Relembro aqui a primeira
estrofe do poema “PEDRA
FILOSOFAL” da autoria de MANUEL
FREIRE que diz assim: “Eles
não sabem que o sonho/ É uma constante da vida/ Tão concreta e definida/ Como
outra coisa qualquer”, como introdução à ignorância dos donos que atenta
contra a natureza, bem-estar e aproveitamento dos cães. Determinada senhora,
amante de cães mas não da trabalheira que eles dão, depois de adquirir uma
cachorra e perante os disparates que ela fazia dentro de casa, decidiu
recambiá-la durante o dia para o quintal e de noite para um anexo, numa idade
em que o animal não estava capacitado para o efeito, não sabia defender-se nem
tinha maturidade para isso. Não sei se aforismo que ouvi na minha aldeia natal,
“Ao menino e ao borracho, mete Deus a mão por baixo”, se aplica também a cães,
o que é certo é que a cachorra, afortunadamente, não ficou traumatizada,
tornando-se autónoma muito cedo e apenas disponível para aquilo que lhe
agradava, conforme o expectável.
Havendo essa
possibilidade, quando poderei transitar o meu cão de casa para o jardim? Machos
e fêmeas merecem cuidados diferentes? Quem nos irá dizer quando mudar o cão de
um lado para o outro é o próprio animal, quando começa a abandonar a companhia
dos donos e a permanecer/dormir atrás da porta de entrada da casa, reagindo a
sons inesperados e ladrando a desconhecidos. Também quando ele resiste a vir
para casa e insiste em ficar no quintal. Esta decisão canina não acontece ao
mesmo tempo em todos os indivíduos, porque todos têm perfis psicológicos
diversos e diferentes curvas de crescimento, havendo em simultâneo valentes e
medrosos, precoces e tardios, o que implica em dizer que alguns irão necessitar
de mais tempo que os outros, de maior apoio e carinho da família adoptiva, para
que o isolamento forçado não venha a “acabar com o resto”, tornando-os assustadiços
e de pouco ou nenhum préstimo.
Gostava de chamar à
atenção para três pormenores sobre esta temática: os cães que dormem junto dos
donos tendem a defendê-los mais cedo, que sempre será mais fácil defender um
pequeno espaço conhecido do que um grande e desconhecido e que os cães na companhia
dos donos têm o dobro da força. A opção de ter uma cadela num quintal para
guarda não é talvez a melhor, porque as cadelas tendem a fixar-se num lugar e
são por isso pouco afoitas e menos excursionistas. Todavia, são
excelentes guardiãs de lares. Quando eu tenho um casal de cães e nenhum deles
apresenta entraves de carácter, pensando na segurança de pessoas e bens, a
cadela deverá ficar dentro de casa e o cão no quintal. Devido ao seu género, as
cadelas quando jogadas em quintas desde tenra idade ou forçadas ao isolamento,
tendem a assilvestrar-se, a encontrar tocas e a parir em lugares menos visíveis
e pouco prováveis.
Como deveria ter procedido
e o que ganharia a senhora da nossa história se houvesse agido de modo
contrário? Importa dizer em primeiro lugar que os cães mais curiosos são os que
fazem mais “disparates” e que a curiosidade está ligada ao impulso ao
conhecimento, pelo que os ditos disparates deverão ser entendidos como
tropelias de quem se quer ambientar e conhecer o mundo que o rodeia. Ter um cão
curioso é um privilégio que convém aproveitar, porque o animal aprenderá fácil e
prontamente tudo aquilo que lhe vierem a ensinar, mostrando uma disponibilidade
superior, o que é deveras importante para a coabitação e cumplicidade que
possibilitam o seu uso consentâneo. Em face disto, a dona teria regrado com
facilidade a cachorra e teria com ela uma cumplicidade única e útil. A
coabitação da cachorra, para além de torná-la mais apta e solícita, pronta para
agradar e satisfazer os pedidos da sua mestra, faria com que obedecesse mais
prontamente ao que lhe viesse a ser ordenado, mercê da submissão obtida,
possibilitando assim o seu controlo sem maiores delongas.
Os cachorros entre os 4 e
os 6 meses de idade encontram-se na “idade da cópia”, período da sua vida em
assimilam a hierarquia, quando desprezamos este curto e importante estágio que
se estende até à maturidade sexual, para além de desaproveitarmos e desvalorizarmos
os seus impulsos herdados, estamos gradualmente a afastar-nos dos cachorros e
dar-lhes uma autonomia tangente à que teriam caso não tivessem dono. Convém
dizer como acréscimo, que a plasticidade anatómica acompanha a intelectual e
quem todos os estágios dos cães há metas e objectivos a atingir, porque doutro modo
viveremos de acordo com as suas regras ou teremos que subjugá-los por meios
mais persuasivos e até coercivos, o que toda a gente abomina e não deseja.
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