Nasci a ouvir fado, desprezei-o
e ridicularizei-o na adolescência, apesar das grandes fadistas de então, por
achá-lo próprio de velhos bairros degradados e de tradições em que não me revia,
por entendê-lo como um grito de gente “pé-de-chinelo”, mais presa à si mesma, à
desventura e ao desgosto que apostada no progresso e na inovação. Redescobri o
fado com as composições que Alain Oulman escreveu para Amália Rodrigues, o que
me transformou para sempre num “oulmanista” inveterado, muito embora discorde
da presença de Amália no Panteão Nacional, mesmo sendo quem foi e o que deu ao
fado. A minha fadista de eleição foi e será sempre Maria Teresa de Noronha,
pelo timbre de voz, classe, sentimentos que irradiava e pela áurea de mistério
que emprestava às suas actuações. Depois dela só Maria da Fé e foi por causa
desta fadista nortenha que me desloquei na última Sexta-feira ao CCB, onde de
camarote assisti à actuação de Raquel Tavares, que se diz sua sobrinha,
restando saber se é dela ou do marido, o poeta alentejano José Luís Gordo.
A actuação iniciou-se com
10 minutos de atraso, a sala estava cheia e a fadista de 31 anos apresentou-se descontraída
e cheia de garra, porque cantou até que a voz lhe doesse, culminando a sua
actuação a cantar “Estranha Forma de Vida” sem microfone, opção que a
comprometeu por destratar as notas agudas. O espectáculo mereceu várias ovações
do público que foi convidado inúmeras vezes pela fadista para a acompanhar
nalgumas estrofes dos fados. Raquel Tavares é uma fadista de mão-cheia, disso
não restam dúvidas, muito embora a sua mímica seja mais “gitana” e tangente ao “flamenco”,
plena de gestos largos e desafiadores.
Os músicos presentes não
defraudaram e foram inexcedíveis, sendo em grande parte responsáveis pelo
sucesso do espectáculo. A fadista em várias ocasiões exaltou o conceito de “fado-verdade”,
adiantando que a falecida fadista nortenha Beatriz da Conceição foi o seu ídolo
e musa inspiradora, não se escusando também a realçar a sua relação familiar
com Maria da Fé e o seu marido (a fadista sénior fez-se presente nas primeiras
filas da plateia). O estilo empregue, o repertório e os temas dele constantes,
ainda que do agrado do público (que é quem paga os bilhetes) pouco ou nada me
disseram, porque esperava algo de novo e acabei por ouvir o que sempre conheci.
À parte disso Raquel Tavares esteve bem e proporcionou uma noite agradável a
quem a foi ver actuar. Pouco a pouco vou retomando a minha vida social, pois
nem só de cães posso viver, mormente agora que o fado é “património imaterial
da humanidade”. O “Black” ficou em casa e caso pudesse ter ido comigo ao
espectáculo não teria razões para uivar.
Sem comentários:
Enviar um comentário