segunda-feira, 1 de agosto de 2016

UNS FAZEM HISTÓRIA E OUTROS DEFINHAM NA FAMA

Nunca como até aqui a procura de cães vindos dos abrigos e centros de acolhimento canino foi tão grande e a procura de cães puros tão diminuta, como se os exemplares com pedigree já houvessem passado de moda ou fossem uma praga a evitar. Não se esconde a contribuição da actual crise económica mundial para a novidade mas sabemos não ser ela a única responsável, apesar dos preços irrisórios a que se encontram votados os exemplares das raças padronizadas. As causas para a sua menor procura e a consequente ruína dos seus criadores são várias e iremos destacar as que nos parecem mais importantes, adiantado simultaneamente caminhos e estratégias para que o trabalho desenvolvido até aqui não caia em saco roto e os novos canicultores sejam melhor sucedidos.
A primeira causa externa aponta para os momentos de prosperidade vividos pelas economias ocidentais que antecederam a actual crise económica global, que ao levar a um maior consumo interno, aumentou a procura de cães até ali menos acessíveis, o que teve como consequência o aumento exagerado dos seus criadores e a proliferação inusitada de cães “puros”, criadores sem histórico e experiência nesta actividade que geraram um sem número de cães de menor qualidade e pouco préstimo – o cão com pedigree vulgarizou-se. 
A segunda causa externa resultou duma maior sensibilidade acerca dos direitos dos animais, o que levou à aquisição sistemática de cães vulgares e desafortunados até ali desprezados. Com o instalar da crise económica, a demanda pelos cães dos abrigos surgiu como a melhor opção para os cinófilos, que impedidos de chegar a outros e desprovidos doutras exigências, acabaram por adquirir gratuitamente esses cães e desprezar os padronizados – a aquisição de cães sem pedigree tornou-se prática corrente.
A terceira razão externa, que é também interna, adveio do aumento de informação relativa aos cães, aumento ligado ao aparecimento dos computadores e da Internet, factores que possibilitaram um conhecimento mais tangível das raças caninas, nomeadamente dos cuidados que exigem, dos seus problemas e enfermidades, contratempos que têm vindo a obstar à sua qualidade de vida e longevidade, cujo combate tende a ser dispendioso e merece cuidada atenção. Diante disto facilmente se constata da supremacia do rafeiro relativa ao cão padronizado, das vantagens da selecção natural sobre a artificial – a maioria dos cães padronizados está doente.
Como a excessiva consanguinidade e a endogamia, assim como os exageros estéticos procurados, emprestam a cada raça diferentes impropriedades, ao ponto de as transformarem em doenças típicas de cada uma delas e, como não são assim tão poucas, adiantaremos apenas soluções para o Cão de Pastor Alemão, que ao serem válidas para ele, serão também para outras raças de idêntico propósito e com os mesmos problemas, porque mais importa divulgar o que se experimentou que alvitrar improvadas considerações alheias.
As razões internas para a menor procura do Cão de Pastor Alemão são clínicas, mecânicas e cognitivas que somadas, têm levado à sua substituição pelo Pastor Belga Malinois em serviços específicos e pelos rafeiros na esfera dos animais de companhia. Diferentes prognatismos, a presença de várias taras, as diferentes displasias (de anteriores e posteriores), outros problemas articulares dolorosos, a mielopatia degenerativa, a panosteíte, a insuficiência pancreática exócrina, doenças de pele sazonais, várias alergias e problemas de intolerância alimentar, têm sido incidentes e têm-se perpetuado na raça, chegando algumas delas a tornar-se hereditárias e a comprometerem o bom-nome deste excelente cão alemão, causas mais do que suficientes para o seu desprezo.
A somar às históricas displasias vieram juntar-se outros problemas articulares dolorosos e incapacitantes, que têm comprometido e diminuído a possibilidade de musculação, o tempo útil e a longevidade do Pastor Alemão, agora acrescido de menor mobilidade membro a membro e de traseira, incapacidades que o têm induzido à estafa e condicionado a transição automática dos seus andamentos naturais, para além de lhe impedirem a transposição de paliçadas e muros até aqui ao seu alcance. Generalizou-se o desaprumo da globalidade dos seus membros, a divergência de mãos, um exagerado abatimento de metacarpos e o jarrete de vaca, anomalias concorrentes a lesões que comprometem de sobremaneira a sua recepção ao solo e que o afastam dos esforços continuados ou de missões fisicamente mais exigentes.
