Uma das razões que levou à
edição deste blogue, para além da divulgação das nossas actividades, foi a de
revelarmos em primeira mão e não pela boca de outros aquilo que experimentámos e
o que aprendemos para melhor podermos aconselhar os interessados que nos
procurarem, assim como denunciar o plágio doutros e rejeitar autorias que nos são
estranhas ou alheias, que insistem em atribuir-nos por conveniência, incompreensão
ou manifesta maldade. E porque importa desambiguar e esclarecer de uma vez por todas
qual a nossa opinião acerca dos beneficiamentos entre as linhas de trabalho e a
de beleza no CPA, vamos agora fazê-lo através da resposta directa a perguntas concretas.
EXISTE
UMA CLARA DIFERENÇA ENTRE A LINHA ESTÉTICA E AS DE TRABALHO NO CPA OU NÃO?
Estamos perante uma só raça e a diferença entre as linhas resulta de díspares critérios
de selecção para o fim procurado. Se podemos falar de uma só linha estética,
apesar das suas múltiplas variantes, somos obrigados a falar de várias linhas
laborais de acordo com os trabalhos ao alcance da raça, que poderão ser específicos
ou históricos. Basicamente, as diferenças entre a linha estética e as laborais
são morfológicas e cognitivas, logo psicossomáticas, dentro da biodiversidade
ainda presente na raça, que a linha estética desconsidera e as laborais aproveitam
mercê dos princípios que presidiram à formação do Cão de Pastor Alemão (CPA).
Estas diferenças não são abissais como se de duas ou mais raças se tratassem,
mas assentam em pequenos detalhes fisionómicos que garantem uma maior
desenvoltura e versatilidade biomecânica. E quando assim é, assistimos em
simultâneo a uma maior capacidade de aprendizagem, na já conhecida relação
entre o desenvolvimento físico e o cognitivo. A grosso modo mas sem faltar à
verdade, considerando a diferença de linhas, uns preocupam-se mais com a forma
e outros com o conteúdo e nenhum deles poderá dispensar o outro em prol da
continuidade e do bom-nome da raça.
PODERÃO
AS DIFERENTES LINHAS SUBSISTIR SEM A CONTRIBUIÇÃO RECÍPROCA?
Lá poder, podem mas não devem, até porque é difícil pôr um elefante a dançar ao
compasso de uma formiga, sabendo-se da inescusável unidade entre a morfologia e
o desempenho. Se a criação isolada de CPA’s para shows de conformação tem
contribuído para uma menor aptidão laboral desses exemplares, ao ponto de serem
para isso desprezados, a criação em separado das linhas laborais tem gerado
animais incaracterísticos e arredados do Estalão, evoluindo a rumo próprio e
para parte incerta até à sua transmutação para outros grupos somáticos caninos.
Assim, o equilíbrio entre a morfologia e o desempenho deverá sempre ser
respeitado, considerando em primeira mão o bem-estar dos animais e depois o seu
aproveitamento, para que não aprisionemos um lobo no corpo de uma pulga ou
alcancemos um lobo com alma de cordeiro. Por tudo isto, na nossa opinião, o
beneficiamento entre as linhas de trabalho e a estética no CPA é de todo desejável.
Mais, a separação de linhas nunca deveria ter acontecido (ficou a dever-se à
isenção do trabalho) e o desprezo pelas variedades recessivas muito menos,
atendendo a necessária biodiversidade.
QUANDO
É QUE SE JUSTIFICA O BENEFICIAMENTO ENTRE AS DIFERENTES LINHAS? Quando qualquer uma delas começa a perder
características, quer elas sejam morfológicas ou laborais. É comum, depois de
várias gerações, que os cães de trabalho percam algumas características
morfológicas, atendendo que o tiveram como principal princípio selectivo. Do
mesmo, os cães de estrutura, seleccionados quase exclusivamente pela sua
morfologia, nas mesmas circunstâncias e em igual período de tempo perdem
algumas (por vezes muitas) das suas características laborais. Em ambos os casos
a solução é óbvia: há que operar um beneficiamento interlinear, porque só a
biodiversidade poderá restituir às proles vindouras aquilo que a endogamia e a
consanguinidade roubaram a cada um dos seus progenitores.
QUANDO
RECORRER A UM CÃO DE LINHA ESTÉTICA PARA BENEFECIAR OUTRO DE LINHA LABORAL? Quando
o cão de trabalho for de cor recessiva e igual à dos seus pais e avós (red
sable, negro, azul ou cinzento) convém que isso aconteça à 3ª geração, porque
estas variedades, quando criadas isoladas, tendem a curvas de crescimento mais
curtas e gerar exemplares mais leves e mais pequenos, por vezes até incaracterísticos,
mais próximos do inicial e pouco diferenciado cocktail comum a Pastores Belgas,
Holandeses e Alemães. As variedades laborais preto-afogueada e lobeira só
necessitarão da contribuição de um exemplar de linha de beleza caso tendam a “carregar
a garupa às costas” (com ela mais alta que a cernelha) ou a sua biomecânica se
mostrar imprópria para o trabalho a realizar.
