Esta exclamação foi proferida
por uma aluna da escola primária na década de 60, que desesperada e farta de apanhar
reguadas da professora (naquele dia catorze), tentou aliciá-la com a promessa dum
prato de arroz-doce, desconhecendo que a iguaria dispensava a cebola e o
refogado. Desespero idêntico experimentam os cães que são ensinados
abruptamente e cuja adaptação é maioritariamente alcançada pela inibição, como
se fossem deliberadamente pouco aplicados ou safados e a razão pertencesse em
exclusivo aos seus mestres. Os cães assim ensinados sempre carregarão as marcas
desse processo “pedagógico”, denunciado pelas expressões mímicas que não lhes
escondem o desalento. Esta prática poderá valer em parte aos animais mais
dominantes e carenciados de travamento mas não terá nenhum préstimo para os
necessitados de maior ajuda, que tomados de pânico, virão a comportar-se como
autómatos ou almas penadas.
Será a inibição necessária
ao adestramento? E se for, em que momento ou circunstâncias deverá ser
aplicada? Como preâmbulo a estas questões, importa dizer que o objectivo
primordial do adestramento é a salvaguarda dos cães, o que engloba o seu
bem-estar, protecção e longevidade, preocupações que podem não dispensar a
inibição, considerando o particular individual de cada cão e o montante dos perigos
e inimigos que os cercam, o que transforma a inibição e os comandos inibitórios
em subsídios de prevenção mais ou menos seguros por carecerem de recapitulação,
o que não implica que toda e qualquer instalação de comandos careça da inibição
para a sua instalação, na ultrapassada dicotomia do “certo e do errado” e que
só os cães necessitam de aprender.
Na instalação de comandos,
porquanto são respostas artificiais que visam o aproveitamento do potencial
canino – o seu uso, cabe aos mestres fazê-lo sem recurso à inibição e usar da
cumplicidade necessária para a sua obtenção, porque a disciplina revela-se
inválida diante da afeição, os cães são animais de afectos e contrariados
resistem ao que lhes é solicitado. Deverá haver alguma diferença substancial
entre a doma e o adestramento, porque doutro modo seríamos domadores e não
instrutores de cães. Que comandos terão maior durabilidade: os instalados à
força ou os assimilados pela parceria? Facilmente se depreende que o ensino
canino não dispensa em simultâneo a instrução dos donos, para que transmitam
aquilo que pretendem numa linguagem ao alcance dos seus instruendos. Não, a
inibição deverá ser banida da instalação dos comandos básicos, porque só
atrapalha, compromete a sua duração, gera medos desnecessários ou
comportamentos marginais, ainda que à partida nos pareça o meio mais célere e
eficaz. Que ninguém tenha dúvidas: o adestramento é um esforço conjunto de
homens e cães, cabendo aos primeiros a sua maior fatia, porque se o cão é um
intérprete, o seu guia é um tradutor.
O uso indevido ou abusivo
da inibição, para além do que atrás adiantámos, poderá ter como consequências as
seguintes menos valias nos cães: manha; apatia; insegurança; agressividade
gratuita; perca de velocidade na execução; evoluções pouco seguras, quebra de
autonomia; exagerada submissão e por aí adiante, entraves psicológicos mais que
suficientes para comprometer o trabalho binomial no seu todo e o de cada membro
em particular. Assim, o recurso sistemático à inibição no ensino dos cães, para
além de evidenciar o parco saber e a aspereza dos seus mestres, acaba por atentar
contra o bem-estar canino e desaproveitar grande parte do seu potencial. O
recurso a acessórios como o estrangulador de bicos, coleiras eléctricas e de
cabresto, utensílios de manifesta inibição que mais espelham as dificuldades
dos donos, deverão ser substituídos pelo seu esclarecimento, maior cuidado e
preparo, para que esclarecidos e instruídos evitem tal despropósito. Não serão
as dificuldades caninas resultantes da ignorância, pouco apego ou despreparo
dos seus donos?
O recurso à inibição ou a
comandos inibitórios só se justifica diante da ausência de procedimentos
preventivos, quando a salvaguarda dos cães estiver em risco ou for necessário
alertá-los para os perigos que os cercam no desempenho das suas actividades, para
evitar a sua vulnerabilidade e dar-lhes vantagem. Nenhum cão gosta de ser
dominado e todos carecem de ser conquistados. Felizes são aqueles que sendo
compreendidos, nunca experimentaram a inibição, a coerção ou a persuasão,
porque através da indução e vendo compensados os seus esforços, alcançaram o
primor da sua prestação.
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