É bem possível que o
aumento progressivo de cães domésticos possa gerar um desastre ecológico, ainda
mais quando coadjuvado pelo crescente número de gatos. Esta Terça-feira, por
proposta do PAN e com o apoio do Bloco de Esquerda, discutiu-se no Parlamento
português as alterações à lei da caça com propostas que visam reduzir o número
de dias autorizado para caçar e impedir o licenciamento de novas matilhas,
propostas de alteração que bem depressa insurgiram proprietários rurais e os
caçadores. Mas serão só as espécies cinegéticas que estarão em risco por causa
dos cães? Não estaremos a tapar o sol como uma peneira? Haverá porventura algum
ousado político capaz de pôr uma trela no nosso amor pelos cães e limitar o seu
número por cidadão?
Comecemos pelo fim.
Limitar o número de cães sempre será uma medida antipopular e os políticos que ascendem
ao poder, contrariamente aos ditadores, alcançam-no pelo voto, pelo que
dificilmente algum deles o fará e muito menos agora que o populismo está de
volta, a frutificar e bem, apesar de mais cedo ou mais tarde tal redução ter que
suceder obrigatoriamente pelo desequilíbrio ecológico que os cães já hoje estão
a causar e que se encaminha para o desastre.
A primeira espécie que
estão a ameaçar é a humana, porque estão a tomar o lugar dos filhos de muitos e
a atacar esporadicamente os filhos de alguns, o que tem contribuído
significativamente para a diminuição da taxa da natalidade no mundo ocidental e
para a constituição de leis que visam a repressão e a eliminação dos cães mais
perigosos, fiscalização feita à conta do erário público, o mesmo que se vê à
brocha para pagar os míseros abonos de família. O que acabámos de dizer parece
patético e sem fundamento, mas que deixa de o ser à luz daqueles casais que,
dizendo sem condições para criar um filho, acabam por adquirir uma pequena
matilha de cães, gastando com eles um montante igual ao superior ao que
gastariam com um descendente. É evidente que a culpa aqui não é dos cães, é a
humanidade que está doente (antigamente os pobres tinham muitos filhos e mal os
podiam sustentar, agora têm cães e o seu calvário não sofreu alteração).
As pessoas menos atentas à
natureza nem dão por isso, mas a verdade é que muitas aves aquáticas estão a
desaparecer do nosso litoral e cidades fluviais, tudo porque os cães lhe dão
caça e impedem-nas de nidificar, zarpando as sobreviventes para parte incerta e
para longe da nossa vista. Isto está a suceder junto aos estuários dos nossos
maiores rios, antigamente desprovidos de cães e hoje saturados aos fins-de-semana
e feriados, quer de noite quer de dia, caça não licenciada que se inicia mal se
solta a trela. Mais lesivo para as aves residentes e migratórias que uma nova
ponte sobre o Tejo é deixar os cães soltos pelas suas margens. Um dos casos
mais flagrantes é o visível na zona da Expo, outrora um sapal cheio de vida e
agora um canto mudo embalado por estéreis marés sem as tarambolas, galeirões e
galinhas-de-água que no passado ali viviam e nidificavam. Afortunadamente não é
permitido desembarcar animais na Reserva Natural das Ilhas Berlengas, porque
doutro modo a sua fauna há muito teria desaparecido.
Quanto mais cães houver,
menos espécies teremos porque eles transformam automaticamente em terrenos de
caça os lugares onde vivem e vagueiam, não dando descanso a aves, répteis e
pequenos mamíferos, excepção feita às ratazanas que a maioria evita e que leva
alguns a pôr-se em fuga. À parte disto, o número crescente de cães não tem sido
acompanhado pelos cuidados médico-veterinários que exigem, tornando-se
hospedeiros de doenças e parasitas que podem contaminar outros animais
domésticos, como é o caso da Neospora caninum (neosporose) transmitida pelas
suas fezes, que uma vez presente nos prados contribuirá para um grande número
de abortos nas vacas. Se não tem o seu cão devidamente vacinado e desparasitado
evite levá-lo para junto de estações agro-pecuárias, respeite o investimento
dos outros e os seus animais, para que o seu descuido não resulte em miséria
alheia ou acabem recebidos como indesejáveis por atentarem contra a saúde
pública.
Sim, o crescente aumento
do número de cães poderá provocar um grande desastre ecológico pelo varrimento
de várias espécies em diferentes ecossistemas, comprometendo assim o seu
equilíbrio! Torna-se urgente evitar que isso aconteça, há que tomar medidas e
controlar o número de cães, convidá-los sem excepção para a sociabilização
interespécies e responsabilizar ainda mais os seus donos pelos prejuízos que
eventualmente possam causar. Quer nos agrade ou não, em abono da natureza, do
seu equilíbrio e do bem-estar geral, torna-se urgente limitar o número de cães
por pessoa, medida racional que tarda a ser posta em prática por ser impopular.
Sabemos por experiência própria que a maioria das pessoas, quando muito, terá
condições para ter um cão e dar resposta às suas exigências, que só um grupo de
eleitos poderá ter dois cães e satisfazê-los plenamente e que para além desse
número algum acabará desprezado ou todos eles. Para que quero eu uma matilha
que não controlo? Não estarei com isso a pôr em risco a integridade de outrem?
Controlar o número de cães não ajudará também a combater eficazmente o seu abandono?
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