quarta-feira, 24 de maio de 2023

SALVAR URSOS COM O CÃO DE URSOS DA CARÉLIA

 

Como já tive ocasião de dizer várias vezes, tenho passado a minha existência à espera de possuir um CÃO DE URSOS DA CARÉLIA, cão que parece ter sido talhado para mim e para os meus anseios, resultar num casamento perfeito atendendo à sua grande ternura, mímica, versatilidade, valentia e capacidade de enfrentar grandes mamíferos. Todavia, por má sorte ou destino, tal nunca aconteceu e dificilmente virá a acontecer, o que não impede que este cão continue a povoar os meus sonhos e a fazer-me acordar feliz. No estado norte-americano de Montana, a bióloga Carrie Hunt (na foto seguinte), fundadora do WIND RIVER BEAR INSTITUTE em 1996, treina hoje cães de ursos da Carélia para afastar os ursos que se aproximam demasiado dos assentamentos humanos e que de outra forma seriam mortos. “Eu queria tornar as coisas mais seguras para os ursos e para as pessoas”, disse ela.

Os cachorros desta raça passam por uma série de testes nos quais os treinadores ensinam-lhes os comportamentos correctos, avaliam a sua personalidade e as suas reacções ao verem ursos e pumas de peluche espalhados pelo campo. Em média, apenas 20% de uma ninhada terá aptidão para o conflito com ursos, onde um movimento errado ou a menor hesitação pode levar a ferimentos graves. “Estamos a procurar descobrir aqueles têm as características necessárias. A colocação dos cães é importante para a segurança das pessoas”, disse Nils Pedersen, director do instituto. “O que queremos ver é um cachorro que tenha uma motivação intrínseca para caçar ao encontrar algo novo e assustador”. Depois de prontos prontos, estes cães serão implantados por toda a América do Norte, trabalhando por exemplo com o serviço de bombeiros do Alasca para manter os bombeiros seguros quando são chamados e, simultaneamente, reduzir o número de ursos mortos a cada ano. Entre 2020 e 2022, o adestrador de cães Greg Colligan trabalhou com um cachorro destes na sua primeira missão, ajudando a resolver conflitos entre pessoas e ursos pardos no parque nacional e reserva Denali, no Alasca. “Ele foi integrado em quase todas as facetas do que fazemos como uma equipa de gestão de vida selvagem”, disse Colligan, ex-técnico-chefe da vida selvagem daquele parque. “Ele ajudou-nos a detectar ursos e a expulsá-los de uma área caso precisássemos, sendo a chave para tudo o que fizemos.”

Os Cães de Ursos da Carélia estão a ser cada vez mais usados pelos administradores da vida selvagem e da terra, não apenas nos Estados Unidos, mas também no Canadá e até no Japão, para encorajar o distanciamento social entre os humanos e os animais selvagens. Na América do Norte, os ursos vivem em paisagens onde a pegada humana está a expandir-se. Como resultado, as pessoas e os predadores são forçados a dividir o mesmo espaço, o que contribui para o aumento dos conflitos entre ambos. Os ursos costumam visitar as áreas dominadas pelos humanos como fontes de alimento de fácil acesso (caixotes do lixo, capoeiras, comedouros de aves ou árvores frutíferas), especialmente no verão e no outono, quando precisam armazenar energia para a hibernação. Com temperaturas mais altas resultantes da crise climática e mais alimentos humanos prontamente disponíveis, os ursos podem até atrasar a hibernação. No Nevada, o aumento da população de ursos-negros está em colisão com o crescimento do desenvolvimento urbano. A bióloga Heather Reich relata que, entre 1987 e 1991, o Departamento de Vida Selvagem do Nevada recebeu uma média de 14 ligações anuais devido aos conflitos com ursos. Entre 2007 e 2011, esse número cresceu para mais de 500 e em 2022 foram recebidas 1.450 ligações!