E como não há duas sem três, os cães actuais não apresentam a mesma facilidade de aprendizagem visível nos cães do passado, sendo mais nervosos e inseguros, mais dados ao aviso que à cumplicidade nas acções, como se a fragilidade lhes ditasse o comportamento ou a menor disponibilidade física lhes comprometesse a histórica cognição, uma vez que os cães “estupidamente” obedientes parecem nunca terem existido ou terem desaparecido lá para as calendas gregas. Esta alteração poderá dever-se ao fortalecimento das características morfológicas lupinas, que sendo sofrida e avidamente procuradas mais aproximaram o CPA do lobo e distanciaram-no dos restantes cães, tornando-o de menor préstimo pela maior carga instintiva doada pelas alterações morfológicas.
Para resolver o problema da excessiva consanguinidade e endogamia presentes na raça torna-se urgente recorrer às variedades recessivas até aqui desprezadas, sobreviventes em poucos nichos de criação, menos badaladas e maioritariamente associadas ao trabalho, quer elas sejam unicolores ou bicolores (ex: as decorrentes do azul e do negro), desde que isentas das doenças tornadas endémicas no Cão de Pastor Alemão. Em simultâneo, uma vez também feito o despiste dessas enfermidades, importa beneficiar as diferentes linhas entre si para se alcançar uma nova biodiversidade sem a recorrência a outros cães de raça análoga ou diversa.
Há que “mexer” neste cão novamente (só não sentirá necessidade disso quem não o trabalha ou desconhece o seu potencial de outrora) para eliminar os desaprumos e insuficiências que o condenam e despromovem, o que implicará em rejeitar os reprodutores desaprumados, de peito invertido, descodilhados, por demais desnivelados e muito angulados de traseira, excessivamente plantígrados, irritadiços, nervosos e leves, isentos de uma máquina sensorial capaz e por demais barulhentos.
Jamais haverá uma melhoria cognitiva significativa no CPA sem o contributo dos cães denominados de “linha antiga”, que de um modo ou outro, ainda que por vezes omissos, continuam a beneficiar alguns dos cães actuais, porque neles mais reside o superior impulso ao conhecimento que notabilizou a raça. Adianta-se para os mais cépticos que a reconhecida qualidade dos cães das décadas de 40, 50 e 60 ficou a dever-se à biodiversidade e à consequente excelência da selecção efectuada nos anos que antecederam a II Guerra Mundial. Mais, quanto maior for o fosso entre os critérios de selecção originais e os actuais, pior será a qualidade dos cães e, pior que a actual, só o extermínio da raça, expectativa que os seus inimigos não cessam de anunciar. E depois, o que terá afastado os admiradores da raça: a sua superioridade em relação às outras ou o seu menor préstimo?
Pergunta-se ainda: o que contribui decididamente para a melhoria de rendimento dos CPA’s de trabalho em Portugal? Não vale a pena cansar a cabeça: foi a infusão de Pastores Alemães originários do Leste Europeu, onde os provenientes da República Checa ocuparam lugar de destaque. Mas não foram só eles, os vindos da Bélgica e doutros países surtiram o mesmo efeito. Infelizmente os criadores nacionais caíram no mesmo erro e armadilha: fecharam-lhes o círculo de criação e enveredaram pela endogamia. Louva-se o esforço dos novos criadores que têm ousado importar cães de linhas diferentes das que superabundam por aqui, oxalá não caiam em vícios antigos, mantenham a biodiversidade presente na raça e optem por uma política de selecção de quadro aberto. Não aprenderá o homem com os seus erros?
Os mestiços vão de vento em popa e os puros sucumbem aos seus achaques, o Rafeiro está a fazer história e o Pastor Alemão a definhar. Só há um meio de o levantar e fazer ressurgir: apostar nas ancestrais mais-valias laborais que o enalteceram entre os demais, porque o passado, o presente e o futuro reclamam a utilidade como vencedora.

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