quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O ÚLTIMO GRANDE NEGÓCIO!

O teste genético para cães está a transformar-se num grande negócio e com facilidade as empresas que o fazem podem vender falsas esperanças, segundo alertam na revista académica e interdisciplinar NATURE os cientistas LISA MOSES, STEVE NIEMI e ELINOR KARLSSON num artigo intitulado “PET GENOMICS MEDICINE RUNS WILD”, respectivamente uma pesquisadora veterinária do Centro de Bioética da Harvard Medical School, em Boston, Massachusetts/USA, um veterinário que é Diretor do Departamento de Recursos Animais da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts/USA e uma Professora Assistente da Escola Médica da Universidade de Massachusetts, Worcester, Massachusetts que é também e directora de genómica de vertebrados no Instituto Broad de Harvard e MIT, Cambridge, igualmente em Massachusetts/USA.
Apesar da ciência estar ainda atrasada e a maioria dos testes se basear em estudos pequenos e pouco abrangentes, da sua precisão e diagnósticos não terem sido validados e da maioria dos veterinários não saber o suficiente sobre as limitações dos estudos ou sobre a genética em geral para poder aconselhar os proprietários preocupados, os testes genéticos para animais de estimação vão de vento em popa e as empresas já começam a oferecer testes iguais para gatos, quando são precisas mais informações e proceder-se à adopção de alguns padrões que temos na saúde humana.
Diante destas considerações, segundo os cientistas atrás citados, estes testes genéticos deverão ser refreados, porque doutro modo algumas empresas continuarão a lucrar com a venda de informações potencialmente enganosas e invariavelmente imprecisas, que farão sofrer desnecessariamente donos e cães, para além de desperdiçar oportunidades para melhorar a saúde dos animais de estimação e impedir que os seus estudos possam ser válidos para a saúde humana. Diante disto, as pessoas aumentarão a sua desconfiança em relação à ciência e à medicina. Não obstante, os gastos globais com animais de estimação aumentaram 14% e os gastos anuais mundiais são estimados ao redor de 109 biliões de dólares.
Como se antevê, a genética é uma das mais recentes adições nesta indústria em expansão e em todo o mundo já existem 19 laboratórios confirmados que comercializam testes genéticos, testes que alguns veterinários usam para ajudar a diagnosticar animais doentes ou para recomendar que os sadios sejam submetidos a testes caros e por vezes evasivos, como é o caso das biópsias à medula óssea. Também alguns criadores de cães valem-se destes testes para tentar reduzir a incidência ou despistar doenças hereditárias. Nos Estados Unidos, como seria de esperar, uma cadeia de hospitais veterinários está a recomendar testes genéticos para todos os cães, adiantando que os resultados tanto possibilitam cuidados de saúde individualizados como podem orientar o adequado treino comportamental!?
Os autores do presente artigo crêem que 3 grandes problemas afectam os testes genéticos para animais no seu estado actual, a saber: FALTA DE VALIDAÇÃO, RESULTADOS OU INTERPRETAÇÃO IMPRECISOS e CONFLITOS DE INTERESSE. Sobre os dois primeiros adiantamos que os argumentos usados são verdadeiramente validados por evidência científica. Dito isto, passamos à transcrição do que disseram sobre o 3º problema – o conflito de interesses. Não havendo regulamentações governamentais nem autopoliciamento efectivo nesta indústria, há muitos conflitos de interesse associados à obtenção de lucros dos proprietários dos animais, coisa fácil de acontecer quando uma corporação proprietária de um banco de dados é também dona da mesma clínica e fabricante de rações específicas para animais de estimação.
Depois de alertarem para o “tsunami” de dados genómicos que se avizinha, estes cientistas americanos reclamam pela CRIAÇÃO DE DIRECTRIZES para a validação destes testes, que deveriam proceder de um selecto grupo de interessados e que compreenderia vários grupos de trabalho, directrizes que especificassem quais os padrões a ser adoptados, um documento semelhante às directrizes que regulam o uso das novas tecnologias nas pesquisas em animais de laboratório desenvolvidas pelo Subcomité de Ciência da British Small Animal Veterinary Association. O ideal, segundo os autores do artigo, é que essas instruções tivessem alcance global e que se constituíssem em lei à medida que os testes genéticos crescessem.
Entendem os mesmos pesquisadores que os actuais bancos de dados existentes, produzidos pela indústria, universidades e agências governamentais, deverão ser estendidos a todas as partes, garantindo em simultâneo o anonimato dos animais e dos seus proprietários. De acordo com o mesmo parecer, as empresas poderão ser incentivadas a dividir dados quando as directrizes propostas exigirem tamanhos de amostra que só poderão ser obtidos através do agrupamento de dados. Para melhorar a transparência, as partes interessadas poderão aproveitar o conhecimento acumulado nas últimas duas décadas por cientistas que pesquisam a genética humana e que têm estado a lidar com questões relativas à divisão de dados e com a privacidade do paciente.
Moses, Niemi e Karlsson apelam neste artigo ao recrutamento de ferramentas e conhecimentos, nomeadamente de bioinformáticos, cientistas da computação e outros com experiência em Big Data, já que serão necessários para gerir e analisar o enorme volume de informações recebidas. É também sugerido que estes especialistas poderão ser persuadidos a entrar no florescente campo da genética dos animais de estimação pelos ganhos financeiros ou por oferecer possíveis avanços para a solução de doenças humanas. Solicita-se ainda a formação e a educação de conselheiros genéticos entre veterinários e outros que trabalhem com a saúde dos animais, profissionais que forneceriam apoio e aconselhamento aos proprietários dos animais após testes genéticos e que também poderiam agregar-se aos seus colegas do aconselhamento genético humano nos principais centros médicos académicos.
O artigo termina apelando a ÉTICA DOS DADOS, considerando que há questões que poderão exigir um diálogo público já encetado e a nomeação de conselhos consultivos especializados, que deverão ter acesso irrestrito a todos os resultados obtidos por empresas de testes com fins lucrativos, para que não haja omissão de quaisquer resultados na venda de animais de estimação, o que ainda acontece e que a continuar poderá desgastar a confiança pública na ciência. O que importa guardar disto tudo? Que os actuais testes genéticos para cães não são totalmente fiáveis, por serem pouco abrangentes, carecerem de parâmetros e de haver poucos que os saibam interpretar. Por outro lado, constata-se que a medicina e a veterinária andam cada vez mais interligadas e que qualquer avanço científico acaba por contribuir para o enriquecimento de uns poucos.
PS: Este artigo foi-nos sugerido pelo nosso amigo e leitor João Carreiras, também ele investigador, pai de dois portentos e por ora residente em Sheffield/ENG/UK.

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