quinta-feira, 26 de maio de 2016

NÓS POR CÁ: CCB E RAQUEL TAVARES

Nasci a ouvir fado, desprezei-o e ridicularizei-o na adolescência, apesar das grandes fadistas de então, por achá-lo próprio de velhos bairros degradados e de tradições em que não me revia, por entendê-lo como um grito de gente “pé-de-chinelo”, mais presa à si mesma, à desventura e ao desgosto que apostada no progresso e na inovação. Redescobri o fado com as composições que Alain Oulman escreveu para Amália Rodrigues, o que me transformou para sempre num “oulmanista” inveterado, muito embora discorde da presença de Amália no Panteão Nacional, mesmo sendo quem foi e o que deu ao fado. A minha fadista de eleição foi e será sempre Maria Teresa de Noronha, pelo timbre de voz, classe, sentimentos que irradiava e pela áurea de mistério que emprestava às suas actuações. Depois dela só Maria da Fé e foi por causa desta fadista nortenha que me desloquei na última Sexta-feira ao CCB, onde de camarote assisti à actuação de Raquel Tavares, que se diz sua sobrinha, restando saber se é dela ou do marido, o poeta alentejano José Luís Gordo.
A actuação iniciou-se com 10 minutos de atraso, a sala estava cheia e a fadista de 31 anos apresentou-se descontraída e cheia de garra, porque cantou até que a voz lhe doesse, culminando a sua actuação a cantar “Estranha Forma de Vida” sem microfone, opção que a comprometeu por destratar as notas agudas. O espectáculo mereceu várias ovações do público que foi convidado inúmeras vezes pela fadista para a acompanhar nalgumas estrofes dos fados. Raquel Tavares é uma fadista de mão-cheia, disso não restam dúvidas, muito embora a sua mímica seja mais “gitana” e tangente ao “flamenco”, plena de gestos largos e desafiadores.
Os músicos presentes não defraudaram e foram inexcedíveis, sendo em grande parte responsáveis pelo sucesso do espectáculo. A fadista em várias ocasiões exaltou o conceito de “fado-verdade”, adiantando que a falecida fadista nortenha Beatriz da Conceição foi o seu ídolo e musa inspiradora, não se escusando também a realçar a sua relação familiar com Maria da Fé e o seu marido (a fadista sénior fez-se presente nas primeiras filas da plateia). O estilo empregue, o repertório e os temas dele constantes, ainda que do agrado do público (que é quem paga os bilhetes) pouco ou nada me disseram, porque esperava algo de novo e acabei por ouvir o que sempre conheci. À parte disso Raquel Tavares esteve bem e proporcionou uma noite agradável a quem a foi ver actuar. Pouco a pouco vou retomando a minha vida social, pois nem só de cães posso viver, mormente agora que o fado é “património imaterial da humanidade”. O “Black” ficou em casa e caso pudesse ter ido comigo ao espectáculo não teria razões para uivar. 

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