Como
já tive ocasião de dizer várias vezes, tenho passado a minha existência à
espera de possuir um CÃO
DE URSOS DA CARÉLIA, cão que parece ter sido talhado para mim
e para os meus anseios, resultar num casamento perfeito atendendo à sua grande
ternura, mímica, versatilidade, valentia e capacidade de enfrentar grandes
mamíferos. Todavia, por má sorte ou destino, tal nunca aconteceu e dificilmente
virá a acontecer, o que não impede que este cão continue a povoar os meus
sonhos e a fazer-me acordar feliz. No estado norte-americano de Montana, a
bióloga Carrie Hunt (na foto seguinte), fundadora do WIND RIVER BEAR INSTITUTE
em 1996, treina hoje cães de ursos da Carélia para afastar os ursos que se
aproximam demasiado dos assentamentos humanos e que de outra forma seriam
mortos. “Eu queria tornar as coisas mais seguras para os ursos e para as
pessoas”, disse ela.
Os
cachorros desta raça passam por uma série de testes nos quais os treinadores
ensinam-lhes os comportamentos correctos, avaliam a sua personalidade e as suas
reacções ao verem ursos e pumas de peluche espalhados pelo campo. Em média, apenas
20% de uma ninhada terá aptidão para o conflito com ursos, onde um movimento
errado ou a menor hesitação pode levar a ferimentos graves. “Estamos a procurar
descobrir aqueles têm as características necessárias. A colocação dos cães é
importante para a segurança das pessoas”, disse Nils Pedersen, director do
instituto. “O que queremos ver é um cachorro que tenha uma motivação intrínseca
para caçar ao encontrar algo novo e assustador”. Depois de prontos prontos,
estes cães serão implantados por toda a América do Norte, trabalhando por
exemplo com o serviço de bombeiros do Alasca para manter os bombeiros seguros quando
são chamados e, simultaneamente, reduzir o número de ursos mortos a cada ano. Entre
2020 e 2022, o adestrador de cães Greg Colligan trabalhou com um cachorro
destes na sua primeira missão, ajudando a resolver conflitos entre pessoas e
ursos pardos no parque nacional e reserva Denali, no Alasca. “Ele foi integrado
em quase todas as facetas do que fazemos como uma equipa de gestão de vida
selvagem”, disse Colligan, ex-técnico-chefe da vida selvagem daquele parque.
“Ele ajudou-nos a detectar ursos e a expulsá-los de uma área caso
precisássemos, sendo a chave para tudo o que fizemos.”
Os
Cães de Ursos da Carélia estão a ser cada vez mais usados pelos administradores
da vida selvagem e da terra, não apenas nos Estados Unidos, mas também no
Canadá e até no Japão, para encorajar o distanciamento social entre os humanos
e os animais selvagens. Na América do Norte, os ursos vivem em paisagens onde a
pegada humana está a expandir-se. Como resultado, as pessoas e os predadores
são forçados a dividir o mesmo espaço, o que contribui para o aumento dos
conflitos entre ambos. Os ursos costumam visitar as áreas dominadas pelos
humanos como fontes de alimento de fácil acesso (caixotes do lixo, capoeiras, comedouros
de aves ou árvores frutíferas), especialmente no verão e no outono, quando
precisam armazenar energia para a hibernação. Com temperaturas mais altas
resultantes da crise climática e mais alimentos humanos prontamente
disponíveis, os ursos podem até atrasar a hibernação. No Nevada, o aumento da
população de ursos-negros está em colisão com o crescimento do desenvolvimento
urbano. A bióloga Heather Reich relata que, entre 1987 e 1991, o Departamento
de Vida Selvagem do Nevada recebeu uma média de 14 ligações anuais devido aos
conflitos com ursos. Entre 2007 e 2011, esse número cresceu para mais de 500 e
em 2022 foram recebidas 1.450 ligações!