O
QUE SE GANHA NOS BENEFICIAMENTOS INTERLINEARES? Tanto
se pode ganhar como perder quase tudo, porque importa que os se progenitores se
completem, que suprimam as menos valias um do outro e não que as agravem. Os
exemplares de linha estética, caso o beneficiamento tenha sido o correcto,
ganham maior equilíbrio psicológico, longevidade, maior envergadura,
rusticidade e superior impulso ao conhecimento (melhor capacidade de
aprendizagem). Por seu lado, os exemplares de linha laboral ganham as
características físicas que mais ajudam o seu desempenho. Temos por experiência
própria que por detrás de um excelente cão de trabalho está um exemplar de
linha estética, desde que a sua contribuição não exceda os 4/8. Os exemplares
nascidos dos beneficiamentos interlineares são chamados de “meia-linha”,
nascendo uns mais tangíveis à linha estética e outros à laboral. E sabem que
mais, nenhum cão de linha estética ou laboral bate no seu todo um bom
meia-linha!
O
QUE SE PODE PERDER NOS BENEFICIAMENTOS INTERLINEARES? O benefício procurado,
quando às suas proles são transmitidas as menos valias de ambos os
progenitores. Exemplo disso é quando os cães meia-linha saem pernaltos ou
afectados pelo nanismo, demasiado nervosos, desinteressados ou medrosos,
desaprumados, de ossatura leve, peito estreito e mãos atiradas para fora, abatimento
de metacarpos, descodilhamento, costelas demasiado planas, dificuldades na
transição de andamentos, portadores de um quadro intolerância alimentar muito
vasto e afectados pela insuficiência pancreática exócrina (a lista é
interminável). A melhor maneira de acautelarmos o que pretendemos transmitir às
ninhadas é saber se as mais-valias presentes nos seus progenitores estavam
também presentes nos seus ascendentes há pelo menos 3 gerações, o que equivale
a dizer que somos obrigados a conhecer pormenorizadamente a famílias de cada um
deles para os usarmos em consciência e com menor margem de erro.
TODOS
OS CÃES MEIA-LINHA PODERÃO SER CONSIDERADOS EXEMPLARES DE TRABALHO? É
evidente que não, só o serão quando testados e aprovados no trabalho, que
deverão desempenhar cabalmente sem lhes resultar qualquer entrave,
incapacidade, insuficiência, impropriedade ou lesão.
COMO
SE DISTINGUE UM EXEMPLAR DE MEIA-LINHA DOS EXEMPLARES DE LINHA ESTÉTICA E DE
LINHA LABORAL? Há por aí muitos falsos cães de trabalho,
cães de meia-linha que mais devem à sua existência à beleza que ao trabalho
propriamente dito, resultantes de experiências mal conseguidas ou da tentativa frustrada
do aproveitamento de um exemplar extraordinário. Um cão de meia-linha sempre
carrega a contribuição do seu progenitor de beleza, nomeadamente em assimetrias
morfológicas que não são visíveis nem nos exemplares de exposição nem nos de trabalho,
sendo comum verem-se cães de envergadura intermédia, de costelas planas com
garupas arredondadas e vice-versa, ossaturas invejáveis com divergência de mãos,
pés de lebre com membranas interdigitais redondas, excelentes implantações de
orelhas em crânios de stop elevado, exemplares de pelo duro com caudas
farfalhudas, antagonismo da cor dos olhos em relação ao manto, média angulação
dos membros traseiros, etc. Do ponto de
vista psicológico, não havendo intromissão humana, os cães de meia-linha, ao
ganharem envergadura, robustez e força, tendem a aflorar os seus instintos e a
participar em brigas entre iguais, porque lhes falta a serenidade, a sobriedade
e a nobreza que os cães laborais nunca perderam, pelo que a contribuição de
dois cães de meia-linha equilibrados é preferível, em todos os aspectos, aos interlineares
nos beneficiamentos.
O
QUE É A POLÍTICA DE QUADRO ABERTO E PARA QUE SERVE? Entende-se
por “Política de Quadro Aberto” o princípio selectivo que procura devolver a
cada ninhada de CPA’s os benefícios de todas as variedades cromáticas ainda
presentes na raça, quer elas sejam dominantes ou recessivas, para se
estabilizar a polivalência que notabilizou o Deutscher Schäferhund. Estamos a tratar
de beneficiamentos entre as diferentes variedades cromáticas, robustecendo cada
uma delas com os méritos de outras, como sucedeu no passado e que terminou
quando se começou a beneficiar cada variedade cromática isoladamente, despropósito
que aumentou substantivamente a consanguinidade e a endogamia, primeiras
responsáveis pela menor procura, demérito e declínio do Pastor Alemão actual,
que na maioria dos casos se encontra irremediavelmente moribundo e em profunda
agonia solicitando amiúde o auxílio dos veterinários, que nem sempre têm como lhes valer.
Assim, criar isoladamente
uma variedade cromática dentro do CPA, para além de uma involução, é enveredar
deliberadamente por uma ruptura com o seu passado e grandeza, assim como fazer
orelhas moucas ao que Stephanitz disse: “Se o cão é bom, a sua côr não pode ser
ruim”. Os benefícios da “Política de Quadro Aberto”, que exige canicultores
sapientes e experimentados, não se resumem apenas a um aumento cognitivo e
operacional, porque dão também aos cães melhor equilíbrio físico e psicológico,
saúde, rusticidade, pulmão, resistência e longevidade, condições que o seu
bem-estar não dispensa. Há pois que combater a eugenia negativa e os seus
terríveis reflexos nos cães.
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