Portugal ocupa o 10º lugar
entre as nações europeias que têm mais animais de companhia, indicador
dissonante com a sua riqueza, PIB e índice de desenvolvimento, que não pode ser
dissociado do facto de ter mais pensionistas que população activa. Os
portugueses têm mais pets que filhos, graças a um processo eugénico imposto por
razões económico-sociais. 45% das famílias portuguesas têm um ou mais animais
de estimação, ocupando os cães o primeiro lugar da sua preferência, seguidos
pelos gatos, aves e peixes. Mais de 75% dos cães escolhidos são de raça
indefinida ou híbridos (rafeiros), sendo ¾ deles de tamanho médio-pequeno e
provenientes de adopção, das associações que abrigam os que foram abandonados,
cedidos na sua maioria já castrados. Entretanto, o número de criadores de cães
standardizados encontra-se estagnado, a procura de cães de raça sofre um
decréscimo acentuado, a ocorrência das suas ninhadas é menos frequente e até esporádica,
resultados que se compreendem pelo empobrecimento geral do País, que se
encontra em “Stand by” tal como a canicultura – a marcar passo e à espera de
melhores dias.
Com a austeridade e os
gastos a que os cães obrigam, a continuação das campanhas de castração e com a
criminação dos maus-tratos e abandono, poucos rafeiros sobreviverão e
deambularão pelas ruas daqui a poucos anos, o que os colocará quase à beira da extinção,
o que é simultaneamente uma boa e má notícia para os cães em geral, boa porque serão
melhor respeitados e má porque perderão a biodiversidade que os robustece e que
lhes oferece saúde e longevidade (os rafeiros são mais saudáveis e vivem em
média mais quatro anos que os seus pares padronizados). O seu desaparecimento
progressivo irá levar à maior procura dos cães padronizados, que não renderão
os lucros de outrora, obrigarão a maiores cuidados na sua selecção e virão a
aumentar o caderno de encargos daqueles que os adquirirem, de acordo com a aura
antropomórfica que hoje carregam. Passarão os cães de moda? Verão o seu número
reduzido? A hibridação e a clonagem dominarão a canicultura? Assistir-se-á à formação
de novas Raças? Quem cá estiver logo saberá!
Importa aos canicultores
de hoje preparar-se para o futuro imediato, produzir raças e cães saudáveis
segundo as tendências em voga e expectativas de quem os procura, o que equivale
a dizer que terão que apostar na qualidade e pensar nos destinatários do seu
produto, que não necessitam de cães de guerra e que maioritariamente desejam
companheiros pacíficos, interactivos e cúmplices, que não lhes causem problemas
e que possibilitem uma coabitação feliz e harmoniosa – cães simpáticos e do
agrado geral, aptos para entenderem todos como amigos (pessoas e animais). A
criação de raças caninas altamente territoriais, guardiãs e agressivas, hoje
penalizadas, encontra-se agora desajustada com os nossos princípios e valores
sociais, particularmente quando confiadas a mãos impróprias, pois só assim se
compreende o que o SEPNA da GNR tornou público em 2015: que raças com o
Rottweiler, o Dobermann, o Pit Bull e o Pit Bull Terrier foram as que mais
atacaram pessoas, tendo como alvo principal os seus donos e restantes membros
do seu agregado familiar, não poupando também outros animais.
A existência deste
desajustamento, a necessitar de ser banido e superado, concorrerá para a maior
procura das escolas caninas e terá como consequência a alteração dos seus
métodos e currículos de ensino, que assentarão basicamente no reforço positivo,
sobre a disciplina de obediência e na habilitação dos animais para as distintas
modalidades desportivas ao seu alcance. O convencional Cão de Guerra entrou em
decadência logo a partir da década de 50 do século passado e as suas atribuições
militares têm sido objecto de alteração, sendo agora mais usado para a detecção
de suspeitos e explosivos do que para o varrimento. A sua participação nos
conflitos armados está presa por um fio, mercê da Declaração Universal dos
direitos do Animal (lavrada em 1978), de uma maior sensibilidade da opinião
pública, do seu elevado número de baixas e… do seu abate pós-conflitos! A
alteração do modo de fazer a guerra, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem (adoptada pela ONU em 1948) e até a globalização, irão também torná-lo
obsoleto, despachando-o para a companhia do ilustre Cavalo de Guerra. E nisto
subsiste um “efeito dominó”, considerando a sequência existente ente Cão de
Guerra, Cão Policial e Cão de Guarda.
O grosso dos cães que
temos hoje são reflexo de expectativas passadas e como tal, importa catapultá-los
para o futuro, não descorando o seu bem-estar e qualidade, tendo presente que
foi a perca das suas qualidades originais que os transformou em imprestáveis, efémeros
e doentes animais de exposição. Os cães de trabalho não têm os dias contados,
porque são curiosos, versáteis, multifacetados e próprios para o auxílio,
características que os capacitam cabalmente para a novidade de serviços, porque
todo aquele que persegue pode resgatar e aquele que mata pode salvar, bastando
para isso alterar as prioridades na sua selecção - virar a face da moeda. E se
assim se fizer, o actual desprezo dará lugar ao aumento da sua procura e a
depuração à exaltação. Serão os homens tão adaptáveis quanto os cães? Cada
geração tem os seus desafios, o mundo não pára e o futuro é logo adiante. Cabe
à actual geração de criadores adaptar os cães que recebeu para o dia de amanhã,
amanhã que começa hoje, que não se compadece de atrasos e que não despreza as
lições do passado. Podemos não saber muito bem o que é o tempo, certo é que
estamos cá e se aqui estamos, viemos para servir, já que a nossa inutilidade bem
depressa nos transformará em entulho e legará aos cães a mesma sorte. É hora de
acordar!
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