás” saem de casa para o trabalho ou a “mamã” se vê obrigada a ir às
compras. E para agravar ainda mais a situação, diante de manifesta
insatisfação, há quem prefira desabafar com o cão e não com o seu companheiro
ou conjugue como seria de esperar. Mas há ainda quem vá mais longe, gente que
se torna súbdita dum déspota que adoptou e levou lá para casa! E como este
mundo deve estar louco, duvido se alguma vez foi lúcido e sensato, são cada vez
mais os irreflectidos que dizem: “gosto mais do meu cão que da minha família!”.
E quando a ansiedade da
separação toma finalmente conta dos cães, os seus dedicados paizinhos vão a
correr para os veterinários, suplicando-lhes calmantes e antidepressivos para
os atribulados “meninos”. Se a falta de dinheiro não for problema ou um
sacrifício por aí além, outros contratarão um psicólogo animal para tentar valer
aos seus “filhinhos”, não se livrando alguns dos serviços de pretensos etólogos
que por cá não faltam. Depois de tudo terem feito ingloriamente, acabarão por
tentar ludibriar os animais com petiscos da sua preferência, pondo-se ao fresco
num ápice, de ouvidos tapados e sem olhar para trás e, quanto mais rápido
melhor, porque nada é tão aborrecido como ser obrigado a dar explicações aos
vizinhos por serem as primeiras vítimas da chinfrineira dos cães.
A ansiedade da separação
induz a uma diversidade de comportamentos anómalos que vão desde o pranto
incontido e continuado até à automutilação, acontecendo normalmente o primeiro
por excesso de mimo e o último pela sua ausência, sendo o primeiro mais próximo
das pequenas raças de companhia e o último mais comum entre cães caçadores ou
territoriais de médio e grande porte. Entre os dois extremos, tanto uns como
outros, poderão abraçar a destruição de pertences dos donos e/ou do lar. Esta patologia
está intimamente ligada à insegurança dos cães que afecta, alterando
comportamentos de acordo com o particular individual de cada cão (genético e
social), o seu género e grupo somático a que pertence. Foquemo-nos no caso
daqueles cães que ganem o dia inteiro, desde a saída dos donos até ao seu
regresso a casa, porque o problema tem solução e vamos adiantá-la já a seguir.
Como educar cães é também
educar os seus donos, aqueles cujos animais têm este problema, deverão alterar
primeiro as suas rotinas ao entrar e sair de casa, ignorando os cães 30 minutos
antes do abandono e 30 minutos depois do seu regresso ao lar, evitando nesse
período fixá-los ou falar com eles, procedimento que pouco a pouco tornará as
suas partidas e chegadas menos dolorosas para os animais por fazerem parte do
seu quotidiano. Há décadas que ouvimos falar de zoonoses e só há pouquíssimo
tempo se ouve falar das doenças que causamos aos animais. Muitos cães são
ansiosos e tornam-se depressivos por força do convívio com os seus donos, reflectindo
no seu comportamento os desequilíbrios visíveis nos seus parceiros humanos,
gente que nasce com uma profunda carência de afectos ou com uma fome congénita
de cães. Quer um cão saudável, equilibrado e confiante? Então, não dramatize as suas entradas e saídas
de casa!
Todos sabemos que os cães
são curiosos e vivem em constante observação, melhorando por isso as suas performances
com o tempo e o treino, assimilando em simultâneo e pelas mesmas razões as
rotinas dos seus donos. Para combater e levar de vencida a ansiedade da
separação dos cães importa que os donos lhes “troquem as voltas”, que os
enganem acerca das suas entradas e saídas do lar, para que os animais não
saibam ao certo quando vão entrar ou sair de casa. Para que isso suceda,
importa cumprir as rotinas que indiciam essas acções e que são do conhecimento
dos cães, saindo e entrando algumas vezes e outras não. Ao fazer isto, em
função da experiência havida e pela incerteza do desfecho, os cães perderão a
fixação e desinteressar-se-ão desses momentos gradualmente, deixando de
enlouquecer-se aquando da entrada e saída dos donos.
É de suma importância que
paralelamente se ensine o “quieto” a estes animais, tanto em casa como fora dela,
o que reforçará a liderança dos donos e robustecerá o carácter dos cães, doando-lhes
a confiança e a maturidade que teimam em adquirir, já que não ganem assim por conta
seu do bem-estar. O “quieto” a ensinar em casa deverá acontecer gradualmente,
evoluir de um minuto ou dois nos primeiros dias para períodos de tempo mais
alargados semanas depois, primeiro com o binómio no mesmo quarto e depois com o
dono noutra dependência da casa. Contudo, visando o equilíbrio emocional destes
animais, que é disso que estamos a tratar, será contraproducente solicitar-lhes
“quietos” sistemáticos e com uma duração superior aos 15 minutos no primeiro
mês. O ensino do “quieto” no exterior deverá complementar ou subsidiar o
doméstico, tirando-se partido das diferentes circunstâncias encontradas, que
deverão evoluir das mais seguras para outras de menor risco, evolução que
deverá acontecer pela resposta afirmativa dos cães. A este respeito vale a pena
ler e relembrar o que dissemos no artigo “ATÉ
A FAZER CROCHET OU TRICOT, SE ENSINA O “QUIETO” A UM CÃO!”,
editado em 30/12/2013.
Com o subsídio dos três trabalhos
atrás adiantados, que garantirão o sucesso deste último, os donos deverão ausentar-se
de casa, primeiro por um simples minuto, várias vezes ao dia e durante uma
semana. Depois, com paciência e muita calma, o tempo de separação deverá ser
aumentado: de 1 minuto para 2, de 2 para 4, de 4 para 8 e assim por diante.
Quando os donos alcançarem os 90 minutos de separação sem novidade (ausência de
lamúrias caninas), poderão ir descansados de férias para os Açores ou para onde
lhes der na gana. Como complemento ao que acabámos de explicar, todos os cães
que são forçados a separar-se dos seus donos e que são remetidos para hotéis
caninos, considerando o seu bem-estar, não deveriam rumar para lá sem terem
sido aprovados no “quieto” (diz o povo e com razão: “que quem te avisa teu
amigo é!”). Estamos certos que quem seguir rigorosamente as nossas indicações
conseguirá levar de vencida a ansiedade da separação que atormenta os seus
cães. Foi um prazer tratar deste assunto e adiantaremos outros esclarecimentos
sempre que necessário.
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