sábado, 28 de maio de 2016

AO ENTARDECER COM O VENTO SUÃO

Ao entardecer com o Vento Suão, que os italianos há muito alcunharam de “Siroco”, vento sudeste que traz o calor e as areias do Deserto do Sahara, frente quente e árida que na época estival quase nos sufoca nas planícies do interior, pus-me a pensar sobre a canicultura e os canicultores dos tempos que correm, também eles sufocados pelo vento persistente da austeridade que afecta todos os portugueses e sujeita-os às decisões de meia-dúzia de burocratas desconhecidos que mexem os cordelinhos da UE, resultando disso a perca da independência nacional e um Parlamento fantoche, um punhado desenrascado de políticos “vira-casacas” e o empobrecimento geral. De um jeito ou de outro sempre andámos assim, por isso já não estranhamos, na oscilação histórica entre o roto e o nu.
Como todos sabemos os cães não são um produto de primeira necessidade e mais agravam as despesas dos seus proprietários, porque não são auto-sustentáveis e exigem uma série de cuidados mais ou menos dispendiosos, sendo por isso um vício caro sustentado pela vaidade, simultaneamente um hobby e uma necessidade que não estão ao alcance de qualquer um, ainda que muitos os tenham para cúmulo da sua desgraça e infortúnio dos animais, o que torna a criação de cães uma actividade de alto risco para a carteira dos seus mentores, pois dependem dos bons ventos da economia, podendo ser levados pelos maus e lançados na ruína, sorte a que os criadores nacionais parecem hoje malogradamente votados pelas vicissitudes a que se encontram sujeitos.
Nestes momentos de austeridade, a par com a miséria de muitos, cresce a ganância e a avareza, valendo-se todos das mais variadas jigajogas e geringonças na procura de vantagens, “mind games” como faz o Mourinho no futebol. Como a maioria das pessoas não tem como comprar cães, caso pudesse não hesitaria em comprá-los, mesmo que agora se confesse ser contra a sua venda, os canicultores vêem-se rodeados de oportunistas que intentam comprar-lhes cães por um preço bem abaixo do seu custo, gulosos que se aproveitam da actual crise económica para a prevalência dos seus intentos, plebe sem escrúpulos que faz sua a máxima já batida: ”com o mal dos outros posso eu bem!” Não sobrando outro tipo de compradores, sempre acabam por ser bem-sucedidos, porque os criadores não podem ficar com os cães todos e cada cão a mais agudiza a sua já difícil sobrevivência, comprometendo a sua subsistência, a dos seus e a dos animais que mantêm ao seu encargo.
Para combater estes oportunistas e não comprometer o futuro da canicultura pela constante baixa de preços resultante da menor procura, os canicultores terão que diminuir tanto os seus efectivos quanto o número de ninhadas, que só deverão acontecer debaixo de reserva convenientemente sinalizada, porque doutro modo terão que suportar as possíveis desistências que sempre acontecem, para além de se sujeitarem à abusada baixa de preços a que hoje se assiste e da qual dificilmente se verão livres. Por outro lado, deverão desprezar a quantidade e apostar na qualidade, porque os bons cães são como os carros topo de gama: nunca lhes faltam compradores. E vender por vender barato, mais vale que seja a alguém que mostre o cão e que não o esconda, servindo o animal como a melhor das publicidades para o trabalho do seu criador. Dar preferência a compradores mais visíveis, badalados ou colunáveis tem-se revelado uma excelente estratégia. Vender nesta ou noutras alturas “cachorros de ensaio”, resultantes de experimentos que visam o alcance de melhores beneficiamentos, que sempre carecem de escoamento, pode revelar-se um desacerto grave porque poderá desprestigiar qualquer linha de criação. Assim, estes exemplares devem ser doados a pessoas amigas e não serem vendidos.
Cresce entre a opinião pública a revolta contra a venda dos cães, oposição que eticamente se compreende pelo número crescente dos necessitados de adopção, mas que não se entende face aos benefícios que a canicultura oficial entende à sociedade, enquanto produtora de cães para os mais variados fins, sendo até ao momento alguns deles insubstituíveis em certos serviços, considerando a saúde, o bem-estar, protecção e salvamento das populações, efectivo menos dispendioso para a garantia dessas mais-valias, o que obriga e obrigará os canicultores à produção de animais de utilidade, porque só já ela justifica e justificará a existência de cães com pedigree, fora isso já nos bastam os rafeiros, mormente nas sociedades mais pobres ou nas mais abastadas em tempos de crise (vão-se os anéis, ficam os dedos!), muito embora saibamos que a vaidade, que muitos justificam como direito à diferença, tenha aqui uma importante palavra a dizer.
Erram redondamente aqueles que pensam a ser a canicultura uma actividade muito lucrativa ou um meio de rápido enriquecimento, porque ela jamais satisfará o investimento que lhe é feito e sempre exigirá novos, atendendo ao propósito dos beneficiamentos. Criar cães é uma carolice advinda da paixão, uma forma de empobrecer a dar corpo aos sonhos, um serviço que mais serve aos outros que aos próprios, uma actividade excêntrica para os ricos e a mais dura das penas para os remediados e pobres. Lucrativo é transaccionar cães, comprá-los baratos e vendê-los bem acima do seu preço de custo. Uma ninhada que nasce é o culminar de uma vida de trabalho, dedicação e despesas, uma obra que vale pelo que é e que pouco ou nada retribui a quem a erigiu, a não ser a alegria de havê-la feito e de ser admirada pelos outros. Ser criador é nalguns casos investir o que se tem e não tem sem estender a mão à caridade.
Tenho reparado que muitas das pessoas que se dizem contra a venda de cães, acusando injustamente os criadores de agiotas e salafrários, acabam por adoptar um mestiço, que só Deus sabe a raça a que pertence, atribuindo-lhe uma por analogia ou em função de um ascendente longínquo, como que a reclamar um lugar ao sol para o animal de acordo com a sua vaidade, gente que mais valia estar calada e que, ao invés de combater os canicultores e procurar as suas fraquezas, deveria dar combate às suas e não se aproveitar das alheias. Ser criador de cães tem um preço que poucos estão dispostos a suportar e tudo o que tem valor não é gratuito. Gratuito só o Amor de Deus e talvez por isso as igrejas se encontrem vazias! E nestas picardias dos homens, quase tão antigas quanto o mundo, a vaidade de uns gera a inveja e cobiça dos outros (parece que andamos todos ao mesmo).
Na verdade existem por toda a parte milhares de cães sem raça definida por adoptar, muitos rafeiros são notoriamente mais apelativos e mais saudáveis que os ditos “puros”, mas mesmo assim há quem prefira algum desleixado de raça, convencido que a sorte lhe sorriu, desejo hipócrita que se repete amiúde e que leva ao desprezo pelos filhos da selecção natural. Este “não querer ficar para trás”, lembra-me a figura caricata de um fulano provinciano, julgo que era barbeiro, que não tendo um carro com ar condicionado como os demais e querendo enganar os outros, circulava com o seu de janelas fechadas, todo atabafado em pleno Verão, acabando a suar que nem um porco!
Debaixo dos auspícios do Vento Suão que nos acalenta, escrevemos este texto para aqueles que pretendem ser criadores de cães, para que meditem seriamente sobre a sua opção, alertando-os para os riscos e adiantando-lhes conselhos advindos da experiência que tivemos. Em simultâneo importou-nos denunciar os párias mais comuns ao redor da canicultura e publicitar o importante trabalho dos criadores de cães. Muito mais haveria a dizer sobre o assunto, oportunidades não faltarão!

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