Nunca como até aqui a
procura de cães vindos dos abrigos e centros de acolhimento canino foi tão
grande e a procura de cães puros tão diminuta, como se os exemplares com
pedigree já houvessem passado de moda ou fossem uma praga a evitar. Não se
esconde a contribuição da actual crise económica mundial para a novidade mas
sabemos não ser ela a única responsável, apesar dos preços irrisórios a que se
encontram votados os exemplares das raças padronizadas. As causas para a sua
menor procura e a consequente ruína dos seus criadores são várias e iremos
destacar as que nos parecem mais importantes, adiantado simultaneamente
caminhos e estratégias para que o trabalho desenvolvido até aqui não caia em saco
roto e os novos canicultores sejam melhor sucedidos.
A primeira causa externa
aponta para os momentos de prosperidade vividos pelas economias ocidentais que
antecederam a actual crise económica global, que ao levar a um maior
consumo interno, aumentou a procura de cães até ali menos acessíveis, o que
teve como consequência o aumento exagerado dos seus criadores e a proliferação
inusitada de cães “puros”, criadores sem histórico e experiência nesta
actividade que geraram um sem número de cães de menor qualidade e pouco
préstimo – o cão com pedigree vulgarizou-se.
A segunda causa externa
resultou duma maior sensibilidade acerca dos direitos dos animais,
o que levou à aquisição sistemática de cães vulgares e desafortunados até ali
desprezados. Com o instalar da crise económica, a demanda pelos cães dos
abrigos surgiu como a melhor opção para os cinófilos, que impedidos de chegar a
outros e desprovidos doutras exigências, acabaram por adquirir gratuitamente
esses cães e desprezar os padronizados – a aquisição de cães sem pedigree
tornou-se prática corrente.
A terceira razão externa,
que é também interna, adveio do aumento de informação relativa aos cães,
aumento ligado ao aparecimento dos computadores e da Internet, factores que
possibilitaram um conhecimento mais tangível das raças caninas, nomeadamente
dos cuidados que exigem, dos seus problemas e enfermidades, contratempos que
têm vindo a obstar à sua qualidade de vida e longevidade, cujo combate tende a
ser dispendioso e merece cuidada atenção. Diante disto facilmente se constata
da supremacia do rafeiro relativa ao cão padronizado, das vantagens da selecção
natural sobre a artificial – a maioria dos cães padronizados está doente.
Como a excessiva
consanguinidade e a endogamia, assim como os exageros estéticos procurados,
emprestam a cada raça diferentes impropriedades, ao ponto de as transformarem
em doenças típicas de cada uma delas e, como não são assim tão poucas, adiantaremos
apenas soluções para o Cão de Pastor Alemão, que ao serem válidas
para ele, serão também para outras raças de idêntico propósito e com os mesmos
problemas, porque mais importa divulgar o que se experimentou que alvitrar improvadas
considerações alheias.
As razões internas para a
menor procura do Cão de Pastor Alemão são clínicas, mecânicas e cognitivas
que somadas, têm levado à sua substituição pelo Pastor Belga
Malinois
em serviços específicos e pelos rafeiros na esfera dos animais de companhia. Diferentes
prognatismos, a presença de várias taras, as diferentes displasias (de
anteriores e posteriores), outros problemas articulares dolorosos, a mielopatia
degenerativa, a panosteíte, a insuficiência pancreática exócrina, doenças de
pele sazonais, várias alergias e problemas de intolerância alimentar, têm sido
incidentes e têm-se perpetuado na raça, chegando algumas delas a tornar-se
hereditárias e a comprometerem o bom-nome deste excelente cão alemão, causas
mais do que suficientes para o seu desprezo.
A somar às históricas
displasias vieram juntar-se outros problemas articulares dolorosos e
incapacitantes, que têm comprometido e diminuído a possibilidade de musculação,
o tempo útil e a longevidade do Pastor Alemão, agora acrescido de menor
mobilidade membro a membro e de traseira, incapacidades que o têm induzido à
estafa e condicionado a transição automática dos seus andamentos naturais, para
além de lhe impedirem a transposição de paliçadas e muros até aqui ao seu
alcance. Generalizou-se o desaprumo da globalidade dos seus membros, a
divergência de mãos, um exagerado abatimento de metacarpos e o jarrete de vaca,
anomalias concorrentes a lesões que comprometem de sobremaneira a sua recepção ao
solo e que o afastam dos esforços continuados ou de missões fisicamente mais
exigentes.