Clayton Lamb, da University of British Columbia, estudou dados demográficos de mais de 2.500 ursos castanhos na Colúmbia Britânica ao longo de 40 anos e descobriu que, em paisagens dominadas por humanos, quase 30% dos ursos não chegou a viver até aos 14 anos de idade. Contrariamente, apenas quatro morreram durante o mesmo período numa área selvagem sem pessoas para enfrentar. Os animais que conseguiram sobreviver nas áreas dominadas por humanos adoptaram um estilo de vida nocturno para evitar as pessoas. “Se um urso pode aprender a viver perto das pessoas, eles podem sobreviver, mas muito poucos ursos chegam à idade adulta e descobrem como viver naquela paisagem”, diz Lamb. No Nevada, os gestores da vida selvagem começaram inicialmente a assustar os ursos-negros habituados aos humanos com geradores de ruído e balas de borracha, o que nem sempre funcionou. “Os ursos deixaram de se assustar com o ruído e depressa perceberam que nada lhes acontecia”, disse Reich, que atribuiu a última invasão de ursos a uma geada no final da primavera que matou os seus recursos naturais, como foi o caso as bagas. “Isso obrigou os ursos a recorrer às áreas urbanas numa busca desesperada por comida”, disse ela.

Em 2001, o departamento de vida selvagem começou a empregar cães de ursos da Carélia. Agora, quando um urso problemático se aventura a chegar mais perto, Reich e seus colegas agarram o animal. Então, quando o urso é novamente solto, os cães seguem-no numa breve perseguição. “Para o urso, a experiência é muito má”, disse Reich. Os ursos são naturalmente cautelosos com os canídeos, já que os coiotes e os lobos podem matar as suas crias. “Os cães têm uma linguagem corporal, uma conversa de animal para animal que fala muito mais alto com o urso do que eu”, disse o mesmo Reich. A lição ensinada pelos cães é aquela que os ursos parecem não esquecer. Um estudo sobre ursos negros na Bacia de Tahoe conduzido por Mario Klip, cientista ambiental do Departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia, descobriu que os ursos que tiveram encontros com Cães de Ursos da Carélia tornaram-se mais noturnos, menos activos no inverno e passaram menos tempo nas áreas urbanas. “Os cães tornam-me um biólogo melhor porque me permitem manter os ursos na paisagem o máximo que posso, em vez de ter que matá-los e removê-los”, continuou Reich. Com seu olfacto aguçado, os cães-urso também podem detectar a presença de um urso precocemente, permitindo que os responsáveis pela vida selvagem tomem medidas preventivas enquanto se mantêm seguros.

“Eles permitem-me fazer coisas com os ursos que eu não conseguia fazer sozinho”, disse Reich. “Se tivermos ursos numa toca debaixo das casas, é muito melhor mandarmos lá os cães do que enfrentar os ursos sozinhos”. Em última análise, apesar dos cães poderem ajudar a salvar a vida de um urso, os humanos também devem fazer sua parte, guardando o lixo em recipientes resistentes a ursos ou instalando cercas eléctricas. No Wind River Bear Institute, Hunt enfatiza o “pastor de ursos”. “Trata-se de ensinar aos ursos e às pessoas os comportamentos correctos para que possam viver na mesma área”, diz ela, mas isso só funcionará se as pessoas removerem a atracção do lixo e outras tentações. Como os Cães de Ursos da Carélia são geralmente amigos das pessoas, eles também podem ajudar a educá-las sobre a necessidade de adotar comportamentos que reduzam os conflitos. “As pessoas sempre querem falar connosco quando aparecemos com os cães,”, disse Colligan. “Os cães são uma forma de nos relacionarmos com os ursos numa situação de conflito homem-urso, mas também permitem que nós, humanos, nos relacionemos uns com os outros.” Eu não queria um cão destes para afugentar qualquer espécie de ursos, tampouco para satisfazer algum “macaco” na cabeça, somente queria estabelecer com ele novas formas de comunicação, já que é cão para isso.

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