segunda-feira, 8 de agosto de 2016

“SENHORA PROFESSORA, NÃO ME BATA MAIS QUE EU TRAGO-LHE ARROZ-DOCE COM CEBOLA!”

Esta exclamação foi proferida por uma aluna da escola primária na década de 60, que desesperada e farta de apanhar reguadas da professora (naquele dia catorze), tentou aliciá-la com a promessa dum prato de arroz-doce, desconhecendo que a iguaria dispensava a cebola e o refogado. Desespero idêntico experimentam os cães que são ensinados abruptamente e cuja adaptação é maioritariamente alcançada pela inibição, como se fossem deliberadamente pouco aplicados ou safados e a razão pertencesse em exclusivo aos seus mestres. Os cães assim ensinados sempre carregarão as marcas desse processo “pedagógico”, denunciado pelas expressões mímicas que não lhes escondem o desalento. Esta prática poderá valer em parte aos animais mais dominantes e carenciados de travamento mas não terá nenhum préstimo para os necessitados de maior ajuda, que tomados de pânico, virão a comportar-se como autómatos ou almas penadas.
Será a inibição necessária ao adestramento? E se for, em que momento ou circunstâncias deverá ser aplicada? Como preâmbulo a estas questões, importa dizer que o objectivo primordial do adestramento é a salvaguarda dos cães, o que engloba o seu bem-estar, protecção e longevidade, preocupações que podem não dispensar a inibição, considerando o particular individual de cada cão e o montante dos perigos e inimigos que os cercam, o que transforma a inibição e os comandos inibitórios em subsídios de prevenção mais ou menos seguros por carecerem de recapitulação, o que não implica que toda e qualquer instalação de comandos careça da inibição para a sua instalação, na ultrapassada dicotomia do “certo e do errado” e que só os cães necessitam de aprender.
Na instalação de comandos, porquanto são respostas artificiais que visam o aproveitamento do potencial canino – o seu uso, cabe aos mestres fazê-lo sem recurso à inibição e usar da cumplicidade necessária para a sua obtenção, porque a disciplina revela-se inválida diante da afeição, os cães são animais de afectos e contrariados resistem ao que lhes é solicitado. Deverá haver alguma diferença substancial entre a doma e o adestramento, porque doutro modo seríamos domadores e não instrutores de cães. Que comandos terão maior durabilidade: os instalados à força ou os assimilados pela parceria? Facilmente se depreende que o ensino canino não dispensa em simultâneo a instrução dos donos, para que transmitam aquilo que pretendem numa linguagem ao alcance dos seus instruendos. Não, a inibição deverá ser banida da instalação dos comandos básicos, porque só atrapalha, compromete a sua duração, gera medos desnecessários ou comportamentos marginais, ainda que à partida nos pareça o meio mais célere e eficaz. Que ninguém tenha dúvidas: o adestramento é um esforço conjunto de homens e cães, cabendo aos primeiros a sua maior fatia, porque se o cão é um intérprete, o seu guia é um tradutor.
O uso indevido ou abusivo da inibição, para além do que atrás adiantámos, poderá ter como consequências as seguintes menos valias nos cães: manha; apatia; insegurança; agressividade gratuita; perca de velocidade na execução; evoluções pouco seguras, quebra de autonomia; exagerada submissão e por aí adiante, entraves psicológicos mais que suficientes para comprometer o trabalho binomial no seu todo e o de cada membro em particular. Assim, o recurso sistemático à inibição no ensino dos cães, para além de evidenciar o parco saber e a aspereza dos seus mestres, acaba por atentar contra o bem-estar canino e desaproveitar grande parte do seu potencial. O recurso a acessórios como o estrangulador de bicos, coleiras eléctricas e de cabresto, utensílios de manifesta inibição que mais espelham as dificuldades dos donos, deverão ser substituídos pelo seu esclarecimento, maior cuidado e preparo, para que esclarecidos e instruídos evitem tal despropósito. Não serão as dificuldades caninas resultantes da ignorância, pouco apego ou despreparo dos seus donos?
O recurso à inibição ou a comandos inibitórios só se justifica diante da ausência de procedimentos preventivos, quando a salvaguarda dos cães estiver em risco ou for necessário alertá-los para os perigos que os cercam no desempenho das suas actividades, para evitar a sua vulnerabilidade e dar-lhes vantagem. Nenhum cão gosta de ser dominado e todos carecem de ser conquistados. Felizes são aqueles que sendo compreendidos, nunca experimentaram a inibição, a coerção ou a persuasão, porque através da indução e vendo compensados os seus esforços, alcançaram o primor da sua prestação.

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