Outros antes de nós
sonharam em juntar o melhor dos cães do Ocidente com os do Oriente, talvez por
isso tivesse surgido na década de 60 o “Wolf-Chow”, um híbrido inicialmente de
Wolspitz e Chow-Chow, mais tarde beneficiado com Samoiedo e rebaptizado por “Eurasier”.
Um destes exemplares, produto da Sr.ª Charlotte Baldamus, foi parar às mãos de
Konrad Lorenz, que o considerou como o melhor cão que houvera conhecido
(Babett). O cão mongol, hoje julgado chinês, foi aceite pelos chineses de
braços abertos pelas suas características peculiares, sendo por natureza
independente, persistente, incorruptível, protector e fiel, mais fácil de sociabilizar
com outros animais que com os seus pares, um cão de indómita vontade que acabou
a guardar templos e que continua a exigir um dono experiente. Estas características
do Chow-Chow fazem as delícias de quem procura ou se dedica aos cães de guarda,
porque raramente estão todas presentes nos indivíduos cujas raças se destinam a
esse serviço, apesar de ser teimoso que nem um burro, o que por um lado é bom,
porque dificilmente alguém o dominará e por outro é mau, porque dá luta e
resiste ao controlo dos donos. Sim, ele vale mais do que aparenta.
Amigos de esmiuçar
até âmago o potencial de cada raça, para melhor as compreendermos e
descobrirmos as suas virtudes, defeitos e mistérios (omissões deliberadas dos
criadores), nunca nos interessou vivamente a criação ou procura de híbridos,
apesar de permanecermos atentos a toda e qualquer novidade referente à
canicultura. Certo dia ofereceram-me um Chow-Chow preto, adulto e de pelo
curto, dava pelo nome de “Tuly”, um camarada vistoso, alegre, gracioso e
irrequieto, que veio a ocupar uma box num canil repleto de Pastores Alemães,
ainda que à noite dormisse em casa. Disseram que havia sido um acidente, depois
que havia sido proposital, certo é que ele acabou por cruzar com uma Pastora
Alemã preta-afogueada recessiva em negro, nascendo desse enlace dois cachorros
(um cor-de-areia e um preto-afogueado) e três cachorras negras. Ficámos com o
macho cor-de-areia e depois do desmame oferecemos os restantes a amigos e
pessoas conhecidas. O pimpolho recebeu o nome de “Afonso” e mais tarde os
títulos de “cão-máquina” e “cão-relógio” devido ao esmero e graciosidade que
emprestava ao trabalho e à parceria. Com ele trabalhei em dois filmes e numa
série, recebendo de quem nos contratou os mais rasgados elogios e entrando em
cena debaixo de um coro de aplausos. Não voltei a ver e a conduzir um cão
igual, era de facto uma máquina, possivelmente superior à Babett de Konrad
Lorenz, que valia pelo que era e não tanto por aquilo a que se prestava.
Naquele cruzamento
juntou-se o melhor dos dois hemisférios: a autonomia presente nos cães
orientais e a riqueza de personalidade visível no Pastor Alemão, simbiose que
eclodiu no Afonso para nosso contentamento. Todos os cruzamentos entre Chow-Chow
e Pastor Alemão darão cães assim? É evidente que não! Bastaria que o pai fosse Pastor
e a mãe Chow-Chow, ainda mais quando ambas as raças são dominantes na
construção, uma vez que o impulso ao conhecimento presente nos cachorros deve-se
mais à mãe que ao pai, transmitindo-lhes o patriarca os impulsos inerentes à
dominância (ao alimento, movimento, à luta e ao poder). Qualquer Chow-Chow
cruzado com qualquer Pastora Alemã produzirá a mesma excelência? Não, porque
ambos carecem de se casar perfeitamente e pertencerem a variedades específicas.
Se nos valermos dum Chow-Chow vermelho, cor-de-areia e até preto para cruzarmos
uma CPA lobeira sem factor negro será um autêntico desastre, porque à teimosia
do cão mongol juntar-se-á a tardia maturidade emocional dos lobeiros
responsável pelo seu comportamento silvestre, dotando os cachorros de maior
rebeldia e resistência á cumplicidade por mais tempo ou definitivamente.
Também o cruzamento
entre um Chow-Chow de pelo comprido com uma CPA de peito estreito, com abatimento
de metacarpos e demasiado angulada dos membros traseiros (linha estética) não é
recomendável, porque os híbridos que deles nascerão padecerão das mesmas
incapacidades e apresentação, para além doutros problemas relacionados com a
endogamia de ambos que influirão negativamente na sua biomecânica e desempenho,
por serem desaprumados, esgalgados, leves de osso, menos resistentes e
propensos a ladrar em demasia. O Chow-Chow recomendado para estes cruzamentos
deve ser bem-aprumado, de pelo curto, preto ou dourado, nunca cor-de-areia,
porque o factor cinzento está também presente no CPA através dos lobeiros, recriando
uma dominância silvestre de pouco ou nenhum préstimo. A CPA a usar para a
obtenção deste híbridos deverá ser de linha de trabalho, negra ou recessiva
nessa variedade cromática, pormenor que tornará os cachorros mais precoces,
curiosos, mais controláveis e menos arredios.
Escrevemos este
artigo para aqueles que gostam de comprovar tudo o que ouvem ou para aqueles
que querem experimentar a mesma felicidade que nós sentimos. Experimentem
cruzar um Chow-Chow negro de pelo curto com uma CPA negra ou recessiva nessa
cor e verão se existem cães-máquina ou não! O cão mongol tem muito a dar às
várias raças caninas ocidentais em matéria de aptidão e segurança, ainda que pareça um inofensivo e carinhoso ursinho de peluche.
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