Clayton
Lamb, da University of British Columbia, estudou dados demográficos de mais de
2.500 ursos castanhos na Colúmbia Britânica ao longo de 40 anos e descobriu
que, em paisagens dominadas por humanos, quase 30% dos ursos não chegou a viver
até aos 14 anos de idade. Contrariamente, apenas quatro morreram durante o
mesmo período numa área selvagem sem pessoas para enfrentar. Os animais que
conseguiram sobreviver nas áreas dominadas por humanos adoptaram um estilo de
vida nocturno para evitar as pessoas. “Se um urso pode aprender a viver perto
das pessoas, eles podem sobreviver, mas muito poucos ursos chegam à idade
adulta e descobrem como viver naquela paisagem”, diz Lamb. No Nevada, os gestores
da vida selvagem começaram inicialmente a assustar os ursos-negros habituados
aos humanos com geradores de ruído e balas de borracha, o que nem sempre
funcionou. “Os ursos deixaram de se assustar com o ruído e depressa perceberam
que nada lhes acontecia”, disse Reich, que atribuiu a última invasão de ursos a
uma geada no final da primavera que matou os seus recursos naturais, como foi o
caso as bagas. “Isso obrigou os ursos a recorrer às áreas urbanas numa busca
desesperada por comida”, disse ela.
Em
2001, o departamento de vida selvagem começou a empregar cães de ursos da
Carélia. Agora, quando um urso problemático se aventura a chegar mais perto,
Reich e seus colegas agarram o animal. Então, quando o urso é novamente solto,
os cães seguem-no numa breve perseguição. “Para o urso, a experiência é muito má”,
disse Reich. Os ursos são naturalmente cautelosos com os canídeos, já que os
coiotes e os lobos podem matar as suas crias. “Os cães têm uma linguagem
corporal, uma conversa de animal para animal que fala muito mais alto com o
urso do que eu”, disse o mesmo Reich. A lição ensinada pelos cães é aquela que
os ursos parecem não esquecer. Um estudo sobre ursos negros na Bacia de Tahoe
conduzido por Mario Klip, cientista ambiental do Departamento de Pesca e Vida
Selvagem da Califórnia, descobriu que os ursos que tiveram encontros com Cães de
Ursos da Carélia tornaram-se mais noturnos, menos activos no inverno e passaram
menos tempo nas áreas urbanas. “Os cães tornam-me um biólogo melhor porque me
permitem manter os ursos na paisagem o máximo que posso, em vez de ter que
matá-los e removê-los”, continuou Reich. Com seu olfacto aguçado, os cães-urso
também podem detectar a presença de um urso precocemente, permitindo que os
responsáveis pela vida selvagem tomem medidas preventivas enquanto se mantêm
seguros.
“Eles
permitem-me fazer coisas com os ursos que eu não conseguia fazer sozinho”,
disse Reich. “Se tivermos ursos numa toca debaixo das casas, é muito melhor
mandarmos lá os cães do que enfrentar os ursos sozinhos”. Em última análise, apesar
dos cães poderem ajudar a salvar a vida de um urso, os humanos também devem
fazer sua parte, guardando o lixo em recipientes resistentes a ursos ou
instalando cercas eléctricas. No Wind River Bear Institute, Hunt enfatiza o
“pastor de ursos”. “Trata-se de ensinar aos ursos e às pessoas os
comportamentos correctos para que possam viver na mesma área”, diz ela, mas
isso só funcionará se as pessoas removerem a atracção do lixo e outras
tentações. Como os Cães de Ursos da Carélia são geralmente amigos das pessoas,
eles também podem ajudar a educá-las sobre a necessidade de adotar
comportamentos que reduzam os conflitos. “As pessoas sempre querem falar connosco
quando aparecemos com os cães,”, disse Colligan. “Os cães são uma forma de nos relacionarmos
com os ursos numa situação de conflito homem-urso, mas também permitem que nós,
humanos, nos relacionemos uns com os outros.” Eu não queria um cão destes para
afugentar qualquer espécie de ursos, tampouco para satisfazer algum “macaco” na
cabeça, somente queria estabelecer com ele novas formas de comunicação, já que
é cão para isso.