domingo, 28 de agosto de 2016

NÃO HÁ FOME QUE NÃO DÊ EM FARTURA

Portugal ocupa o 10º lugar entre as nações europeias que têm mais animais de companhia, indicador dissonante com a sua riqueza, PIB e índice de desenvolvimento, que não pode ser dissociado do facto de ter mais pensionistas que população activa. Os portugueses têm mais pets que filhos, graças a um processo eugénico imposto por razões económico-sociais. 45% das famílias portuguesas têm um ou mais animais de estimação, ocupando os cães o primeiro lugar da sua preferência, seguidos pelos gatos, aves e peixes. Mais de 75% dos cães escolhidos são de raça indefinida ou híbridos (rafeiros), sendo ¾ deles de tamanho médio-pequeno e provenientes de adopção, das associações que abrigam os que foram abandonados, cedidos na sua maioria já castrados. Entretanto, o número de criadores de cães standardizados encontra-se estagnado, a procura de cães de raça sofre um decréscimo acentuado, a ocorrência das suas ninhadas é menos frequente e até esporádica, resultados que se compreendem pelo empobrecimento geral do País, que se encontra em “Stand by” tal como a canicultura – a marcar passo e à espera de melhores dias.
Com a austeridade e os gastos a que os cães obrigam, a continuação das campanhas de castração e com a criminação dos maus-tratos e abandono, poucos rafeiros sobreviverão e deambularão pelas ruas daqui a poucos anos, o que os colocará quase à beira da extinção, o que é simultaneamente uma boa e má notícia para os cães em geral, boa porque serão melhor respeitados e má porque perderão a biodiversidade que os robustece e que lhes oferece saúde e longevidade (os rafeiros são mais saudáveis e vivem em média mais quatro anos que os seus pares padronizados). O seu desaparecimento progressivo irá levar à maior procura dos cães padronizados, que não renderão os lucros de outrora, obrigarão a maiores cuidados na sua selecção e virão a aumentar o caderno de encargos daqueles que os adquirirem, de acordo com a aura antropomórfica que hoje carregam. Passarão os cães de moda? Verão o seu número reduzido? A hibridação e a clonagem dominarão a canicultura? Assistir-se-á à formação de novas Raças? Quem cá estiver logo saberá!
Importa aos canicultores de hoje preparar-se para o futuro imediato, produzir raças e cães saudáveis segundo as tendências em voga e expectativas de quem os procura, o que equivale a dizer que terão que apostar na qualidade e pensar nos destinatários do seu produto, que não necessitam de cães de guerra e que maioritariamente desejam companheiros pacíficos, interactivos e cúmplices, que não lhes causem problemas e que possibilitem uma coabitação feliz e harmoniosa – cães simpáticos e do agrado geral, aptos para entenderem todos como amigos (pessoas e animais). A criação de raças caninas altamente territoriais, guardiãs e agressivas, hoje penalizadas, encontra-se agora desajustada com os nossos princípios e valores sociais, particularmente quando confiadas a mãos impróprias, pois só assim se compreende o que o SEPNA da GNR tornou público em 2015: que raças com o Rottweiler, o Dobermann, o Pit Bull e o Pit Bull Terrier foram as que mais atacaram pessoas, tendo como alvo principal os seus donos e restantes membros do seu agregado familiar, não poupando também outros animais.
A existência deste desajustamento, a necessitar de ser banido e superado, concorrerá para a maior procura das escolas caninas e terá como consequência a alteração dos seus métodos e currículos de ensino, que assentarão basicamente no reforço positivo, sobre a disciplina de obediência e na habilitação dos animais para as distintas modalidades desportivas ao seu alcance. O convencional Cão de Guerra entrou em decadência logo a partir da década de 50 do século passado e as suas atribuições militares têm sido objecto de alteração, sendo agora mais usado para a detecção de suspeitos e explosivos do que para o varrimento. A sua participação nos conflitos armados está presa por um fio, mercê da Declaração Universal dos direitos do Animal (lavrada em 1978), de uma maior sensibilidade da opinião pública, do seu elevado número de baixas e… do seu abate pós-conflitos! A alteração do modo de fazer a guerra, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (adoptada pela ONU em 1948) e até a globalização, irão também torná-lo obsoleto, despachando-o para a companhia do ilustre Cavalo de Guerra. E nisto subsiste um “efeito dominó”, considerando a sequência existente ente Cão de Guerra, Cão Policial e Cão de Guarda.
O grosso dos cães que temos hoje são reflexo de expectativas passadas e como tal, importa catapultá-los para o futuro, não descorando o seu bem-estar e qualidade, tendo presente que foi a perca das suas qualidades originais que os transformou em imprestáveis, efémeros e doentes animais de exposição. Os cães de trabalho não têm os dias contados, porque são curiosos, versáteis, multifacetados e próprios para o auxílio, características que os capacitam cabalmente para a novidade de serviços, porque todo aquele que persegue pode resgatar e aquele que mata pode salvar, bastando para isso alterar as prioridades na sua selecção - virar a face da moeda. E se assim se fizer, o actual desprezo dará lugar ao aumento da sua procura e a depuração à exaltação. Serão os homens tão adaptáveis quanto os cães? Cada geração tem os seus desafios, o mundo não pára e o futuro é logo adiante. Cabe à actual geração de criadores adaptar os cães que recebeu para o dia de amanhã, amanhã que começa hoje, que não se compadece de atrasos e que não despreza as lições do passado. Podemos não saber muito bem o que é o tempo, certo é que estamos cá e se aqui estamos, viemos para servir, já que a nossa inutilidade bem depressa nos transformará em entulho e legará aos cães a mesma sorte. É hora de acordar!

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