E como
não há duas sem três, os cães actuais não apresentam a mesma facilidade de
aprendizagem visível nos cães do passado, sendo mais nervosos e inseguros, mais
dados ao aviso que à cumplicidade nas acções, como se a fragilidade lhes
ditasse o comportamento ou a menor disponibilidade física lhes comprometesse a
histórica cognição, uma vez que os cães “estupidamente” obedientes parecem
nunca terem existido ou terem desaparecido lá para as calendas gregas. Esta
alteração poderá dever-se ao fortalecimento das características morfológicas
lupinas, que sendo sofrida e avidamente procuradas mais aproximaram o CPA do
lobo e distanciaram-no dos restantes cães, tornando-o de menor préstimo pela
maior carga instintiva doada pelas alterações morfológicas.
Para resolver o problema
da excessiva consanguinidade e endogamia presentes na raça torna-se urgente
recorrer às variedades recessivas até aqui desprezadas, sobreviventes em poucos
nichos de criação, menos badaladas e maioritariamente associadas ao trabalho,
quer elas sejam unicolores ou bicolores (ex: as decorrentes do azul e do negro),
desde que isentas das doenças tornadas endémicas no Cão de Pastor Alemão. Em
simultâneo, uma vez também feito o despiste dessas enfermidades, importa
beneficiar as diferentes linhas entre si para se alcançar uma nova
biodiversidade sem a recorrência a outros cães de raça análoga ou diversa.
Há que “mexer” neste cão
novamente (só não sentirá necessidade disso quem não o trabalha ou desconhece o
seu potencial de outrora) para eliminar os desaprumos e insuficiências que o
condenam e despromovem, o que implicará em rejeitar os reprodutores desaprumados,
de peito invertido, descodilhados, por demais desnivelados e muito angulados de
traseira, excessivamente plantígrados, irritadiços, nervosos e leves, isentos
de uma máquina sensorial capaz e por demais barulhentos.
Jamais haverá uma melhoria
cognitiva significativa no CPA sem o contributo dos cães denominados de “linha
antiga”, que de um modo ou outro, ainda que por vezes omissos, continuam a
beneficiar alguns dos cães actuais, porque neles mais reside o superior impulso
ao conhecimento que notabilizou a raça. Adianta-se para os mais cépticos que a
reconhecida qualidade dos cães das décadas de 40, 50 e 60 ficou a dever-se à
biodiversidade e à consequente excelência da selecção efectuada nos anos que
antecederam a II Guerra Mundial. Mais, quanto maior for o fosso entre os
critérios de selecção originais e os actuais, pior será a qualidade dos cães e,
pior que a actual, só o extermínio da raça, expectativa que os seus inimigos
não cessam de anunciar. E depois, o que terá afastado os admiradores da raça: a
sua superioridade em relação às outras ou o seu menor préstimo?
Pergunta-se ainda: o que
contribui decididamente para a melhoria de rendimento dos CPA’s de trabalho em
Portugal? Não vale a pena cansar a cabeça: foi a infusão de Pastores Alemães originários
do Leste Europeu, onde os provenientes da República Checa ocuparam lugar de
destaque. Mas não foram só eles, os vindos da Bélgica e doutros países surtiram
o mesmo efeito. Infelizmente os criadores nacionais caíram no mesmo erro e
armadilha: fecharam-lhes o círculo de criação e enveredaram pela endogamia.
Louva-se o esforço dos novos criadores que têm ousado importar cães de linhas
diferentes das que superabundam por aqui, oxalá não caiam em vícios antigos,
mantenham a biodiversidade presente na raça e optem por uma política de
selecção de quadro aberto. Não aprenderá o homem com os seus erros?
Os mestiços vão de vento
em popa e os puros sucumbem aos seus achaques, o Rafeiro está a
fazer história e o Pastor Alemão a definhar. Só há um meio de o levantar e
fazer ressurgir: apostar nas ancestrais mais-valias laborais que o enalteceram
entre os demais, porque o passado, o presente e o futuro reclamam a utilidade
como vencedora.
Sem comentários:
Enviar um comentário